Lutar contra a PEC 181/2011

Lutar contra a PEC 181/2011

Estado e religião e suas relações perigosas

POR ROSI LUXEMBURGO

A Comissão Especial da Câmara Federal dos Deputados aprovou no dia 08 de novembro uma proposta de projeto de lei (PEC 181/2011), que visa proibir o aborto em qualquer caso, inclusive os casos de estupro ou quando há risco de morte da mãe, já previstos em lei.

Além da votação dessa proposta, colocar na ofensiva a bancada parlamentarista religiosa sobre os direitos reprodutivos das mulheres (inclusive os já garantidos) tratasse também, de um problema de método no funcionamento das matérias votadas na Câmara Federal.

 A votação na verdade foi um golpe político e regimentar contra as mulheres e contra até mesmo ao poder legislativo, uma vez que, foi “aproveitado” um texto que não condizia com a matéria votada.  A proposta original versava sobre a ampliação da licença-maternidade de mães de bebês prematuros, ou seja, conteúdo totalmente distinto ao aprovado.

A ofensiva é tamanha do obscurantismo contra qualquer avanço nas pautas de gênero que o presidente dessa Comissão, o deputado Evandro Gussi do Partido Verde, justificou que o relator da proposta poderia incluir pontos que não estavam na PEC original, desde que guardasse relação com o tema. Metodologia que pode ser considerada legal, mas não moral. Um parecer criminoso, que representa um precedente perigoso para outras votações surpresas diretamente manobradas pela bancada da bíblia contra as mulheres.

As dificuldades aumentam com um parlamento masculino e religioso

O resultado da votação expressa, empiricamente, o caráter machista das estâncias legislativas brasileiras, composta majoritariamente por homens. Para se ter uma ideia,  no caso em questão o placar da votação foi de 18 a  1, tendo apenas 1 único voto feminino. A aprovação na comissão indignou o movimento de mulheres que foi às ruas logo em seguida, dando muita visibilidade ao tema, mas que não foi o suficiente para haver um recuo da proposta. Agora a PEC segue para o plenário da Casa, onde deverá ser apreciada em dois turnos a qualquer momento.

Está cada dia mais colocado para o movimento feminista, que não resta outra coisa às mulheres trabalhadoras que ocupar as ruas pela defesa e conquista de novos direitos. Foi assim que derrotamos a nefasta tentativa de proibir a “pílula do dia seguinte” levando a queda do deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da mesma Câmara Federal. Porém, em uma conjuntura difícil os desafios são ainda maiores e exige-se mais do movimento.

Os setores reacionários, todos estritamente ligados ao governo Temer, acusam o feminismo de intolerância religiosa e querem travar uma batalha ideológica contra a consciência feminista que cresceu de maneira exponencial nos últimos anos. Não é por acaso que no legislativo propõem o que querem sem nenhuma consulta ou difusão prévia das matérias a serem votadas.

E quando questionados, suas respostas vão das mais absurdas, indo ao cúmulo do deputado Givaldo Carimbão (PHS) fechar a questão da PEC dizendo que “a posição dos deputados religiosos tem que ser respeitada”, o deputado se refere a esta comissão formada por 28 deputados, maioria evangélicos, em que 24 deles são publicamente contrários à legalização do aborto. A alteração do texto da PEC não é um raio em céu aberto, mas sim reação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de discutir a descriminalização do aborto no primeiro trimestre de 2018. Assim, preventivamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, resolveu colocar as pressas esta pauta.

O movimento feminista deve combinar os elementos concretos da crise politica e econômica que passa o país com a batalha ideológica de gênero e direitos humanos. É preciso denunciar que todas as politicas ligadas a gênero do governo reacionário, misógino e LGBTfóbico de Temer atendem a interesses privados e alheios a classe trabalhadora é fundamental que estes elementos sejam utilizados pelo movimento feminista.

A tentativa de patologização da homossexualidade e de internação forçada para dependentes químicos, por exemplo, visa beneficiar as parcerias com instituições religiosas, associações privadas, organizações não governamentais (ONGs), que abordam a questões de sexualidade e consumo de drogas, longe do viés cientifico e humanista, mas intencionalmente voltadas para o fomento financeiro de empresas privadas e igrejas. Esta mistura de Estado e religião atende a interesses economicos. Esta é uma das razões do empresariado brasileiro flertar tão bem com os neopentencostais.

 Assim o governo federal pode financiar clinicas e instituições que possuem vínculos com os parlamentares da bancada evangélica, uma troca de favores asquerosa. Por isso, fazer a conexão entre os aspectos de gênero e os interesses políticos e econômicos que estruturam o machismo é o que difere o feminismo classista radical do feminismo liberal e suas vertentes.

Conquistamos  acúmulos políticos inegociáveis referente a pauta de gênero tanto na academia, quanto no interior do movimento de mulheres, avanços esses que produziram expressões positivas em toda sociedade. Exemplo disso, foi que logo após a votação da proposta da PEC órgãos de opinião realizaram consultas entre as brasileiras e, inclusive as que se denominam religiosas, as mulheres foram categóricas ao dizer que não levariam uma gestação fruto de violência adiante, dados bem diferente do proposto pela PEC 181/2011 e de alguns anos atrás.

O criminalização não nos permite ter números exatos, mas até mesmo os dados oficiais chocam, falam que uma em cada cinco mulheres já fizeram pelo menos um aborto, de acordo com a ultima estimativa da Pesquisa Nacional do Aborto, realizada pelo instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero, o ANIS. As mulheres pobres são empurradas para o abortamento clandestino: estima-se que 1 milhão de procedimentos inseguros, são realizados por ano no Brasil. A cada dois dias uma mulher morre por complicações decorrentes do aborto ilegal.

É possível e necessário responder a esta manobra do legislativo machista. Esta PEC não deve ser considerada como apenas mais uma, mas como uma ataque que pode significar um retrocesso histórico imenso as brasileiras e a luta feminista.

Dizem que o diabo mora nos detalhes, pois bem, o texto atual da PEC inclui a palavra “concepção” modificando o sentido do texto sobre direitos reprodutivos da mulher presente Constituição Federal brasileira. A PEC por meio do conceito, concepção acrescenta um valor moral, ético e religioso ao fato de uma mulher adquirir ou levar adiante ou não uma gestação, mesmo que contraída em situação de abuso e violência sexual. Não perdemos de vista que o Estado patriarcal não sobrevive somente por meio de dogmas e mecanismos teológicos abstratos, mas também por meio da sustentação jurídica de seus argumentos teológicos, em suas instituições.

Assim, falar em concepção é dizer que a “vida” começa no “ventre” da mulher, e a partir daí tudo mais é possível. O ativismo precisa se ater a este aspecto, que em nossa avaliação, está longe de ser um detalhe menor, mas sim um debate estratégico bastante importante para o feminismo. É preciso exigir estado laico já! Tanto a votação como a inclusão do conceito significa uma manobra gravíssima do legislativo, que pretende retroceder as conquistas do movimento e principalmente a consciência das massas sobre a questão de gênero.

É preciso dizer, mais que nunca, que é do direito e vida das mulheres que se trata a questão da descriminalização do aborto, aliando os aspectos específicos dessa luta com os aspectos concretos da desigual realidade brasileira. Para isso é preciso se adiantar, articular uma agenda nacional do movimento feminista e lutar de maneira unificada contra a proposta, antes mesmo dela ser levada a segunda instância, inviabilizando seu texto e arrancando nas ruas a vitória contra o governo anticlassista e misógino de Michel Temer e seus aliados. Fora bancada religiosa!

 

Estado laico já!

Educação sexual para prevenir!

Métodos Contraceptivos para não engravidar!

Aborto legal, para não morrer!