Apresentação
A luta de classes em novas condições da época de guerras, crises e revoluções que está se apresentando, coloca a necessidade do relançamento do marxismo revolucionário no século XXI. Não o marxismo unilateral da academia, que não se compromete com as necessidades práticas da luta de classes e da construção dos partidos revolucionários, e nem o das seitas políticas, que são incapazes de fazer um balanço histórico e teórico real.
Por isso, nossa corrente se coloca a contribuir com um duplo desafio: fazer uma análise profunda do que foram as dificuldades reais das revoluções – socialistas ou não – do século XX e, a partir daí, retomar o fio condutor entre a teoria renovada, os programas, estratégias e táticas concretas requeridas pelo processo revolucionário.
Uma das primeiras conclusões a que se chegará tendo em conta o balanço das revoluções do século XX é a de que a ausência de revoluções socialistas propriamente ditas se deveu à ausência de partidos revolucionários com base operária como um dos elementos centrais. Assim, com o tensionamento crescente da luta de classes coloca-se a imperiosa necessidade de construirmos partidos revolucionários para contribuirmos decididamente com a classe trabalhadora e os oprimidos para que esses possam criar movimentos capazes de derrubar regimes e estados burgueses e possam, a partir do seu poder, fazer a transição rumo ao socialismo e ao comunismo.
Até chegar ao ponto – e, certamente, depois também – da construção de organismos de duplo poder, da tomada do poder e da transição ao socialismo, um caminho marcado por leis determinadas pela luta de classes e da disputa pela direção das massas se coloca aos revolucionários. Sendo a luta de classes a mediação central para qualquer fazer político, é mais do que necessário deixar claro que estamos numa guerra de classes e contra a burocracia, sem falar na dura disputa entre as correntes revolucionárias. Nessa guerra total, todas as armas – das manobras enganadoras à ação sangrenta, cada uma de acordo com as condições reais – devem ser usadas contra o inimigo de classe, porém, sem jamais rompermos com os princípios e estratégias revolucionárias.
Assim, manter a tensão entre os fins (revolução e socialismo), meios (mobilização das massas e construção do partido) e terrenos (condições econômicas e políticas) da luta de classes é o que foram capazes de predizer e fazer os grandes revolucionários do início do século XX. Alguns, como Lênin e Trotsky, puderam levar à prática a tomada do poder e o início da transição – interrompida pelo processo de burocratização – outros, como Rosa e Gramsci, não tiveram tanta sorte, no entanto, todos eles deixaram valiosos ensinamentos no campo da estratégia revolucionária às novas gerações.
Com o objetivo de contribuir com a formação política das novas gerações de revolucionários, apresentamos abaixo uma das contribuições de Roberto Sáenz, dirigente do Nuevo Mas da Argentina e da Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie, através do artigo Maquiavel, Trotsky e Gramsci. Esse ensaio aponta coordenadas básicas para a ação dos militantes e organizações revolucionárias que precisam se fazer valer na luta de classes e na luta de tendências cotidianas para ocuparem o seu necessário espaço na direção da luta dos explorados e oprimidos de nossa época.
Redação
Maquiavel, Trotsky e Gramsci
Os fins e os meios, ou as leis de toda política
Por Roberto Sáenz
“Há tanta distância entre saber como os homens vivem e como devem viver, que aquele que aprende a governá-los estudando o que é feito, a fim de deduzir o que seria mais nobre e justo fazer, aprende mais a criar sua ruína do que a preservar-se dela, já que um príncipe que a todo custo quer ser bom, quando, na verdade, ele está cercado por pessoas que não são, não pode deixar de caminhar para o desastre. Portanto, é necessário que um príncipe que deseja manter-se em seu reino aprenda a não ser bom em certos casos, e a fazer uso ou não de sua bondade, de acordo com as circunstâncias que o exigem.” (Nicolau Maquiavel em O Príncipe )[1]
Há muita elaboração na filosofia política sobre as complexas relações entre meios e fins na ação política. O interesse que temos neste ensaio é abordar alguns aspectos desse problema, especialmente alguns aspectos de sua recepção pelo marxismo revolucionário. Questões como o papel dos jacobinos na Revolução Francesa, bem como o papel do Terror Vermelho na Revolução Russa, ou, por exemplo, a avaliação da obra de Nicolau Maquiavel, são algumas das questões clássicas dessa abordagem ligadas tanto às leis materiais que regem toda política, quanto aos momentos de exceção, aquelas ocasiões em que a luta de classes atinge seu clímax na guerra civil, por exemplo.
Assim, desenvolvemos aqui a ideia de que, no que diz respeito à ação política revolucionária, para que ela seja suficientemente terrena e não baseada em considerações “morais” que ameacem os objetivos da luta do proletariado, de se impor na batalha, o essencial é uma dialética de três elementos: os fins, os meios e o terreno material em que a luta deve ser travada.
Finalismo e marxismo
Comecemos por lembrar que o marxismo tem uma tensão “finalista” no sentido de que é movido por uma perspectiva, a emancipação do proletariado e uma sociedade verdadeiramente humana sob o comunismo, livre de todas as relações de exploração e opressão características da sociedade de classes. O debate sobre os fins levanta a questão dos meios para os alcançar; a congruência entre um e outro. Ou seja: a relação entre meios e fins e o critério que preside essa relação[2]. Quais são os meios que a classe trabalhadora pode e deve empregar para alcançar sua emancipação? Um longo debate atravessou o marxismo revolucionário ao longo do século 20, até porque muitas vezes os meios que supostamente levaram a um fim acabaram em um lugar diferente. Por exemplo, o processo de industrialização forçada na década de 1930 sob o stalinismo, que, embora tenha desenvolvido as forças produtivas do país em certa medida, o fez de forma tão unilateral que deu origem, ao final, a um processo de acumulação burocrática que não serviu a nenhum progresso real na direção da transição para o socialismo (que, ao contrário, foi bloqueado desde então). Ou seja: essa industrialização, como meio, obtida através do renascimento das relações de exploração e opressão, não correspondeu ao objetivo de socializar a produção, dando origem a outro resultado: o “Estado burocrático com resquícios comunistas proletários” de que falava Rakovsky. Outro exemplo durante a segunda metade do século passado foi o da substituição social da classe trabalhadora na época da revolução socialista; empreendimentos que terminaram no fracasso que todos conhecemos. Estabeleceu-se, como subproduto da experiência histórica, que no momento da revolução socialista e da verdadeira transição para o socialismo, esse trabalho só pode ser levado adiante pela classe trabalhadora por meio de suas organizações, programas e partidos, e o mesmo se aplica ao processo de transição que se inicia quando ela assume o poder.
Sem a classe operária, não há socialismo. Considerando o primeiro como um “meio”, o segundo seria o “fim”. Mas mais importante ainda é sublinhar o seu inverso: a transição é um meio para a emancipação da classe operária[3]. Se a classe operária não está lá, se a classe operária não toma o poder, não há socialismo. Do exposto decorre a necessária congruência entre meios e fins, o que leva ao forte conteúdo finalista do marxismo revolucionário.
É preciso partir das condições reais
No entanto, essa tensão finalista do marxismo não pode ignorar uma discussão concreta ligada a ele: quais são os meios a serem implementados pela classe operária e pelos revolucionários em sua luta pelo poder e todo o resto? A discussão de Trotsky com Victor Serge na década de 1930 em defesa dos métodos empregados pelos bolcheviques durante a guerra civil é bem conhecida a esse respeito. Em “Su moral y la nuestra”, Trotsky reitera, repetidamente, que a lei suprema para avaliar os meios a serem utilizados é a luta de classes. A experiência e a reflexão ao longo dos anos nos convenceram de que Trotsky tem razão. Ocorre que os meios a serem empregados não estão relacionados apenas aos fins almejados, mas também ao terreno material em que se trava a luta, que é imposto por certos parâmetros sob pena de abstração das condições reais: “O processo histórico é, antes de tudo, luta de classes, e acontece que diferentes classes, em nome de diferentes fins, usem meios análogos. Basicamente, não poderia ser de outra forma. Os exércitos beligerantes são sempre mais ou menos simétricos, e se não houvesse nada em comum em seus métodos de luta, eles não poderiam atacar uns aos outros” (“Su moral y la nuestra”; 9).
É verdade que uma circunstância de guerra civil não é o mesmo que uma de luta política “pacífica”. No entanto, a luta de classes é sempre uma “guerra de classes”, mesmo em caso de menor intensidade quando não é uma guerra civil aberta.
A classe operária e os revolucionários junto com ela não podem escolher os meios que mais gostaríamos, agimos sob condições objetivamente determinadas que não foram escolhidas por nós, regidas por suas próprias leis, e que, em geral, não incentivam a generosidade cavalheiresca, mas são implacáveis sob pena de fracasso na luta.
Assim, os meios estão dialeticamente relacionados tanto com os fins que perseguimos, quanto com as leis do terreno material a partir do qual partimos: as condições da luta de classes sob o capitalismo, sob o domínio do Estado burguês e seus aparatos representativos e repressivos, da ação dos aparelhos políticos burgueses e das burocracias sindicais, e assim por diante, uma dialética que deve ser apreciada em cada caso concreto de modo que, em suma, serve ao triunfo da luta do proletariado.
E note-se que a luta das tendências socialistas entra, em certa medida, dentro das mesmas leis gerais a que nos referimos: como bem assinalou Martov – sim, Martov, que a valorizou durante a doença de Lênin! – trata-se de uma espécie de “guerra de guerrilha” entre tendências socialistas onde triunfa aquele que consegue se qualificar melhor[4], o que é mais implacável no processo de “seleção política natural” que opera no campo da representação da vanguarda dos trabalhadores (“A cien años del ¿Qué hacer?”).
Nas condições de uma guerra civil – embora, na realidade, de toda a política – partir da realidade e de suas leis como elas são (leis do olho por olho, dente por dente ou “lei de Talião”[5]) é uma condição de vida ou morte. Não há guerra civil que possa ser travada sem fazer reféns, sem tiroteios, sem práticas de justiça popular. Isso é contraditório com o fim comunista? Não: o comunismo tem um conteúdo profundamente humanista. Mas tal humanismo não pode perder de vista o terreno material das coisas sob pena de “moralismo”[6], a implacável guerra de classes em que estamos imersos. Não podemos nos dar ao luxo de perder a luta em função de critérios de “humanismo comunista”, isto é, classista em certa medida, mas em um falso humanismo abstrato – pretensioso, por assim dizer – que só servirá aos nossos inimigos.
Na luta de classes (e na luta de tendências também, até certo ponto!), essa dialética de fins, meios e terreno material da luta deve ser compreendida e assumida sob pena de se cair na ingenuidade ou, o que é mais grave, comprometer a luta para benefício do inimigo de classe.
Em ” Su moral y la nuestra”, Trotsky parece dar duas definições conflitantes das relações gerais entre meios e fins na política revolucionária. Em uma parte, ele aponta que os fins justificam os meios; em outro, afirma o contrário: que os fins não justificam os meios. No entanto, trata-se de uma contradição puramente formal, não de conteúdo. Porque nos casos da luta de classes mais extrema – na realidade, em geral, em nenhum caso – o proletariado não pode escolher livremente seus meios. É por isso que Trotsky diz que a lei suprema para avaliar meios e fins é a luta de classes – o que ela exigir. E uma luta de classes redobrada impede a afirmação de leis morais abstratas sobre a natureza sangrenta da classe.
Assim, o filósofo positivista americano John Dewey, que teve a coragem e a dignidade de ser o juiz do tribunal internacional que Trotsky criou para se defender das acusações stalinistas nos julgamentos de Moscou, errou ao afirmar que, em “Su moral y la nuestra”, Trotsky incorreu em uma “contradição lógica” ao colocar como fim um elemento que, em suma, era para ele um meio simples: a luta de classes. Dewey não entendia que Trotsky falava de outra coisa: do caráter da luta de classes como critério supremo quando se trata de analisar a correspondência entre fins e meios na revolução social e que nela, como também afirmou Rakovsky, meios e fins mudam repetidamente de lugar.[8]
Por outro lado, também é verdade que a perspectiva do socialismo e do comunismo faz com que a política proletária e a política burguesa não tenham critérios iguais, o que faz chegar, no primeiro caso, a uma sociedade em que prevaleça a igualdade, a liberdade e a fraternidade entre todos os seres humanos, enquanto no segundo para manter a sociedade exploradora.
Mas essas perspectivas, que fazem com que os critérios do chiqueiro da política patronal não sejam os mesmos que visam à elevação histórica da consciência dos trabalhadores, são, no entanto, critérios historicamente determinados que não podem se fazer valer no ar de determinações materiais reais, mas estabelecem uma tensão dialética entre o terreno material de onde se parte, e aquilo que não pode ser ignorado, o “chiqueiro” político patronal e burocráticos de cada dia, e as perspectivas históricas a que tendemos; Isso sob pena de uma ingenuidade injustificável: isto é, a necessidade de recorrer à astúcia, ao engano, à mentira e tudo mais: “O maquiavelismo serviu para melhorar a técnica política tradicional dos grupos dominantes conservadores, bem como a política da filosofia da práxis; mas isso não deve esconder de nós seu caráter essencialmente revolucionário, que ainda hoje é sentido e explica todo o antimaquiavelismo, desde o dos jesuítas até o pietista de Pasquale Villari”, isto é, das forças mais tradicionalistas e cinicamente “pudicas”, por assim dizer. (Gramsci; “La política y el Estado moderno”; pág. 73).
As Leis Implacáveis da Guerra Civil
No entanto, esta última não seria uma recaída em formas de política burguesa, formas usualmente consideradas – de forma desdenhosa – “maquiavélicas” ou “jacobinas” para negar, rejeitar, tudo o que de realismo político – revolucionário – tinham estas últimas?
Entre os – escassos – aportes positivos de Althusser (já apontamos alhures que o filósofo francês teve contribuições no contexto de sua desagregação geral, especialmente em termos de avaliação das conjunturas e de apreciação das regras do jogo da política – ainda que majoritariamente instrumentais[9]), pinta um bom quadro do realismo político de Maquiavel: “Sabe-se que, assim que se encontra, “O Príncipe” provocou as mais violentas condenações por parte daqueles a quem Marx chama de “profissionais da ideologia” (…) porque faz da religião um meio para a política, subordina à moral à prática política e, levando as coisas ao extremo, defende o direito do Príncipe, em certas circunstâncias, à crueldade, à malandragem, à crueldade, à má-fé, etcétera”. (“Maquiavelo y nosotros”; 65).
De qualquer forma, o que deve ser entendido para não se confundir em relação aos fins e meios e ao terreno material da luta, sua dialética, é que a apreciação política é sempre global; tais meios devem servir aos objetivos da luta do proletariado.
Trotsky apresenta esse argumento de duas maneiras. Por um lado, ele aponta que a natureza social dos contendores é decisiva, ou seja, se certos meios são usados – efetivamente – para a emancipação social da classe trabalhadora – ou não, um caso paradigmático do stalinismo, por exemplo. Para Trotsky, a natureza social diferenciada dos contendores – os executores de uma determinada política – era tudo neste aspecto. Ele ainda apontou que as medidas repressivas dos bolcheviques contra a contrarrevolução burguesa na guerra civil serviram para salvar vidas proletárias; vidas que teriam sido perdidas se não tivessem sido implacáveis; nesse sentido, o fim, para salvar a revolução, justificava os meios, o Terror Vermelho.
O líder revolucionário russo afirma claramente que tudo o que leva à libertação da humanidade é permitido. E como esse fim só pode ser alcançado por meios revolucionários, a moral emancipatória do proletariado tem um caráter revolucionário indispensável. Deduz as regras de conduta das leis do desenvolvimento da humanidade e, consequentemente, em primeiro lugar, da luta de classes, a lei das leis.
Em alguns casos, os fins justificam os meios, em outros, não; depende das necessidades da luta de classes do proletariado – do conteúdo de sua política revolucionária: “(…) os moralistas pequeno-burgueses (…) não entendem que a moralidade é função da luta de classes. O destino do socialismo – de acordo com a recente declaração de Bauer [Líder socialdemocrata austríaco, R.S.] – parece estar ligado ao destino da União Soviética (…) é o stalinismo [Bauer defende Stalin contra Trotsky, R.S.] (…) A moral podre de tais indivíduos é apenas o produto de sua política podre. A um fim sujo correspondem meios sujos“ (“Su moral y la nuestra, pp. 29, 41 e 42).
Nenhuma outra coisa assinalava Gramsci, quando rejeitou o exame abstrato dos problemas, e apontou que tudo dependia do fim efetivo a que os meios conduziam. Além disso, as circunstâncias da guerra civil são circunstâncias excepcionais extremas que obrigam, necessariamente, sob pena de perecer, à aplicação de certos métodos (mesmo que isso possa ter consequências não intencionais que devem ser evitadas [10]): “A revolução clássica engendrou o terrorismo clássico. Kautsky está pronto para desculpar o terror dos jacobinos, reconhecendo que nenhuma outra medida lhes teria permitido salvar a República. Mas essa justificativa tardia não serve para nada. Para os kautskys do final do século XVIII (os chefes girondinos franceses), os jacobinos personificavam o mal” (Trotsky; 1972; 55).
No que diz respeito ao jacobinismo, porém, lembremos que seu apogeu ocorreu no ponto extremo da Revolução Francesa (1793/4), e correspondeu a uma circunstância universal de toda verdadeira revolução, burguesa ou proletária, e nesse aspecto, tanto faz: a necessidade de aplicar métodos de exceção sob duras condições. Ao mesmo tempo, no caso dos jacobinos, não se pode deixar de assinalar que, sendo medidas extremas da revolução burguesa, por sua própria natureza, tinham um forte conteúdo de substituicionismo social, razão pela qual foram criticados por Marx a partir desse ponto de vista [11] e não pelo terror em si – absolutamente necessário em tais circunstâncias [12].
Lembremos também que, em sua obra clássica, “La lucha de clases en el apogeo de la revolución francesa”, Daniel Guerin, autor anarquista “trotskista”, destaca que, como corrente burguesa ou pequeno-burguesa que acreditava nos benefícios do “voluntarismo político”, ou seja, sem apoio social, os jacobinos não só batiam pela direita, mas também pela esquerda (cortaram a cabeça dos líderes dos Enragés– raivosos – que reclamavam do alto custo de vida e da falta de concessões às massas). Assim, minaram sua própria base social de apoio apenas para ficarem à mercê da reação da grande burguesia, que queria o fim de métodos tão radicais – a contrarrevolução monarquista havia sido derrotada e era hora de voltar à normalidade.
Deve ficar claro, então, que quando falamos dos métodos extremos do terror revolucionário, estamos sempre nos referindo aos inimigos de classe, à burguesia, nunca aos métodos – ou aos meios – da ditadura proletária em relação à própria classe trabalhadora, o que é, naturalmente, outra questão, e nos coloca em outra discussão (por exemplo, a crítica do jacobinismo a partir da esquerda [13].
De qualquer forma, é claro que, em condições “normais” de ditadura proletária (a normalidade a esse respeito é sempre relativa; mas também é verdade que o stalinismo se aproveitou da ideia de “guerra civil permanente” para governar com mão de ferro sobre a classe operária [14]) os critérios característicos da democracia operária devem governar em grande parte. Isto é, os critérios de uma democracia de novo tipo que, no entanto, em relação à antiga classe burguesa, é sempre uma ditadura de classe; um regime autoritário. (Engels insistia que, enquanto a classe trabalhadora precisasse de sua ditadura de classe, seria para reprimir as classes inimigas; não em nome de sua liberdade.)
Os métodos da guerra civil devem ser empregados contra os inimigos de classe e seus agentes, nunca contra a classe operária e os partidos que legitimamente a representam. A esse respeito, é verdade que Trotsky havia introduzido uma certa confusão na segunda parte de sua obra “Comunismo y terrorismo” (maio de 1920) ao deixar-se levar pelo “lado administrativo das coisas” (isto é, por considerações não políticas): pregava o partido único, a transformação dos sindicatos em apêndices do Estado, a militarização do trabalho e medidas similares…
Ele propôs que o trabalho fosse “militarizado” diante da rejeição de uma proposta anterior sua de liberalizar o comércio varejista (um ano depois seria adotada a NEP, Nova Política Econômica, que retomava quase ponto a ponto o que Trotsky propunha). Nas condições difíceis em que a revolução se encontrava, parecia pertinente impor uma disciplina draconiana aos trabalhadores para reconstruir o país. Com a sensibilidade política que o caracterizava, Lênin imediatamente se opôs a essa proposta, que questionava a ditadura proletária em seu próprio princípio: o exercício do poder por essa mesma classe. A proposta de Trotsky (que ele mesmo rapidamente rejeitou) implicava desencadear repressão sobre os trabalhadores que não se disciplinavam, transformando os sindicatos em meros apêndices ou órgãos – de “exploração” – a serviço da produção do Estado proletário, algo obviamente inaceitável e errado em um Estado operário [15].
Os métodos da implacável luta de classes, da guerra civil contra as classes inimigas, se aplicam para as necessidades da própria ditadura proletária; mas, não devem ser transformados em virtude. São as características próprias da luta em um período de guerra civil; “Só são admissíveis e obrigatórios os meios que aumentem a coesão revolucionária do proletariado“, respondemos. Disso decorre que nem todos os meios são permitidos. Quando dizemos que os fins justificam os meios, concluímos que o grande fim revolucionário rejeita, como meios, todos os procedimentos e métodos indignos que opõem uma parte da classe operária a outra, ou que reduzem a confiança das massas em si mesmas.” (“Su moral y la nuestra”, p. 68).
Em suma, e como disse Clausewitz sobre a guerra em geral, o pior erro que se pode cometer é ser ingênuo: tem uma série de regras objetivas que são suas e que não podem ser ignoradas sob pena de serem esmagadas. A tensão finalista do marxismo deve ser sustentada ao longo da guerra civil e dos confrontos. Mas isso não pode significar mover-se com critérios abstratos ou acima das determinações concretas e materiais da luta, que estabelecem as regras do jogo e os meios a serem usados para lutar e vencer.
O sangue operário derramado quando do massacre da Comuna de Paris mostrou que a classe operária não deve ser ingênua. E Trotsky insiste nisso em sua avaliação da Comuna (voltaremos a isso em breve). Os rios de sangue que correm ao longo do século XX só confirmaram, em escala corrigida e crescente, essa lição. Só se pode ressaltar, mais uma vez, que essa luta implacável deve estar nas mãos da classe operária, de seus organismos e partidos, e não de uma burocracia que, elevando-se acima dela, substituindo-a, aplica essa violência contra a própria classe operária.
Maquiavel e os jacobinos
As reflexões de Gramsci sobre Maquiavel são particularmente instrutivas sobre o assunto. O marxista italiano ressaltou que, ao contrário do que se costuma supor, “O Príncipe” é uma obra destinada não a defender forças conservadoras (como o Leviatã de Hobbes, por exemplo), mas, ao contrário, a transmitir lições da arte de toda política aos setores ascendentes [16]. Gramsci insiste que “O Príncipe” deve ser tratado como um texto científico que dá conta das regras de toda política, em todo caso, de toda política em que ainda existe o conjunto de divisões que caracterizam a política burguesa. Por isso, Gramsci apontou que seria um erro analisar Maquiavel fora das condições de seu tempo histórico (em que era impossível pensar em termos de autodeterminação das grandes massas).
Entre o ensaio “O Príncipe Moderno”, de Gramsci, e “Sua Moral e a Nossa”, de Trotsky, há vasos comunicantes relacionados à abordagem de “O Príncipe”, de Maquiavel, como texto de ciência política no sentido das condições objetivas ou leis que regem a política nas sociedades de classe. E Trotsky afirma a mesma coisa quando enfatiza que a luta de classes é a lei suprema; ou seja, quando define que os métodos de luta na guerra civil não podem ser determinados por nenhum humanismo abstrato, mas pelas realidades materiais da própria luta, sob pena de sucumbir.
Este último é algo que encontra eco no próprio Maquiavel quando lembra que o Príncipe, que também poderia ser o povo, ao se comportar diante de seus amigos e súditos, deve comportar-se de acordo com a “verdade real e não com os delírios da imaginação” [17].
Por sua vez, Gramsci também se refere ao jacobinismo em seus textos. Ele ressalta que muitas vezes se esquece que os jacobinos não foram os “belicistas” da Revolução Francesa, lugar que pertenceu aos girondinos (corrente que se revelou socialmente conservadora e, portanto, sucumbiu [18]). No entanto, o jacobinismo foi historicamente identificado com a ala revolucionária que foi forçada a tomar medidas extremas no momento crítico da revolução: “Os dirigentes repetiram incansavelmente: é um governo de guerra, e não se governa em tempo de guerra como em tempo de paz. Para garantir a vitória, não basta decretar grandes medidas, mas elas devem ser aplicadas de forma revolucionária, isto é, por uma autoridade que age com a rapidez e o poder irresistível de ‘um raio’”. (definição textual de Robespierre, Lefebvre; 1986; (pág. 117).
Tais medidas já fazem parte da herança revolucionária. Gramsci insistia no caráter necessariamente violento de todo ato criativo, “ex novo” (de novo, “do zero”), de uma nova sociedade. E, a esse respeito, ele defendeu os jacobinos, observando que a crítica a eles (em seu tempo, e também hoje) é, em geral, conservadora. Trotsky argumentou a mesma coisa quando afirmou que uma sociedade emancipada só poderia ser alcançada por meio da ponte dos métodos revolucionários, os métodos jacobinos: “A ditadura férrea dos jacobinos havia sido imposta pela situação extremamente crítica da França revolucionária (…) Exércitos estrangeiros haviam entrado em território francês pelos quatro lados ao mesmo tempo. A isto devem somar-se os inimigos internos, os inúmeros defensores ocultos da velha ordem das coisas, prontos a ajudar o inimigo por todos os meios” (Comunismo y terrorismo; (pág. 56).
De qualquer forma, repetimos, os jacobinos podem ser criticados como “bonapartistas revolucionários”, uma vez que não só tomaram medidas de repressão pela direita, mas também pela esquerda. Eles executaram líderes dos Enragés como Jacques Roux (que cometeu suicídio antes de sua execução) sem entender que, ao fazê-lo, eles estavam cavando sua própria sepultura. É claro que rejeitamos essa violência contra as massas revolucionárias com base nos objetivos limitados de uma revolução burguesa. Nossa posição está ligada ao caráter da ditadura proletária como a ditadura mais enérgica sobre a classe inimiga, bem como a democracia mais ampla possível para a classe revolucionária [19].
De qualquer forma, o “maquiavelismo” e o “jacobinismo” são, dentro de certos parâmetros, necessidades inevitáveis em meio à intensificação da revolução e da guerra civil, das quais nenhum partido revolucionário pode prescindir porque compõem as características ou leis de toda revolução, de toda política (o teórico da direita alemã, Carl Schmidt, está sempre lá para nos lembrar que, em suma, o que caracteriza a política é a lógica amigo-inimigo.)
O que é injustificável, e contrário aos princípios de autodeterminação da classe operária, é que esses mesmos métodos sejam exercidos contra os explorados e oprimidos. Nesse aspecto, a revolução proletária difere nitidamente de suas antecessoras; especialmente da revolução burguesa. Esse limite não pode ser ultrapassado. Não é possível acompanhar, e muito menos acriticamente, o substituicionismo “revolucionário” que prevaleceu – sobretudo – na segunda metade do século passado. O balanço das revoluções mostrou que a libertação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores, ou a emancipação não será possível. Porque, como dizia Rosa Luxemburgo, a revolução socialista é a primeira em que as maiorias (e a sua vanguarda, acrescentamos) fazem a revolução no interesse consciente dessas mesmas maiorias. Ou, segundo a definição de Lênin, no mesmo sentido, a primeira revolução realmente popular.
Se Marx e Lênin preferiam focar sua atenção nos ensinamentos positivos da Comuna, Trotsky estava mais preocupado em apontar a ingenuidade e as limitações da experiência, que lhe custaram a existência. A Comuna passou muito tempo para levar adiante uma eleição municipal no final de março de 1871, em um momento em que estava cercada e ameaçada. Organizar uma eleição nessas condições é considerado por Trotsky “uma dispersão de esforços inaceitável sob as circunstâncias“. Trotsky também debateu qual era o verdadeiro órgão representativo da Comuna, seu órgão de poder. E conclui que isso se expressava no Comitê Central das milícias populares encarregado de defender a Comuna contra o cerco dos exércitos francês e alemão (embora esse comitê, aparentemente dirigido por diletantes, nunca tenha se assumido plenamente como tal).
Trotsky polemizou com Kautsky, que tinha uma avaliação abstrata, no fundo reacionária, da chamada “democracia revolucionária”, como se ela pudesse se colocar acima das determinações concretas da luta de classes, perdendo de vista o conteúdo de classe que a ditadura proletária necessariamente tem. Contra Kautsky, Trotsky aponta que, quando o proletariado se encontra em uma fortaleza sitiada, deve hierarquizar suas armas e colocar tudo a serviço do triunfo na batalha (sem dar origem a “romantismos” que distanciam a classe trabalhadora da vitória).
Este último, o romantismo, costuma cobrar caro: dezenas de milhares de Communards foram fuzilados imediatamente após a derrota da Comuna de Paris, uma lição histórica que a burguesia francesa deu à classe trabalhadora de todo o mundo.
Manobras e política
A relação entre estratégia e tática é a mesma que entre política e manobra: se a política é o fim, as manobras são o meio para impô-la. Por isso é ingênuo acreditar que a política possa ser imposta, em meio a toda sorte de inimigos, sem manobras; sem procurar os caminhos, os truques, as armadilhas, para nos afirmarmos: “[Maquiavel] sabe que não há verdade, ou melhor, que não há nada além de verdade efetiva, isto é, (…) que a eficácia do verdadeiro é sempre confundida com a atividade dos homens; e que, politicamente falando, só existe no confronto de forças, na luta dos partidos” (“Maquiavelo y nosotros”; (pág. 59).
Portanto, a realidade é que não há nenhum tipo de “verdade em abstrato” na política; que afirmar nossa verdade implica impor materialmente nossas ideias na luta. Althusser, apesar de todo o seu instrumentalismo, diz algumas verdades sobre a política, especialmente a que está mais próxima da sujeira do dia a dia, da qual não podemos nos isolar como se estivéssemos dizendo “obrigado, eu não fumo”, e que fazendo parte do “arco de tensão” que no outro extremo têm as perspectivas estratégicas do socialismo (uma espécie de “fio invisível” material liga um termo ao outro).
“Retomando uma frase famosa, e perigosa se for mal compreendida [perigosa não nos parece, mas entendemos o que o autor francês, R.S.] quer dizer, se ‘a verdade é revolucionária’ [e sim é!, R.S.], é assim no sentido em que Lênin define a verdade: ‘A verdade é sempre concreta’, realizada por forças concretas, efetiva: e por ser efetiva é que é eficaz” (“Maquiavelo y nosotros”; 59). E depois prossegue de que a verdade, mesmo aproximadamente, não existe… Mas, de qualquer forma, o que podemos resgatar em sua apreciação da política, mesmo que sua abordagem da verdade seja extremamente relativista, e junto com Maquiavel, é que a “verdade” de nossa política revolucionária deve ser afirmada em fatos materiais; incansavelmente – fazendo “correr sangue” quando necessário.
Nesse sentido, o infantilismo da esquerda – e a ingenuidade da militância sem experiência no campo – pode causar estragos. Porque não há como fazer avançar os objetivos da classe operária em geral e do partido em particular, a não ser apelando para as manobras políticas que se impõem como subproduto da lógica de luta contra os inimigos de classe: a burguesia, seus partidos e a burocracia. E embora de caráter diferente, mas também essencial, são as manobras que usamos na luta de tendências à esquerda.
Trotsky disse ilustrativamente que em cada luta – e a das tendências também – “os dois lados se esforçam para dar um ao outro uma ideia exagerada de sua resolução de lutar e de seus recursos materiais“.
Em geral, as manobras são impulsionadas pela necessidade de enfrentar um inimigo mais forte – ou conjunto de inimigos. Isso é óbvio quando se trata de burocracia ou organizações traidoras em massa. Mas, em outro nível, a luta das tendências também tem suas leis de sobrevivência dos mais aptos, que funcionam incansavelmente excluindo os mais fracos.
Não há como sobreviver em um ambiente hostil se não se impuser, por meio de manobras funcionais, os objetivos da política revolucionária, que souberem fazer valer os interesses da classe e do partido sem dissolver um ou outro. Avaliar esses limites entre o interesse geral de nossa classe e o interesse “particular” do partido, que se não é construído pela militância, não é construído por ninguém, porque é a coisa menos objetiva que há na questão da organização dos operária (ao contrário dos sindicatos e outras organizações de frente única, que surgem mais espontaneamente), é, também, outra arte é o combate político de tendências [20].
E embora defendamos incondicionalmente o critério da liberdade das tendências socialistas (que faz a democracia operária), não devemos ter uma apreciação ingênua do terreno e das próprias leis dessa liberdade: a de uma luta implacável de tendências caracterizada, repetimos, pela exclusão do mais débil.
Detenham-nos um minuto sobre este último, porque é de grande importância. Porque essa definição tem dois limites. Historicamente, o stalinismo significava a repressão policial da luta política ou a redução de toda luta política a um evento policial (todo opositor era um criminoso contra os supostos interesses do Estado).
Mas, por outro lado, não se deve avaliar a luta de tendências como se fosse uma luta “parlamentar”, por assim dizer. É uma luta dura que não é apenas verbal, mas significa empurrar, manobrar, tropeçar, momentos de tensão física e tudo mais. Não é um palco de balé de ópera, mas um “ringue político” em que você tem que se impor a todo custo.
Em “Su moral y la nuestra”, Trotsky reitera que é estúpido privar-se antes de fazer a manobra: “A mentira e algo ainda pior constituem parte inseparável da luta de classes, mesmo em sua forma mais embrionária“, aponta em referência aos ardis e mentiras em relação ao inimigo de classe e, até, dentro de certos parâmetros, dos adversários à esquerda.
Certamente não é o caso da classe operária: um dos nossos princípios é sempre falar a verdade para a nossa classe, por mais amarga que seja.[21] Mentir para a base operária, por exemplo, sobre o verdadeiro resultado de uma luta, é uma característica da burocracia, que sempre apresenta derrotas como se fossem triunfos (Trotsky diz isso repetidamente em “Su moral y la nuestra”).
E Lênin disse a mesma coisa sobre a burocracia sindical (que persegue os revolucionários dentro dos sindicatos): “É preciso saber lidar com tudo isso, estar pronto para fazer todos os sacrifícios e até, se necessário, recorrer a vários estratagemas, astúcias, procedimentos ilegais, evasões e subterfúgios para entrar nos sindicatos. Permanecer neles e ali realizar o trabalho comunista, a todo custo” (“El izquierdismo, enfermedad infantil del comunismo”; p. 160).
Para os militantes que vão trabalhar nas fábricas, que se proletarizam ou que nelas se tornam revolucionários, esses conselhos de Lênin são o pão de cada dia. Claro que há manobras e manobras. O limite dos princípios, em todos os casos, é que eles não devem desmoralizar – ou enganar – a classe operária; nem reduzir a sua autoconfiança: “O partido bolchevique foi o mais honesto da história; quando podia, é claro que enganava as classes inimigas, mas dizia a verdade aos trabalhadores e apenas a verdade. Foi somente por causa disso que ele ganhou a confiança deles, mais do que qualquer outro partido no mundo” (“Su moral y la nuestra”; 62).
E Trotsky acrescenta: “A ‘amoralidade’ de Lênin, isto é, sua recusa em admitir uma moral acima das classes, não o impediu de permanecer fiel ao mesmo ideal durante toda a sua vida; entregar-se inteiramente à causa dos oprimidos; dar provas da maior honestidade na esfera das ideias e da maior intrepidez na esfera da ação; não ter a menor suficiência para o “simples” operário, para a mulher desamparada e para a criança. Não parece que “amoralidade” é, neste caso, apenas sinônimo de uma alta moralidade humana?” (“Su moral y la nuestra”, p. 62).
Aprender a ser soldado nas condições reais da luta de classes sem ao mesmo tempo perder a tensão finalista de nossa empreitada é a tarefa colocada a toda organização revolucionária que começa a sair do terreno da mera propaganda para se afirmar materialmente na luta de classes como fator real e objetivo.
Bibliografia
Louis Althusser, Maquiavelo y nosotros, Ediciones Akal, Espanha, 2004.
Antonio Gramsci, Maquiavelo, sobre la política y el Estado moderno, Planeta-Agostini, Barcelona, 1985.
Georges Lefebvre: La revolución francesa y el imperio (1787-1815), Breviários, FCE, México, 1986.
Vladimir I. Lenin, El “izquierdismo”, enfermedad infantil del comunismo, Obras Completas, volume 33, Cartago, Buenos Aires, 1971.
Nicolau Maquiavel, El Príncipe, AGEBE, Argentina, 2005.
Roberto Sáenz, Ciencia y arte de la política revolucionaria, izquierda web.
“Lenin en el siglo XXI. A cien años del ¿Qué Hacer?”, izquierda web.
Leon Trotsky, Su moral y la nuestra, Yunque, Buenos Aires, 1973.
– Comunismo y terrorismo, Heresiarca, Buenos Aires, 1972.
Notas
[1] Neste texto acompanhamos Antonio Gramsci quando, em Notas sobre Maquiavelo, sobre la política y el Estado moderno, coloca o partido revolucionário moderno (o “príncipe moderno”) no lugar do príncipe de Maquiavel.
[2] O critério é a emancipação dos explorados e oprimidos, os meios são todos os necessários para esse fim.
[3] Draper faz uma inversão completa do argumento ao apontar que a teoria da revolução de Marx não postula alguns fins abstratos, mas simplesmente a emancipação dos trabalhadores.
[4] Marcel Liebman cita no Leninismo sob Lênin essa avaliação de Martov, onde o social-democrata russo, em parte reconhecendo essa realidade e em parte reclamando, apontou essa característica de dureza e crueldade leninistas.
[5] Lembremos que a lei de Talião era uma lei romana que exigia uma reciprocidade ou proporcionalidade entre o crime e a pena, uma espécie de “justiça retributiva” onde o crime tinha que ser punido na mesma proporção.
[6] A moral torna-se uma falsa moral abstrata em oposição à moral concreta, por assim dizer, que surge das condições reais da luta do proletariado.
[7] Se, por exemplo, a contrarrevolução executar reféns e o poder revolucionário se recusar a fazer o mesmo, as massas indefinidas que estão sempre no meio – e que geralmente estão na maioria – verão o poder revolucionário como o campo mais fraco… e se inclinarão nesse sentido.
[8] É claro que meios e fins têm um certo grau de relatividade, se intercambiam dialeticamente em muitos casos.
[9] O instrumentalismo tem a ver com o fato de que não há tensão dialética com os fins, os meios são colocados em função de objetivos diferentes daqueles colocados pela própria luta pelo socialismo.
[10] A militarização da revolução foi uma das consequências não intencionais da guerra civil, mas, na circunstância concreta posta, não havia alternativa senão ir para o lado que partiu. Isso, por sua vez, não significa que certos meios possam “contaminar” os fins, pois há uma relação dialética entre fins e meios – como em tudo o mais. No entanto, isso não pode ser avaliado abstraindo-se das condições reais da luta (isto é, só pode ser apreciado, como tal, dialeticamente).
[11] Em “A Sagrada Família”, Marx tem parágrafos dedicados à Revolução Francesa, onde defende o Círculo Social e outros agrupamentos que tinham um programa social representativo dos que estavam na base mais definido do que o dos jacobinos que, como Trotsky apontou, por sua vez, “eram os utópicos da igualdade com base na propriedade privada“…
[12] A crítica ao Terror era – e é! – característica de todas as fileiras de autores burgueses, e mesmo de um ilustre simpatizante da Revolução Francesa, como o jovem Hegel. Uma crítica burguesa, negando as próprias consequências que a revolução necessariamente engendra.
[13] A crítica ao jacobinismo pela esquerda tem a ver com o uso indiscriminado do terror não só à direita, mas também à esquerda, bem como à perda de vista do fato de que a violência, por si só, ou o terror sozinho, não resolve os problemas quando eles não são acompanhados por medidas de transformação social real (no caso deles, o não questionamento da propriedade privada).
Por outro lado, atente-se que, mesmo assim, o jacobinismo foi o ponto mais alto da revolução burguesa; o oposto do stalinismo, que era um processo contrarrevolucionário.
[14] Marx denunciou Napoleão por ter transformado a “revolução permanente” (auge da Revolução Francesa entre 1789 e 1794) em um estado de “guerra permanente”… Ou seja, “externalizava” o conflito interno de classes em uma guerra entre Estados para aplacar a frente interna (a guerra civil que a revolução significou na própria França!).
[15] Note-se que os anos de 1920 e 1921 foram os anos mais dramáticos da revolução e tanto Trotsky quanto Lenin cometeram erros semelhantes em meio a uma situação muito instável e mutável do Estado soviético.
[16] Repetimos que Maquiavelo y nosotros, através de várias definições pós-modernas, temos ângulos interessantes sobre o caráter de toda política: “O conhecimento objetivo da ‘coisa’ de que trata, a política, isto é, a prática política, é a novidade que Maquiavel traz à mesa“.
[17] É interessante debater se Maquiavel pretendia transferir os ensinamentos de toda política para os príncipes ou, de fato, ao revelar como a política funciona, pretendia iluminar o povo. A interpretação de Gramsci parece plausível de que, na realidade, na forma de conselhos ao príncipe, ele estava passando lições de toda política para aqueles que estavam na base.
[18] Os girondinos procuraram exteriorizar a revolução a fim de desarmar os conflitos internos. Mas quando a guerra estrangeira chegou, eles se recusaram a tomar as medidas draconianas que a situação impôs e assim sucumbiram (durante os anos 1793/4 houve certas restrições à liberdade de comércio, a produção teve que ser centralizada para a guerra, etc., medidas “estatísticas” que eles se recusaram a tomar).
[19] Um tema controverso é o que aparece na crítica de Serge a Trotsky sobre a revolta de Kronstadt (1921). Em várias ocasiões escrevemos que a justificativa para a supressão do levante, a repressão votada por todas as tendências do partido bolchevique, foi entendida como uma necessidade trágica para salvar a revolução. De qualquer forma, talvez, tenha havido excessos na repressão uma vez que o levante foi derrotado. Mas, mesmo assim, é difícil fazer um juízo equilibrado: quando elementos de guerra civil são postos em marcha, é muito difícil evitar extremos.
[20] Poderíamos dizer que, no caso específico da nossa corrente, é hora de inclinar a barra para o lado do partido. Porque nos caracterizamos por uma lógica excessivamente desinteressada que trabalha contra a construção de nossas organizações; contra a afirmação do interesse político e construtivo de uma das mais dinâmicas correntes militantes da esquerda revolucionária atual.
[21] Para a nossa classe a verdade e nada além da verdade, para todo o resto “pimenta nos olhos”.
Tradução de José Roberto Silva do original espanhol em https://izquierdaweb.com/los-fines-y-los-medios-o-las-leyes-de-toda-politica/