Todos os anos, à medida que o mês de agosto se aproxima, TV, redes sociais e as propagandas publicitárias pautam sem descanso o dia dos pais sem problematiza-lo. São bombardeados anúncios sobre consumo acerca de uma paternidade quase irreal se considerarmos a verdadeira situação das maiorias dos lares e das crianças brasileiras. Nas escolas tampouco há debates mais profundos sobre a data, apenas o incentivo a confecção de lembrancinhas, e as apresentações escolares para homenagear a figura paterna. Não se trata de ser estraga prazeres nem mesmo generalizar a paternidade, mas é preciso ser dito que para muitas crianças essa data é uma verdadeira tortura emocional e cheia de constrangimentos.
Rosi Santos
As Famílias monoparentais
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nos últimos 10 anos o Brasil ganhou mais de 1 milhão de lares sustentados somente por mães. No estado de São Paulo, região de maior desenvolvimento econômico do país, existe 750 mil pessoas, de 0 a 30 anos, que estão sem o nome do pai na certidão de nascimento.[1]
Diante do abandono paterno e do Estado a única saída de milhares de mulheres é manter seja como for o cuidado de seus filhos. Sem o pai e sem políticas públicas que lhes forneçam condições materiais para garantir com qualidade a subsistência e condições emocionais para ajudar no desenvolvimento humano dessas crianças, o abandono paterno e estatal esfacelam pessoas. O Estado é sempre o maior responsável, afinal gerar vidas, mão de obra produtiva e cidadãos deveria no minimo ter algum valor.
Sem intervenção estatal com políticas de apoio e responsabilização do pai e genuína proteção social a criança, as mulheres trabalhadoras duplamente abandonadas são obrigadas a abrir mão de sua autonomia e por conseguinte de sua qualidade de vida.
Além da questão econômica a responsabilização moral e principalmente emocional com a criança, é um fenômeno que causa adoecimento psíquico na maioria das mulheres, em muitos casos levam à depressão e em alguns casos ao suicídio e infanticídio. A difícil constatação em muitas de que foram obrigadas a abandonar a carreira, vida amorosa, postergar sua formação acadêmica, e ter sua vida social quase que anulada podem sim levar a patologias, inclusive físicas. Muito se fala sobre a saúde mental atualmente, mas pouco se problematiza suas bases materiais em muitos casos. Uma criança cujo pai sistematicamente cultiva uma relação de estranhamento com sua paternidade pode ser uma criança propensa a nutrir dores emocionais ao largo de toda vida, o mesmo pode ocorrer as mulheres que sofrem de que uma maneira ou de outra sofre por dois.
Tal fenômeno representa a negação jurídica e afetiva de uma fração constitutiva importante da vida e da história das crianças de nosso país, e isso tem implicações que seguramente se não enfrentadas continuarão perpetuaram ao longo de nossa historia.
Nossa atualidade para o “bem” e para “mal” é caracterizada por transformações aceleradas das relações, assim como não se pode falar em maternidade obrigatória também nao se pode falar em obrigar a alguém exercer de maneira integral um papel que não se enquadra no entanto, esse papel é cobrado e cumprido pelas mulheres. Principalmente quando nos referimos sobretudo a uma alta exigência as mulheres e muito pouca sobre os homens nessa problemática.
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Conforme Pithan e Timm (2007), pode-se considerar como principais características desse período histórico a fragmentação, a superficialidade e a efemeridade das relações interpessoais. Diniz Neto e Féres-Carneiro (2005), ao se referirem especificamente às relações amorosas, acrescentam a tais características a incerteza, a instabilidade, a heterogeneidade e a pluralidade. Assim, para Petrini (2005), a defesa de um estilo de vida independente e autônomo produziu um indivíduo estável, de compromissos e convicções fluidos.
Educação sexual e reprodutiva um direito inquestionável a todos
Ausência do pai e do Estado
Mais de 80% das crianças brasileiras têm como primeiro responsável uma mulher. O Código Civil prevê certos deveres dos pais, tais como a companhia, vigilância, e assistência material e moral, fala da obrigação do Estado em repartir entre a família a obrigação primordial do cuidado, acompanhamento e poder de influência sobre a criança e o adolescente.
No entanto, o atual inciso I do artigo 932 do Código Civil, gera muitos debates na esfera do Direito de Família, pois trata de um modelo familiar que já não é um padrão e que implica pensar o direito sobre uma nova realidade. De acordo com o inciso, estar em companhia parte do princípio da convivência de ambos responsáveis na mesma casa com a criança. Na atualidade o direito se aplica de maneira unilateral para as mulheres. A lei estabelece que a maior responsabilidade sob o menor deriva daquele que tem a guarda dos filhos e não na hereditariedade.
Para se ter uma ideia, em caso de delito ou dano grave ao menor, responderá apenas o responsável que tem o filho em sua companhia, fator que na realidade brasileira de acordo com os dados do IBGE, joga nas costas das mulheres mães a culpa e a total responsabilidade ao cuidado e formação das crianças e jovens.
Na linguagem popular, ser pai é “fácil”, principalmente quando a vigilância e companhia do menor de acordo com o Código Civil são de responsabilidade primeira daqueles que possuem a guarda da criança, ou seja, na esmagadora maioria as mães. O Código Civil e o Estado machista, ao contrário, de outros países não coloca a responsabilidade civil sob o menor como de ordem compartilhada, por igual aos responsáveis, independente da convivência ou não.[2]
É perceptivo, o machismo mascarado na desatualização das leis brasileiras no que toca a vida e bem estar das mulheres, pois ainda prevê a constância da união conjugal, e não da função parental.
Dessa maneira, o machismo institucional atua por meio do descaso e leva a mulheres, assim como seus filhos à condição de vítimas. Pois, a partir da dissolução conjugal ou quando não há a constituição da mesma, a responsabilidade sobre o menor passa a ser negociada e solidária, sendo que a responsabilidade central prevista no ordenamento jurídico se destina apenas a um dos progenitores.
Dia dos pais no país record em abandono paterno
A ausência do nome do pai na certidão de nascimento corresponde a mais de 60% da população infantil em todo o país. Este drama também esta presente na população carcerária onde o problema é ainda maior, chegando a quase 70% dessa população.
O abandono paterno tem raízes profundas na formação politica, econômica e social misógino e sexista de nosso país. A Promotoria de São Bernardo do Campo região metropolitana de São Paulo, em estudos recentes aponta que o problema na região já “virou uma epidemia social”, porém a própria Promotoria que identifica e denuncia o problema não possui nenhuma ação para sanar o problema.
Nessas condições, o vinculo familiar do pai não deveria apenas ser subentendido como um vínculo jurídico, mas ser defendido efetivamente, incentivado e possibilitado pelo Estado como tal.
Omissão do Estado é a principal responsável
A maioria dos dados que analisamos dá conta apenas da região de São Paulo, mas é um espelho de todo o país. Esse é um problema de origem social, não se trata aqui de obrigar os pais a visitarem seus filhos mas sim como mínimo que todas as condições sejam dadas para que compartilhem a responsabilidade com a criança. Criar mecanismo e condições para enfrentar todas razões que levam ao abandono paterno. Isso faria com que milhares de mulheres não tenham que se desgastar sozinhas em batalhas judiciais, na maioria das vezes inglórias.
São milhares de crianças matriculadas na rede pública de educação, que estão sem o nome do pai na certidão, ou seja, o Estado sabe da realidade dessa realidade social, mas se omite da responsabilidade, desrespeitando a Constituição e principalmente o Estatuto da criança e do adolescente (ECA) da maneira mais sórdida possível.
Por via institucional apresentam sempre as saídas mais fáceis, a do punitivismo. Não basta prender homens que atrasam as pensões alimentícias, sem atacar o problema de maneira global, criando politicas e atrativas que enfrentem o desemprego, o alcoolismo e baixa escolarização e o machismo.
Sem tratativas adequadas à realidade escolar das crianças nessas condições, é a do bullying entre as crianças na escola, total exposição e assedio moral, que somente servem para aumentar as estatísticas de evasão escolar ao indiscutível adoecimento psíquico de mães e a marginalização social de milhares de crianças.
Não bastam mutirões para o reconhecimento paterno no documento, as políticas públicas que não venham combinadas com medidas de acompanhamento das mães e crianças e observação aos pais omissos, acompanhado de políticas de reeducação dos mesmos e inserção no mundo do trabalho, são meramente paliativas.
É lamentável que as estatísticas e a própria realidade ao
nosso redor, escancaram a postura de governos que vigiam os direitos
reprodutivos das mulheres, por meio da proibição e criminalização do aborto,
mas não cumpre o dever de proteção a criança e se omite sobre a responsabilidade
paterna dos homens. As mulheres e
crianças não podem mais ser as maiores vitimas da ausência do estado e da
presença continua da opressão machista, por isso é imprescindível políticas
públicas de enfrentamento a esse problema e todas suas consequências a vida das
mulheres.
[1] Dados de 2015.
[2] É o poder público legitimando a cultura popular sexista, por exemplo, o questionamento machista “sua mãe não te deu educação?”