Não bastou a criança ser vítima de estupros e tortura psicológica desde os 6 anos de idade! Tem que esperar por uma arbitrária decisão para realizar um aborto legal. Invariavelmente o Estado brasileiro se comporta de maneira omissa e criminosa sobre o direito de Mulheres e Meninas.
Negligência do poder público pode destruir ainda mais vida de criança abusada
Rosi Santos, Vermelhass
A tenra vida de “Joana” – nome que daremos a vítima – está um verdadeiro clavário. O caso ocorreu no Espírito Santo, onde a menina ao ser levada ao médico, devido a dores no abdômen, constatou-se que estava grávida. Logo após a confirmação, “Joana”, de apenas dez anos, contou ao médico e assistentes sociais que era abusada pelo tio desde os 6 anos de idade. No entanto, mesmo diante do crime contra a criança que inclusive já manifestou não desejar seguir com a gravidez, ainda aguarda médicos e a Justiça para interromper a gestação.
Médicos e a Justiça estão “avaliando” a interrupção da gestação, já garantida por lei em casos como este. A pastora e ministra Damares Alves disse estar acompanhando o caso e que “ajudará” a vítima. Em que a ministra vê necessidade de “ajuda”, vemos crime por parte de seu governo, que deixou ainda mais evidenciado que não possui nenhum compromisso com a saúde e direitos reprodutivos das mulheres, a não ser quando atendem seus interesses e sua pauta regressiva.
Essa é uma atrocidade que coloca na ordem do dia, à discussão em torno da interferência estatal sobre os corpos das mulheres e, dessa vez, até mesmo de uma criança que já leva três meses de uma gestação fruto de abusos sexuais, um crime bárbaro e inaceitável ética e juridicamente.
A demora significa tortura e põe em risco a vida da criança. Em primeiro lugar, exigimos o cumprimento da legislação por parte dos agentes públicos do estado do Espírito Santo e que a ministra Damares Alves, pelo menos uma vez na vida, faça uso adequado do cargo que ocupa. Qualquer mulher em seu lugar deveria estar nesse momento movendo céus e terras para conter os danos dessa violência. Além do desemparo institucional, atualmente “Joana” se encontra sem o apoio familiar necessário, já que está, desde que o caso veio à tona, desacompanhada em um abrigo na cidade de São Mateus (ES).
Em situações como essa o Código Penal de 1940 garante o direito ao aborto, ou seja, estamos pedindo nada mais de que a lei seja cumprida. Está mais que evidente que não há necessidade de avaliação jurídica no caso. A sociedade não pode mais aceitar a perversão imposta por essa mentalidade fundamentalista criminosa contra os direitos das mulheres que está alojada no governo federal e em muitos estados e municípios.
Casos como de “Vitória” costumam ser camuflados dentro das famílias disfuncionais que toleram esse tipo de abuso. No entanto, acontecem com certa frequência e a morosidade na análise dos casos que vêm à tona é proposital, tentando com isso desestimular através de narrativas religiosas a família e a própria vítima de acessar um direito já garantido.
Em muitos casos, é comum que essas vítimas sejam visitadas por pastores e padres, inclusive nos hospitais, exercendo uma absurda e perversa pressão dogmática sobre a pessoa já fragilizada diante do abuso e da decisão pela interrupção da gestação.
Não podemos permitir que a vida de uma criança seja palco dessas disputas! O que está em jogo é o direito de ter a possibilidade de se curar do trauma, ainda mais difícil no caso de uma crianças, a partir do cumprimento da lei que permite a interrupção da gestação causada por um estupro. Ou seja, o que se exige com a aplicação do direito ao aborto nesses casos é apenas a redução de danos diante de tamanha violência psíquica e física.
A intervenção desses setores denominados “pró-vida”, alguns representados pela figura nefasta de Sara Wuinter, são mais comuns do que se imagina no interior do país. Deve, assim, ser categoricamente rechaçada sua presença em repartições públicas, como hospitais ou escolas.
Só para terem uma ideia, levantamos alguns dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e verificamos que, a cada 1 hora quatro meninas brasileiras de até 13 anos podem estar sendo abusadas. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal, toda dita relação sexual com uma menor de 14 é, na verdade, uma violação. Portanto, toda grávida nessa faixa etária foi necessariamente vítima de um estupro, mesmo que se considere o ato como consentido.
Essa é uma temática difícil e, até mesmo, indigesta de abordar. Mas, entendemos que é necessária. Pensar a realidade de nossas meninas e jovens é fundamental para criarmos as bases necessárias para romper com o ciclo da violência sexual contra todas as mulheres e para construir um futuro sem violência de gênero. Nesse sentido, colocamos a necessidade de uma manifestação urgente sobre o caso em questão, é necessário pressionar Damares, todo o governo machista e misógino de Bolsonaro e do ES para que garantam o mais rápido possível o direito ao aborto não punível à criança.
Também é necessário colocarmos de pé um plano de luta sobre a situação de extrema vulnerabilidade – com aumento da violência doméstica, feminicídios, crescimento do encarceramento feminino – das mulheres em meio a pandemia. No início da pandemia fomos as primeiras, cumprindo as normas de segurança sanitárias, a irmos às ruas contra o crescimento da violência, experiência que nos demonstrou que é possível colocar nas ruas um plano de luta e a elaboração de um Plano Emergencial para as mulheres construído pelo movimento feminista, entidades de combate à violência de gênero, partidos, coletivos, movimentos sociais, com vistas a acabar com a violência de gênero.
E, diante do caso de “Vitória”, parece-nos fundamental exigir, em unidade de ação, a introdução de conteúdos sobre educação sexual e violência sexual no sistema de Educação à distância para as crianças que estão confinadas nesse momento. Assim como, a criação de um botão do pânico para que essas possam relatar à escola e assistência social qualquer abuso sexual e para, inclusive, que os pedófilos e outros abusadores saibam que elas não estão sozinhas.
É necessário avançarmos nas discussões da implementação efetiva do ensino de Educação Sexual Científica com Perspectiva de Gênero nas escolas do Brasil, é fundamental darmos ferramentas às nossas crianças para que reconheçam os primeiros sinais de abusos e para que se sintam seguras em contá-los.
Por fim, reforçamos nosso chamado para uma manifestação de rua para que se cumpra a lei do aborto não punível. Uma menina não pode ser mãe!
Contatos para articulação da manifestação nas redes sociais do coletivo feminista socialista Vermelhass
Aborto legal livre e seguro no hospital em todos os casos!
Realização imediata do aborto não punível!
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