Por Heidy Valencia Espinoza – Las Rojas-NPS (Costa Rica), 20/2/17
Recentemente [NT: no ano de 2017] o PSTU argentino, pertencente a LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional), publicou em seu site um artigo intitulado “Marxismo ou Feminismo?” em que sustentam que o feminismo e o marxismo se contrapõem. De fato, explicitamente buscam polemizar com as organizações de esquerda que se reivindicam marxistas e feministas. Por este motivo, pelo Nuevo Partido Socialista e Las Rojas – Costa Rica, nos envolvemos no “debate” pois nos reivindicamos feministas socialistas.
Em sua ânsia por criticar o feminismo (como se este fosse homogêneo) utilizam falácias contra o feminismo socialista. Afirmam que “para as feministas, a questão essencial é a luta contra os homens, por lutar por espaços e conquistas até conseguir a igualdade entre mulheres e homens na sociedade capitalista”.
Aqui cabe perguntar-se de onde obtêm essa definição de feminismo, posto que nem no Dicionário da Real Academia Espanhola – caracterizado por seu machismo – se define nestes termos. O feminismo não pode equiparar-se com a luta contra os homens, ao contrário, desde a teoria feminista clássica com pensadoras como Simone de Beauvoir ou Gayle Rubinse entende-se a opressão das mulheres desde as relações sociais produzidas com o patriarcado.
Desta maneira, tal afirmação reduz todo o feminismo à aspiração pela igualdade no marco da sociedade capitalista. Esta leitura não abarca o feminismo socialista, essa é a máxima aspiração do feminismo burguês, mas o feminismo socialista há décadas tem se esforçado por compreender as relações sociais e econômicas para lutar contra o capitalismo e o patriarcado. Por isto, os homens não são inimigos por si mesmos, com o PSTU e a LIT considera todo o feminismo, sendo que o inimigo é o patriarcado que se materializa em relações sociais de domínio.
É um erro garrafal que um grupo e uma corrente trotskista propõem nesses termos (rejeitando categoricamente a grande contribuição do feminismo socialista), um debate que foi superado há décadas, porque a relação entre o marxismo e o feminismo foi desenvolvida por um longo tempo a fim de compreender a brutal aliança que se gerou entre o capitalismo e o patriarcado.
Quando o PSTU e o LIT argumentam que “para o marxismo não existem dois sistemas: capitalismo e patriarcado, e nem, portanto, duas diferentes lutas políticas e sociais paralelas”, omitem que o patriarcado produziu relações de opressão, que são perpetuadas porque são funcionais à lógica do capital, mas o capitalismo e o patriarcado não são sinônimos. O patriarcado tem suas especificidades, e produziu a divisão sexual do trabalho.
Além disso, a gênese da opressão das mulheres tem um vínculo com o surgimento da propriedade privada, quando o excedente é gerado, surge a preocupação com a herança, daí a monogamia (para as mulheres) e o casamento, o que Engels em A Origem da Família, Propriedade Privada e o Estado denomina como a grande derrota histórica das mulheres, poi se institucionaliza a divisão sexual do trabalho.
Então, o patriarcado existe desde que as mulheres foram relegadas à esfera privada, à criação e cuidado de outros, quando seus corpos se tornaram propriedade e seus direitos foram negados, assim como sua sexualidade. O PSTU e o LIT negam a existência do patriarcado? Caso contrário, é impossível negar que a luta contra o patriarcado tenha suas especificidades. Nesta luta, o tema central da opressão são as mulheres. Evidentemente, destruir o patriarcado envolve a destruição de relações econômicas que reproduzem a opressão. Ou seja, lutar contra a opressão das mulheres implica necessariamente (essa é uma das grandes contribuições do feminismo socialista) a luta contra o capitalismo, em aliança com a classe trabalhadora e outros setores oprimidos.
Em conclusão, é um grave erro na teoria e na práxis a recusa de reivindicar-se feminista, ainda pior, colocar o feminismo (incluindo o socialista) em contraposição ao marxismo. Essa rejeição leva a invisibilizar a luta feminista (se não é mesmo considerada uma ameaça à luta socialista) e a confinar ao pano de fundo a luta pela libertação das mulheres, reproduzindo um dos erros históricos cometidos pelo stalinismo.
Nesse sentido, o PSTU e a LIT encabeçam um enorme retrocesso para a tradição feminista socialista do trotskismo, que é parte de uma concepção conservadora e sectária do marxismo que se estende a outras áreas de sua práxis política, por exemplo, sua rejeição sistemática realizar frentes unitárias eleitorais com outras correntes de esquerda e uma concepção objetivista que se qualifica como “revoluções socialistas inconscientes” para processos como a guerra civil na Síria ou na época as rebeliões populares em países do Oriente Médio e da África. Como resultado disso, a LIT está atualmente imersa em uma crise crescente, cujas principais manifestações são a ruptura de metade de seu partido no Brasil, outra semelhante na Argentina, bem como na Costa Rica e a crise de sua seção em Portugal.
Como NPS e Las Rojas nos firmamos reivindicando a necessidade de fortalecer o feminismo socialista e lutar contra o capitalismo patriarcal para destruir as relações sociais e econômicas que sustentam a exploração e a opressão. Também colocamos a questão ao Partido dos Trabalhadores (PT) [NT: neste caso, PT – seção da LIT na Costa Rica] como à LIT (corrente internacional à que pertencem),: não reivindicam-se feministas socialistas? Se não, por que constroem o “Lucha Mujer” [NT: organização de mulheres do PT-Costa Rica -LIT]?
Para finalizar, uma frase da revolucionária Rosa Luxemburgo que sintetiza a tradição feminista socialista que como NPS, Las Rojas e corrente internacional Socialismo ou Barbárie reivindicamos : “A feminista que não é socialista, carece de estratégia. O socialista que não é feminista não tem profundidade “.
Tradução Andreia Silva