Por Dani L.
Tradução de André Cerqueira e Ana Paula Lescano
A extrema direita se apresenta internacionalmente como um ator político em ascensão. De um ponto de vista marxista, podemos avaliar, em cada momento e em cada país, quais são seus pontos de apoio nas burguesias locais para colocar esse tipo de projeto à frente de certos Estados. Algumas burguesias em alguns países se mostram divididas quanto a isso e nem sempre estão 100% de acordo que a extrema direita seja a resposta adequada para garantir as taxas de lucro e o sistema de exploração. Personagens como Trump podem representar muitos riscos para manter o business para certos setores da burguesia.
O que começamos a ver em alguns países é que a justiça coloca esses atores no banco dos réus ou até os condena, como no caso da condenação do RN (Rassemblement National) e, especialmente, de Marine Le Pen na França.
Sem defender “o Estado de direito” de forma abstrata, mantendo a denúncia sistemática de seu caráter de classe, podemos, no entanto, apoiar as reivindicações de justiça contra a extrema direita, pois é necessário condená-la e fazê-la recuar de todas as formas possíveis. Este é o exemplo da militância argentina na luta contra a impunidade dos genocidas militares envolvidos na ditadura, exemplo seguido de perto e reivindicado pelos próprios companheiros revolucionários e marxistas [1], e desejado por tantos outros em diferentes terras. Por exemplo, os companheiros espanhóis sempre se manifestaram com admiração pelos julgamentos argentinos, devido à ausência de processos semelhantes contra o franquismo na Espanha. As lutas por justiça contra a ditadura são constituintes das correlações de forças atuais na Argentina, e é por isso que Milei ataca toda forma de memória histórica, como o número de desaparecidos. Por essas razões, Milei recebe o apoio dos setores mais reacionários da Argentina.
Na França, a Revolução Permanente (Revolución Permanente) propõe uma análise jurídica dos argumentos da decisão contra Le Pen em seu artigo “Condenação do RN: contra a extrema direita, é necessário defender a ‘justiça’ e o ‘Estado de direito’?” [2]. Os companheiros explicam que “é necessário receber toda decisão contra a extrema direita proveniente do Estado e de sua justiça com a certeza de que esses mesmos instrumentos serão utilizados amanhã contra os opositores de esquerda.”
Entendemos o temor ao fortalecimento do aparato repressivo do Estado com as sentenças e compartilhamos a denúncia da aplicação cotidiana da execução provisória, que é utilizada diariamente contra membros da nossa classe, perseguidos pelas forças repressivas e pela justiça penal.
No entanto, essa posição da RP se aproxima muito da de Jean-Luc Mélenchon, que, na sua declaração inicial, a França Insubmissa (La Francia Insumisa), exige que Le Pen tenha garantido o direito a recurso, expressando o mesmo tipo de temor. Embora considere que o temor da LFI seja mais justificado pela quantidade de assistentes parlamentares que possui atualmente, o medo das condenações a deputados de esquerda não pode nos fazer renunciar à luta pela condenação de Marine Le Pen na justiça, com o apoio da mobilização popular nas ruas.
Essa condenação permite que amplos setores da nossa classe compreendam o caráter burguês e podre desse partido. Podemos tomar como exemplo o fracasso da mobilização da extrema direita para apoiar Marine Le Pen [3]. Sua condenação é um elemento favorável para a nossa classe, pois contribui para o desprestígio da extrema direita e permite desenvolver a luta nas ruas contra os reacionários.
No caso brasileiro, o Esquerda Diário propôs reflexões semelhantes [4]. Para os companheiros do MRT, a única forma de fazer a extrema direita recuar é através da mobilização popular. No entanto, os companheiros estiveram ausentes das manifestações de rua contra Bolsonaro, rejeitando a consigna “Prisão para Bolsonaro” [5]. Para nós, da corrente Socialismo ou Barbárie, as condenações e o desenvolvimento da luta nas ruas pela prisão de Bolsonaro no Brasil constituem um enorme ponto de apoio para a construção de um movimento contra a extrema direita. Nossos companheiros no Brasil militam ativamente pela prisão de Bolsonaro e todos os golpistas, o que representa uma possibilidade histórica de justiça em um país que nunca conseguiu condenar os militares de sua última ditadura.
Se o Estado burguês nos oprime, nos maltrata, nos explora e frequentemente nos persegue com sua justiça, por que não permitir a aplicação dessa repressão contra a extrema direita? Porque, contra a extrema direita, a exigência de justiça possui um caráter transicional para nossa classe. Deixar o Estado burguês nas mãos da extrema direita não nos coloca em melhores condições para desenvolver a consciência de classe e a luta pela revolução; muito pelo contrário.
Partimos do reconhecimento da natureza burguesa do Estado e, particularmente, da sua justiça. Muitos pensadores marxistas se interessaram pelas questões jurídicas e inclusive realizaram estudos de direito. Formar-se nas ideias jurídicas não deveria nos levar a adotar a lógica jurídica burguesa, como a igualdade formal perante a lei ou a aplicação uniforme das lógicas jurídicas internas do Estado burguês.
Estamos convencidos de que podemos distinguir a luta por justiça de nossa classe em cada situação em que sejamos politicamente atacados. Devemos combater a justiça burguesa em todos os momentos em que ela nos ataca, com todas as forças que tivermos. Mas o medo dos ataques da justiça burguesa — que já existem e sempre existiram — não pode nos fazer cair em raciocínios liberais.
Para o Socialismo ou Barbárie, tanto na França quanto no Brasil, a luta pela condenação da extrema direita contribui para o avanço da consciência de nossa classe. Não somos sectários com “o prazer compreensível que isso despertou na esquerda” [6] ou “o alívio de muitos ao ver Bolsonaro (…) no banco dos réus” [7]. Suas condenações nos colocam em melhores condições para lutar contra o Estado burguês, contra a extrema direita, tanto nas ruas quanto nos nossos locais de trabalho e estudo. Vamos fazer a extrema direita recuar e desaparecer, mandando-a para o seu devido lugar: a lata de lixo da história.
[1] Myriam Bregman, dirigente do PTS na Argentina, é reconhecida por sua participação na defesa dos direitos das vítimas da ditadura.
[2]https://www.revolutionpermanente.fr/Condamnation-du-RN-contre-l-extreme-droite-faut-il-defendre-la-justice-et-l-Etat-de-droit
[3]https://socialismeoubarbarie.com/2025/04/08/condamnation-de-marine-le-pen-lechec-de-la-mobilisation-de-lextreme-droite/
[4] “A extrema-direita não irá recuar por conta de processos judiciais. Basta ver Trump nos EUA e Milei na Argentina para entender que essa corrente segue buscando uma figura que possa carregar adiante seu programa reacionário, mesmo que Bolsonaro venha a ser substituído.” https://www.esquerdadiario.com.br/STF-transforma-Bolsonaro-em-reu-por-tentativa-de-golpe
[5] https://esquerdaweb.com/colocar-bolsonaro-e-todos-os-golpistas-na-prisao-e-tarefa-fundamental/
[6]https://www.revolutionpermanente.fr/Condamnation-du-RN-contre-l-extreme-droite-faut-il-defendre-la-justice-et-l-Etat-de-droit
[7] https://www.esquerdadiario.com.br/Bolsonaro-generais-e-militares-no-banco-dos-reus-acusados-de-tentativa-de-golpe-de-estado?amp=1 citado por Tatiane Lopes em: https://www.esquerdadiario.com.br/STF-transforma-Bolsonaro-em-reu-por-tentativa-de-golpe