Nesse momento está ocorrendo uma imensa jornada de luta contra o governo de Iván Duque na Colômbia. Desde a Central Unitária de Trabalhadores (e Trabalhadoras) (CUT) convocou a greve, o movimento não parou de crescer e mais de 40 sindicatos e centenas de organizações sociais, agricultores, estudantes, mulheres, etc. declararam sua intenção de se juntar a essa mobilização.

Johan Madriz, Socialismo ou Barbárie Costa Rica

A convocação foi precedida por uma greve anterior da CUT, em 5 de outubro, e por meses de lutas estudantis pelo aumento do orçamento para a educação. Mas, também, está enquadrado nessa importante primavera de luta que vem abalando o mundo e, especialmente, a América do Sul, com milhões de pessoas mobilizadas contra seus governos: Haiti, Equador, Chile e Bolívia são os mais próximos.

As demandas iniciais vão no sentido de rejeitar o brutal plano de ajuste promovido por Duque, ordenado pelo FMI, para equilibrar as finanças públicas após a persistente estagnação da economia mundial e que visa aumentar a exploração capitalista cortando direitos e garantias trabalhistas e sociais.

Milhões vão às ruas contra governo de Iván Duque, governo tem mais de 69% de desaprovação.

Essa reforma trabalhista e previdenciária busca “estabelecer o trabalho por horas, o salário mínimo diferenciado por regiões, a eliminação de horas extras, o pagamento de domingo e feriados, a compensação por demissão, dentre outras, e na previdência social, o aumento na idade da aposentadoria e a cotização, bem como a diminuição da taxa de retorno e, o pior, estabelecem para todo o sistema de poupança individual eliminando a solidariedade, um Ministério do Trabalho que mina a estabilidade reforçada dos trabalhadores doentes”. [i]

Além disso, o Plano Nacional de Desenvolvimento delimita uma reestruturação do Estado para privatizar diferentes setores. “O leilão de ativos públicos continua com a venda dos 20% restantes das ações da Ecopetrol, o leilão da ISA, a venda do oleoduto (Cenit), também das empresas estatais de eletrificação e todos os ativos nos quais o Estado possui menos de 49% de propriedade”.[ii]

Um dos setores mais atingidos seria a juventude, quando se pretende reduzir seus salários até atingir 75% do mínimo, ou seja, um ajuste de precarização para quem inicia sua vida profissional. Isso vem acompanhado por cortes na educação e na saúde, novos impostos e maior abertura comercial através de acordos de livre comércio.

A essas demandas das organizações sindicais se acrescem as de outros setores: contra uma reforma que daria poder a governadores e prefeitos para aplicar toque de recolher em suas jurisdições, o assassinato sistemático de líderes sociais, a violação dos Acordos de Paz de La Habana, a guerra contra as plantações de coca, o aumento dos preços dos alimentos, o desemprego, os casos de corrupção etc. Além disso, nos últimos dias se somaram as notícias da morte de vários menores durante o bombardeio do Exército aos dissidentes das FARC, o que levou à renúncia do ministro da Defesa Guillermo Botero.

Todos esses pontos são consideráveis e mostram uma insatisfação generalizada com a situação atual, o que pode ser evidenciado na baixa popularidade de Duque, que teve um nível de desaprovação de 69% em outubro passado. No entanto, a multiplicação de reivindicações, sem uma central que as aglutine, dispersa o objetivo e isso é um limite se se pretende assestar um golpe no governo.

A massividade que adquiriu a jornada despertou o medo das autoridades de que a greve se transformasse em algo maior com um sentido antigovernamental em vez de puramente reivindicativo, detonando um fenômeno de contágio das lutas da região. A prestigiosa revista Semana assinala que “o 21 de novembro pode se tornar uma data transcendental [iii]” e a BBC ressalta “desde a greve geral de 1977, que marcou um antes e um depois do protesto social na Colômbia, não havia tanta tensão devido a uma greve nacional”. Embora, no momento, tudo seja suposições, a verdade é que essas expressões refletem o pânico da burguesia colombiana em ter seu próprio Chile ou Equador.

Duke responde dizendo que “há muitas vozes que chamam a incendiar a sociedade e à violência baseadas em mentiras” [iv]. Alegando que não se pretende por em marcha as reformas mencionadas, no entanto, algumas foram confirmadas pelo ex-presidente (e pai político de Duke) Álvaro Uribe. Além disso, ele usa a velha cantilena da interferência do governo venezuelano nos protestos como uma forma de desviar a atenção para o exterior, uma forma de desacreditar os protestos sociais através da invenção de uma conspiração de castrochavista.

Como resultado, da 0h da quarta-feira 20h até as primeiras horas da sexta-feira (22), todas as fronteiras terrestres e fluviais do país estão fechadas. Além disso, igualmente a seus colegas Lenin Moreno e Sebastián Piñera que recorrem ao estado de exceção (não formalmente declarado) com a ordem de aquartelamento no primeiro grau (alerta máximo) do Exército e destacamento militar de Bogotá.

Nos dias anteriores, um ambiente repressivo e de medo se instalou como uma forma de dissuasão (sem grandes efeitos). Tal é o terror dirigido aos protestos sociais. Foram invadidos sedes de coletivos de artistas e de meios de comunicação, como a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP). Além disso, relata-se que em cidades como Bogotá, Cali ou Medellín, residências estudantis foram registradas pela polícia: “não havia mandado de prisão para esses jovens e tampouco de busca. Aprenderam coisas legais, como livros e comunicados que convocam a greve nacional”. [v]

Além disso, circulam vídeos que mostram a mobilização do Exército e se multiplicam as falsas notícias (como um tweet do marido de uma senadora uribista que qualifica como rito satânico uma “performance” de convocação da greve). E até a formação de um “grupo de choque” de civis afinados com o governo em Medellín foi anunciada para repelir as manifestações.

Em suma, um governo gorila que pretende evitar o contágio dos ares de rebelião a todo custo, usando desde o minuto um todo o poder repressivo do Estado. É que, se uma radicalização se cristalizar nos protestos na Colômbia, se configuraria uma mudança regional substancial que poderia ter amplas implicações na luta de classes no continente.

Esse cansaço com as medidas de ajuste neoliberal pode ser um ponto de ruptura para que se questione todo o Estado colombiano que atualmente é uma das joias da coroa neoliberal da América Latina. Nesse caso, potencialmente, haveria grandes chances de uma radicalização pela esquerda, com a classe trabalhadora como protagonista, uma vez que a convocatória é liderada pelas organizações sindicais que a agrupam. Embora ainda não estejam em condições desestabilizar o governo e permaneçam no campo das reivindicações sindicais, a potencialização desse movimento podem transbordar a atual situação e levar a  dias de luta como no Chile ou Bolívia. A aposta é na radicalização e politização em uma perspectiva de luta que muda tudo.

Tradução: José Roberto da Silva

Notas:

[i] Extraído de https://www.elespectador.com/noticias/nacional/central-unitaria-de-trabajo-convoca-paro-nacional-el-21-de-noviembre-articulo-884585

[ii]Ídem

[iii]Extraído de https://www.semana.com/confidenciales/articulo/paro-nacional-en-colombia-2019/638872

[iv]Extraído de https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-50483298

[v] Ídem nota 1