Realizaremos no próximo dia 15 de dezembro a I Conferência de Socialismo ou Barbárie – Tendência do PSOL (SoB-Brasil), cujo tema é
UM MUNDO EM CRISE: CONJUNTURA E AÇÃO POLÍTICA
Até essa data divulgaremos documentos e formas de participação dos companheiros que travam a luta política socialista em geral e que nos acompanham em nossas lutas e discussões políticas, em particular.
Publicamos aqui o último documento constante do Caderno I – Política Revolucionária: Tendências e Contratendências, cujos textos são:
1 – UM MUNDO EM CRISE
2 – O BRASIL DE BOLSONARO NO CONTEXTO INTERNACIONAL
3 – O CARÁTER DO GOVERNO BOLSONARO
A partir da próxima semana iniciaremos a publicação dos textos do Caderno II – Ação política em ambiente com elementos bonapartistas: Frente Única e Unidade de Ação
O caráter do governo de Bolsonaro
Roberto Sáenz, 30/10/2018
“Se insistimos em distinguir entre o bonapartismo e o fascismo, não é por pedantismo teórico. Os termos servem para diferenciar conceitos; por sua vez, os conceitos servem na política para distinguir as forças reais (…) “O fascismo chegará ao poder pela via fria”. Mais de uma vez ouvimos essa frase dos teóricos stalinistas. Esta fórmula significa que o fascismo chegará ao poder legalmente, pacificamente, por meio de uma coalizão, que não precisará lançar uma luta aberta. (…) Entre a incorporação “pacífica” de Hitler ao poder e a implantação de um regime fascista media um longo caminho. Uma coalizão facilitaria o golpe de Estado, mas não o substituiria. Após a revogação definitiva da Constituição de Weimar, a tarefa mais importante permaneceria: a liquidação dos organismos da democracia proletária”. (Trotsky, “O único caminho”, 1932, Edições Pluma, Buenos Aires, 1974, pp. 46)
Nesta segunda parte do nosso documento sobre o novo governo de Bolsonaro, abordaremos algumas idéias sobre seu possível caráter.
1. A luta de classes como medida de todas as coisas
A primeira coisa a salientar é que você não pode responder a todas as perguntas: não há como substituir a experiência que é feita na luta de classes. Isto pode parecer muito geral, mas é muito específico. Não se pode, de antemão, responder a tudo, falar de tudo, estabelecer o alcance e os limites dos fenômenos de maneira puramente especulativa; há que se ver na experiência.
Não se pode substituir a experiência do movimento de massas, da luta de classes que vem. A esquerda revolucionária tem responsabilidades importantes, especialmente na maneira como se “mede” com o PT e a burocracia sindical. Mas ainda é um ator minoritário porque a população trabalhadora brasileira não é revolucionária.
Este fenômeno é objetivo. O fato de não ter havido um espaço de massas à esquerda do PT é um fenômeno que é preciso olhar desapaixonadamente. Isso, além de todos os erros da esquerda revolucionária brasileira.[1] Mas o problema central é, insisto, as dramáticas traições do PT.
Há uma coisa que o partido não pode substituir é a experiência das massas. Gramsci disse que a consciência dos trabalhadores tem elementos reais e falsos. Consciência é essa totalidade com elementos verdadeiros e falsos. Num determinado momento histórico, os elementos da verdadeira consciência dominam os elementos da falsa consciência; porque é sempre uma combinação. E em certos outros momentos históricos, os elementos da falsa consciência dominam os elementos da verdadeira consciência.
Neste momento, no apoio a Bolsonaro de camadas dos trabalhadores do sul do país (o mais industrializado, paradoxalmente), os elementos de falsa consciência estão dominando (muito) por cima dos elementos da verdadeira consciência.
A consciência é um fenômeno determinado que reage à realidade, mas que se constitui a partir da experiência. E a experiência entre os trabalhadores tem sido o cansaço de 14 anos de governo do PT sem mudanças substantivas. Basicamente, esse é o problema em que todos os outros estão montados: corrupção, insegurança, etc.[2]
Na experiência com Bolsonaro, assim que ele assuma, esse “equilíbrio conservador” é muito factível que se rompa; que ele se reencaminhe de volta para a esquerda a medida que Bolsonaro desmintae as expectativas populares; que se faça uma experiência com ele. Isto, salvo se o “fenômeno Bolsonaro” seja um fenômeno à direita mais orgânico, que se cristalize ainda mais à direita (uma tarefa a serviço das igrejas e de toda aquela coisa “messiânico-religiosa” que o rodeia), o que exigiria uma derrota histórica dos trabalhadores que não é assim; o fenômeno é mais complexo.
Aí entram em jogo um conjunto de determinações já indicadas na primeira parte deste informe. Mas, certamente, a partir de passar pela experiência de Bolsonaro, se infelizmente temos que passar (e vamos ter que passar porque ganhou as eleições com 55% dos votos), teremos elementos de consciência verdadeira que começarão a enfrentar aqueles de falsa consciência, e que irão gerar condições para a luta.
Por exemplo, no momento da reforma previdenciária, todos os empregadores pedem a Bolsonaro que se aplique nos primeiros meses de seu mandato. Muitos trabalhadores votaram em Bolsonaro porque ele estava farto de “tudo o que está aí” (uma frase tipicamente brasileira). Mas como reagirão se Bolsonaro retomar o projeto de reforma previdenciária que propõe 49 anos de contribuição, que é como propor a eliminação das aposentadorias?
Desde já isto remete a se a classe trabalhadora brasileira está derrotada. Mas melhor nos parece que esteja “anestesiada” pelas lideranças reformistas, por seu comportamento criminoso, por um governo do PT considerado “próprio” e cuja gestão não difere de outros governos capitalistas neoliberais: um “governo reformista sem reformas “. Mas, em todo caso, acreditamos firmemente que trabalhadores, mulheres e jovens têm enormes reservas de combatividade.
É por isso que não pensamos que existe uma “consciência bolsonarista”, um “essencialismo da consciência”. Será a experiência que voltará a informar tal consciência.
Tudo isso se refere ao problema de que a experiência das massas não pode ser resolvida em um debate. E as correntes revolucionárias, embora sejam minoritárias, devem ter uma estratégia.
Então, dissemos várias coisas, mas vamos sublinhar dois fundamentos. Primeiro, que a medida das coisas será dada pela luta de classes: é difícil fazer definições categóricas com antecedência. Dois, que mais cedo ou mais tarde a consciência irá ricochetear.
Porque uma coisa é a consciência que é forjada na experiência com o PT: um governo que trai as expectativas populares. E isso também é uma complexidade, porque o trabalhador se identificava com o PT como com “seu governo”. E outra coisa é a consciência que é forjada com Bolsonaro, que não está identificada como um governo “próprio” (o bolsonarismo surge das entranhas da classe média histérica, não da classe trabalhadora, como foi o caso do PT).
Há toda uma série de novos fenômenos que devem ser vistos. Mas uma experiência vai haver. Isso vai mudar a equação de volta na cabeça das pessoas. Essa experiência será forjada e o forjar não depende apenas das direções. Mas que triunfe, sim. Daí o perigo que entranha o PT também: sua adaptação orgânica à democracia burguesa e ao capitalismo; seu caráter de “organizador de derrotas” por esse mesmo motivo.
O que, taticamente, nos antecipamos a dizer, não propõe qualquer sectarismo, nenhum bloqueio à necessidade imperativa de unidade na ação, de frentes únicas contra o fascismo nas ruas. Mas coloca a questão estratégica: a necessidade de superar a liderança reformista na experiência da luta contra o Bolsonaro.
De qualquer maneira, a consciência será forjada em uma experiência que vai além de qualquer partido; a coisa é mais ampla. Esse elemento convoca, precisamente, a não impressionar-se; a não analisar Bolsonaro fora da luta de classes. Bolsonaro é um emergente da luta de classes. E ele também é um “escravo” da luta de classes. Como se expressará essa luta de classes, como se forjará essa experiência, é isso que vamos começar a viver no futuro próximo.
2. Um governo semi-bonapartista com uma base social protofascista
Bolsonaro irá configurar um governo inédito no Brasil (e na região), com elementos ou características “bonapartistas”. O que significa um governo com características bonapartistas? Um governo que coloca em primeiro plano as instituições “pétreas” do Estado, as mais permanentes, as mais antidemocráticas.
Um governo bonapartista se apoia menos nas instituições representativas, que também são do Estado burguês, mas se vota. Propõe as instituições não representativas do Estado burguês: a burocracia do Estado, as forças armadas, a polícia, o próprio Poder Executivo (acrescentando, neste caso, as igrejas católicas e evangélicas, que são na verdade instituições paraestatais).
É possível que o regime político no Brasil adquira características bonapartistas, sem ser inteiramente bonapartista: mantendo um equilíbrio com o parlamentar. Pode ser que seja um regime claramente bonapartista, é factível, embora não apenas pela eleição; precisa de algo mais.
Os governos que adquiriram características bonapartistas definitivas tomaram medidas como a dissolução do Parlamento ou coisas desse tipo. Por exemplo: um governo eleito na América Latina que se tornou bonapartista (houve uma enorme derrota anterior que foi processada por Alan García nos anos 1980 e aprofundada na década seguinte[3]), foi o de Fujimori no Peru. Fujimori foi eleito em 1990. Ele apareceu como um candidato “popular” contra o neoliberal Vargas Llosa. Mas dois anos depois, em 1992, com a desculpa de “combater a subversão”, dissolve o Parlamento.
Sua bonapartização foi precedida e sucedida por uma situação de derrota e desmoralização do movimento de massas; a desculpa para a repressão foi o senderismo. Isso levou a um governo bonapartista que durante seu exercício produziu um banho de sangue; não achamos que seja o cenário do Brasil[4].
Nós não vemos essa perspectiva para o Brasil. Os eventos são mais preventivos. No Brasil hoje não há aumento da luta de classes. Embora o revanchismo social entre as classes médias a tudo que cheira a trabalhadores, ao PT, à esquerda, seja tremendo, e não pode ser ignorado porque é uma peça central do triunfo de Bolsonaro: o desespero das classes médias; o proto-fascismo que aninha em sua base social; as características sem fundamentos de classe do próprio clã Bolsonaro.
Tomando as distinções e nuances que correspondem ser estabelecidas na análise marxista, devemos ser categóricos: entre a eleição de Bolsonaro e uma dinâmica abertamente bonapartista vai mediar um processo de luta de classes, que teremos que ver como será.
Bolsonaro tende a ser um governo com características bonapartistas sem ser um governo bonapartista de pleno direito. Por enquanto, um governo semi-bonapartista que manterá as instituições do regime, o que não impede que ele seja “radicalizado”. Mas isso dependerá de um curso de desenvolvimento cujo resultado será dado pela luta de classes.
Um governo semibonapartista com grande presença das forças armadas, o que já é um fator de anormalidade na democracia burguesa. E que, além disso, poderia abrir o caminho para um governo direto das mesmas, uma ditadura militar, se vai à uma crise.
Um governo semibonapartista que coloca ser analiticamente distinguido de sua base social: uma base social de classes médias “desesperadas”, com impulsos fascistas e/ou protofascistas. Uma base social “protofascista” de um governo semibonapartista; não um governo “fascista”, como se pode apreciar de uma maneira impressionista.
Uma base social que há que se ver quão organizada está; que parece ser mais uma base político-eleitoral do que um movimento “fascista” organizado no estilo clássico; o qual também é uma medida das coisas.
Uma base social inspirada no preconceito; mas cujo elemento organizador não é hoje o elemento clássico do fascismo: continua sendo um elemento eleitoral. Embora esteja claro que existem organizações de direita no Brasil que estão crescendo, embora ainda sejam muito vanguardistas.
Parece-nos que o elemento organizado de Bolsonaro hoje não é o elemento clássico do fascismo. Fascismo antes de chegar ao poder em 1922 (Itália) ou 1933 (Alemanha), para exagerar, porque eles eram países imperialistas (cujas relações sociais e de classe são muito diferentes do que no Brasil, em breve voltaremos a isso), havia derrotado a classe trabalhadora em enfrentamentos físicos ao longo de vários anos.
Essa definição é muito importante: no Brasil a classe trabalhadora está confusa e tem havido derrotas parciais, mas não está derrotada; não é a mesma coisa. Isso é muito importante ter claro, para ver o escopo e os limites. O que Bolsonaro tem de mais perigoso é que ele tem um apoio externo nas Forças Armadas; isso é perigoso porque é um elemento ditatorial[5].
O fascismo é um movimento organizado nas ruas, grupos de assalto, o fascismo coloca os reformistas em apuros porque lhes fecham as sedes; força-os a sair de suas tocas, que é o elemento material levantado por Trotsky, que cria as condições para a unidade da ação, para a frente unica. É difícil que se chegue a isso, porque o país pode ser posto em perigo de explosão: abrir caminho para uma revolução![6]
Em sua definição clássica, o fascismo destrói as organizações do movimento operário, fecha as sedes do PT, fecha os sindicatos, etc. Bolsonaro fez ameaças claras nesse sentido, mas ele tem que ir da palavras às ações. Existem “impulsos fascistóides”, ou proto-fascistas, desde abaixo, o ataque à comunidade LGTB, mulheres, pessoas de cor. Cria um clima desagradável e perigoso. É um elemento adverso.
Mas, atenção: se passa da medida, pode abrir caminho para uma revolução. E isso preocupa os setores burgueses mais lúcidos, que procuram circunscrevê-lo dentro das instituições (ao menos por enquanto).
3. O pêndulo da luta de classes
Qual é o contraponto, a contradição?: o pêndulo da luta de classes. Os impulsos proto-fascistas não agem em um corpo inerte, eles agem em um corpo vivo. Se você agir em um corpo inerte, você faz uma autópsia: “autópsia Bolsonaro”. Se você tem uma pessoa cética, você tem que dizer a ela que não é precisa fazer uma autópsia, não: você tem um corpo vivo. Se você põe um bisturi em seu olho, ele reaje (veja se não a imensa mobilização de #EleNao em 29 de outubro, por exemplo). Não se trata de “uma autópsia do Brasil”; Eu insisto, é um corpo vivo.
Como esse corpo vivo reagirá? Aí está a complexidade da direção. Porque é uma direção adaptada: traidora e perigosa. São traidores porque já traíram milhares de lutas. Mas eles também são perigosos, porque não é a mesma coisa qualquer traição. Uma coisa é o papel de Lula encerrando a greve petroleira contra Fernando Henrique Cardoso em 1995; foi uma derrota, abriu caminho para o neoliberalismo no Brasil: mas não colocou o regime político em questão.
Outra coisa é o perigo de um ataque que empurre “cem anos” para trás a classe trabalhadora; que facilite uma mudança reacionária do regime, das relações de forças. O PT, aparte ser um traidor, é perigoso. Vou cometer um exagero no exemplo, mas a social-democracia alemã em 1932, no Parlamento alemão, pedindo “à polícia que reprima os fascistas” … Uma estupidez, uma traição completa, pedir à polícia para reprimir os fascistas: se a polícia está totalmente integrada aos fascistas! Um cretinismo institucional dos mais abjetos! Isso é uma traição à enésima potência; esse fator atua. Mas de todo modo, agir em um corpo vivo, não inerte, torna-se uma experiência.
Mas há mais um fator que é central. Como já assinalamos, as garras fascistas podem obrigar os reformistas a sair de suas “tocas”. Bolsonaro representa ataques reais ao PT, aos líderes de esquerda, a todos os movimentos sociais: reformistas e revolucionários.
Isto é o que levanta, como Trotsky apontara, a base material para a unidade de ação, para a frente unica; especialmente por causa da pressão que é gerada a partir das bases para esses dirigentes.
Nesse aspecto, qualquer sectarismo seria criminoso: aqui temos os ensinamentos da frente única contra o fascismo, a crítica de Trotsky à ideologia stalinista do “fascismo social”. Bolsonaro pretende questionar o regime democrático burguês, o PT é “filho” desse regime; sobre esta contradição, devemos trabalhar para promover a saída para as ruas.[7]
Qual é a contradição para a burguesia? Qual é o perigo para eles?
Que Bolsonaro “extrapole”: que gere uma radicalização. Se se passada medida na agressão, se exagerar, se medir mal, pode desencadear uma revolução.
É assim. Este é o processo histórico. É assim que as coisas funcionam. Nenhuma revolução é gerada em qualquer circunstância histórica. Revoluções são geradas por toneladas de barbárie, infelizmente. Mas é assim que funciona. Imagina-se a revolução com Lenin e Trotsky como algo muito “lindo”, “romântico”. Mas em 1914 a juventude européia foi para a carnificina da Primeira Guerra Mundial entusiasmada … Muitos dos jovens vieram do campo; a vida é material: essa juventude ia à guerra contente porque deixava sua localidade, no caminho à frente conheceu Paris ou Berlim; se impactava.[8]
Depois chegaram nas trincheiras e a história mudou: passam por uma experiência terrível e se tornam revolucionários; essa foi a base material da Revolução Russa, da Revolução Alemã; de toda a ascensão revolucionária na Europa.
Os processos são históricos. Não são coisas de folhetim. A história é forjada com as massas e os revolucionários agindo. Os processos reacionários ou contra-revolucionários freqüentemente precedem os surtos revolucionários, as próprias revoluções.
Toda essa complexidade tem o fenômeno Bolsonaro: uma experiência perigosa para a burguesia também; não é tão simples. Porque a médio prazo isso pode significar a criação de uma consciência revolucionária. O PT conviveu com uma consciência reformista; nós gritávamos de fora: a consciência foi reformista.
É uma complexidade porque no mundo de hoje também não há consciência revolucionária. Mas Bolsonaro desafia uma consciência revolucionária, radicaliza. É por isso que devemos superar o PT: devemos superá-lo à esquerda.
Claro que a campanha antipetista a rejeitamos incondicionalmente; É uma campanha anti-trabalhador. Se toma o PT pela classe trabalhadora; é uma campanha reacionária. Tudo o que no PT resta de “sombra dos trabalhadores”, de “fantasma” ou “espectro de trabalhadores”. Porque o PT nasceu como um partido reformista de trabalhadores. E o revanchismo social expresso por Bolsonaro é a rejeição fascistizante desse fenómeno que outrora possuía traços de classe[9].
Dialeticamente, como organização reformista que é, ao PT há que se derrotá-lo. Temos que forjar uma ferramenta histórica que reúna os setores de massa. Estamos vivendo os limites do reformismo no Brasil. Estamos vivenciando o fenômeno Bolsonaro, que é responsabilidade política das traições do PT.
Uma tarefa que não será simples porque, entre outras coisas, se vive,paradoxalmente, um relativo fortalecimento do PT (do Impeachment de Rousseff a esta parte). Internacionalmente, ainda custa muito suplantar esse tipo de organização à esquerda. O neo-reformismo é de massas: PT, Podemos, Corbyn, Sanders, etc., e a esquerda revolucionária é a vanguarda. Ainda é difícil atravessar essa fronteira.
4. Nem facilismo nem impressionismo
Os revolucionários, devemos levar a sério os perigos que nos coloca a luta de classes: não fazê-lo seria criminoso. Bolsonaro é um perigo e devemos olhar de frente para essa realidade desagradável. Mas com a mesma ênfase dizemos que seria um erro ficar impressionado; dar ao inimigo um centímetro a mais do que ele efetivamente tem.
Temos um novo governo com elementos bonapartistas, com uma base social de massa não organizada, com características proto-fascistas, em um país de tamanho continental. É errado falarmos do fascismo histórico, porque é incomparável. Mas, de qualquer forma, servirá de forma ilustrativa.
Hitler estava à frente de um poderoso país imperialista como a Alemanha. Mas, acredite ou não, ele temia a classe trabalhadora (isso como um subproduto do trauma da revolução de 1918); uma classe trabalhadora que sofre sob o nazismo uma derrota histórica, o que não excluiu, paradoxalmente, concessões econômicas.
É grande para explicá-lo, mas não se alcança somente com reprimir. Bolsonaro: que concessões ele dará? A coisa é material. A consciência é forjada na experiência. Apenas paus, apenas derrotas, apenas agressão? Sem concessões? Os trabalhadores são concretos para ambos. São concretos, pragmáticos, míopes em certos casos, como votar contra o PT e apoiar Bolsonaro. Mas eles também são concretos para eventualmente dizer: “che, mas isso é um fiasco, é um fracasso“.
Claro que, eventualmente, será um processo “lento”. Mas um governo com características bonapartistas, sem concessões às massas, não é tão simples. Um governo cuja primeira medida seria abertamente contra as massas: a contrareforma previdenciária (embora a equipe de Bolsonaro já tenha dito que introduziria “modificações”, o que não caíu bem nos mercados).
O movimento de massas não é militante, não pensa como nós; é concreto, há uma expressão em espanhol que diz “prata na mão, bunda na terra”. A classe trabalhadora é concreta, não começará com a “ideologia”; é concreta e se pergunta: há concessões ou não há concessões? Meu padrão de vida melhorará ou não melhorará? Vale lembrar que no Brasil, depois de 14 anos do PT, para não falar dos demais governos capitalistas, 100 milhões de habitantes ainda não têm esgoto …
O Brasil é um gigante regional, mas não é um país imperialista: é um “país emergente”. Diz-se “fascista” para denunciá-lo, para ampliar a denúncia democrática, que é muito boa: “jogar-lhe todos os cães encima“. Mas cientificamente, como caracterização, é um exagero.
É perfeito denunciá-lo assim porque existe uma memória histórica de que o fascismo é um inimigo ferrenho dos trabalhadores, mulheres e jovens. E é bom usar essa memória histórica, que é uma conquista.
Além disso, uma característica específica de Bolsonaro é o ataque à esquerda em sentido amplo, aos movimentos dos trabalhadores: “vamos fusilar a toda petralhada” é uma das suas manifestações mais repetidas; Atenção que a “petralhada” são os apoiadores do PT e da esquerda em geral! Ataques, perseguições, carta branca aos proprietários agrários, repressão ao conflito social, são uma perspectiva certa.
Mas a conotação “fascista” como categoria científica deve ser usada com muito cuidado, porque implica outras relações de forças: uma classe trabalhadora derrotada, o que não é o caso.
Ademais, o fascismo histórico é um fenómeno dos países imperialistas; onde eles tinham condições de derrotar a classe trabalhadora e também fazer concessões econômico-sociais. O estado corporativo de Mussolini fez concessões à classe trabalhadora e no nazismo foi igual. Mas nesse caso eles o fizeram sobre o “corpo inerte” dos trabalhadores: destruindo todas as organizações da democracia operária (sindicatos, associações, cooperativas, partidos reformistas e correntes revolucionárias, etc.).
Isso foi uma “autópsia da classe trabalhadora”; eles a haviam derrotado historicamente: a classe trabalhadora era fragmentada, sem organizações, sem nada; o Estado foi erigido como um Estado totalitário.
Tudo isso tem que ser pensado e estudado; a discussão é profunda. Mas não é apta para impressionistas. É apta para marxistas revolucionários: que saibam ver os perigos, mas também os pontos de apoio à ação antifascista.
Não há ninguém que possa dizer como as coisas vão se desenrolar. Há que se fazer a experiência: há que estudar, há tem militar, há que organizar, tem que se ir para as ruas, há que ter unidade de ação, frentes únicas, comitês anti-fascistas. E, nessa experiência, esforçar-se para superar a liderança do PT: construir um partido revolucionário. Porque sem as traições do PT, Bolsonaro não existiria.
O que é certo é que a partir dessa experiência se pode sair com mais organizações militantes no Brasil; claro, vai ser um processo. Agora que Bolsonaro venceu, o PT se encarregará de encher de derrotismo a amplos setores, de “distribuir lenços”, de alimentar o impressionismo. Bolsonaro assume em 1 de janeiro. Será, talvez, um processo “pausado”; veremos.
Mas se Paulo Guedes diz: “Bem, agora reforma das pensões“, como exigido pelos mercados, as pessoas vão dizer: “Bem, ok, eu sou 'bolsonarista', mas eu não gosto de baixar a minha aposentadoria.”
Possivelmente demore alguns meses. Mas o próximo ano certamente começará a processar uma experiência. Porque a “onda reacionária” que Bolsonaro expressa, se lhe vai a contrapor, seguramente, a “onda democrática” que começou a se expressar entre o primeiro e o segundo turno: pólo e bi-pólo; giro para a extrema direita e rebote à esquerda: essa é a dialética da luta de classes que não está abolida no Brasil.
E quanto à relação do “bonapartismo” com a burguesia, também implica contradições, a coisa não é tão simples: quem está no comando? A burguesia como classe ou o Bonaparte? Quando a burguesia diz: “façam a reforma agora“, está dizendo: “aqui mando eu“. Mas às vezes o Bonaparte manda; embora em representação dos interesses da burguesia. É uma dialética complexa: o Bonaparte defende a burguesia, mas com métodos próprios.
Mas a questão é quem marca os tempos. Porque os Bonapartes querem comandar (na aparência, “por sobre” as classes sociais). Fazem o trabalho para a burguesia. Mas às vezes eles esfregam o rosto, dão “golpes” (como assinalou Trotsky); mas isso sem apartar-se um minuto de defender seus interesses de classe.
5. Paremos a mão do fascismo: vamos pela unidade de ação nas ruas, por comitês antifascistas; pela Greve Geral antes do primeiro ataque aos trabalhadores, mulheres e jovens
Para terminar, voltemos à ideia do princípio: não estamos diante de uma “autópsia”; na frente de um corpo inerte. Estamos girados à extrema direita, onde certamente será processada uma experiência da luta de classes. Uma experiência que, vista de outro ponto de vista, pode ser politizadora.
Isso forçará as pessoas a pensar e fazer política de uma maneira não rotineira. Porque o Brasil está em uma lógica rotineira há 20 anos. Isso vai forçá-lo a sair da rotina. Embora, claro que sacudir a inércia rotineira não é tão fácil.
Há muito espaço para uma corrente como a nossa, revolucionária, mesmo que pequena. Mas que tenha essa marca combativa, militante, não rotineira que se faz necessária (que pense, que elabores, que faça a experiência nas ruas, que seja unitária, mas sem perder o ângulo revolucionário e que sacuda o rotinarismo).
Porque não vamos derrotar Bolsonaro com o rotinismo do PT. Será necessário repensar a política revolucionária de uma maneira não-rotineira (o que requer também superar as práticas da maioria das correntes trotskistas brasileiras, marcadas por um sectarismo galopante ou por um oportunismo delirante); quebrar o rotinismo diante de um fenómeno extraordinário como o de Bolsonaro[10].
A orientação para situações deste tipo clássica: a unidade de ação nas ruas, mesmo com “o diabo e sua avó”, como disse Trotsky. Forçando os reformistas a deixar seus “quiosques” dentro das instituições. Afirmando que o fascismo não se o discute, se o combate. Que isto coloca, em certos casos, superar os limites, a institucionalidade: defender incondicionalmente ocupações de terra, ocupações habitacionais, barreiras rodoviárias, ocupações de fábricas, enfrentar as ameaças reacionárias de Bolsonaro contra a esquerda, os “comunistas” “, os” vermelhos “.
Isto é, defender todos os direitos democráticos, defender a “democracia” desde a esquerda, desde as ruas, estabelecer frentes únicas de luta, rechaçar o eventual fechamento do Parlamento; defender a democracia burguesa contra o ataque bonapartista, em face de um eventual golpe de Estado.
Mas fazemos isso sem deixar de questionar a institucionalidade pela esquerda; sem nos ligarmos a ela: a institucionalidade não é um talismã mágico; não lhe rendemos homenagens. Nosso método é o da rua e a ação direta das massas; essa é a verdadeira democracia: a democracia revolucionária que supera as instituições do regime pela esquerda e assenta as bases para a democracia dos trabalhadores.
Claro que isso não significa ser ultraesquerdista, indo a torto e direito. Não. É sobre estar na vanguarda da luta democrática unitária; também à vanguarda na luta pelos direitos econômico-sociais dos trabalhadores, os direitos democráticos da mulher e da juventude, exigir a liberdade de Lula.
Mas tudo isso sem ceder ao capitulador discurso do PT de prostrar-se frente a institucionalidade: devemos superar a institucionalidade pela esquerda em ação direta contra Bolsonaro, isto de modo a abrir uma experiência revolucionária entre as massas: superar o horizonte ainda não ultrapassado do reformismo..
Bibliografía
– V. I. Lenin, Esquerdismo, doença infantil do comunismo.
– Antonio Soler, “Eleições, avanço do reacionarismo e resistência”, socialismooubarbarie.org
– Antonio Soler, “O colapso do Lulismo. Ascenção e queda de um Pacto Social”. Coleção SoB, Brasil.
– Roberto Sáenz, Ciencia e arte da política revolucionária, socialismooubarbarie.org
– “Questões de estratégia”, socialismooubarbarie.org
– León Trotsky, “La única salida”, em La lucha contra al fascismo en Alemania, Ediciones Pluma, Buenos Aires, 1974.
[1] É longo desenvolvê-lo aqui, mas a esquerda revolucionária brasileira viveu sob a pressão constante do PT. Isso levou a dois erros simétricos: oportunismo e sectarismo. Uma síntese não foi alcançada: um curso revolucionário de sucesso.
[2]Em “O marco internacional do triunfo de Bolsonaro“, explicamos as características estruturais que fazem do Brasil um país extremamente polarizado do ponto de vista social.
[3] Atenção aqui a desculpa foi a existência do Sendero Luminoso. Nada similar existe hoje no Brasil.
[4] O Peru tinha cerca de 80.000 desaparecidos naqueles anos, especialmente entre a população camponesa.
[5] Embora até nisso exista uma medida porque as ditaduras deste século 21, como Honduras ou Paraguai na época, não são tão sangrentas como as dos anos 70. Mesmo naqueles anos, a ditadura no Brasil não era tão genocida quanto da Argentina ou do Chile. Tudo suporta análise e medição: o marxismo não é adequado para impressionistas.
[6] De passagem, vamos assinalar que um governo semibonapartista ou bonapartista é um governo instável, de instabilidade, não mais de “paz dos cemitérios” consumados: tanto pode abrir caminho para uma situação contrarrevolucionária, bem como revolucionária, atenção
[7] O que supõe táticas como a exigência, a denúncia, a unidade de ação, a frente unida, tática dirigida aos reformistas que são os que dirigem as organizações de massas.
[8] Isso é bem descrito pelo historiador e cineasta francês Marc Ferro em “La gran guerra 1914-1918”.
[9] Nos anos 80, as campanhas eleitorais do PT foram feitas sob a consigna de classe do “trabalhador vota em trabalhador”.
[10] Um fenômeno que de tão profundo, tão complexo, pode representar uma reconfiguração do trotskismo no Brasil.