No momento em que Bolsonaro segue explicitando suas intenções neofascistas e faz ameaças de fechamento do regime, enxergamos também o aumento do repúdio à sua política genocida e o surgimento de debates esclarecendo a importância da construção da Frente Única Antifascista e da Unidade de Ação. Felizmente cresce na juventude o debate que foge da confusão sempre presente entre setores da esquerda entre Frente Única de Luta e Frente Eleitoral de Esquerda, categorias políticas totalmente distintas, que se combinam lógico, mas que têm papéis diferenciados na luta de classes.
Nesse sentido, A batalha da Praça da Sé e os efeitos devastadores que produziu entre as fileiras dos integralistas na década de 30, demonstraram que a conhecida frase “O fascismo não se discute, se destrói”, não é um slogan vazio de propaganda, pelo contrário, sintetiza o aprendizado do movimento operário e da esquerda diante do desafio histórico encarnado pelo fascismo, cujo objetivo é aniquilar todas as formas de oposição política, demonstrando o potencial das organizações de vanguarda para enfrentar a ascensão da extrema-direita com uma política de unidade de ação ou de frente para lutar. Esse é um momento que deve ser recuperado e estudado pelas novas gerações de militantes.
Para contribuir com esse processo de formação político-história das novas gerações, apresentamos abaixo A experiência da Frente Única Antifascista no Brasil (1933-34). Esse é um relato político de um momento de enorme combatividade do movimento operário e marxista revolucionário brasileiro, com repercussão latino–americana, nas belas linhas do camarada de Costa Rica, Victor Artavia.
José Roberto Silva
A experiência da Frente Única Antifascista no Brasil (1933-34)
VICTOR ARTAVIA
Introdução
As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas pela ascensão do fascismo na Europa, cujo ponto alto foi a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha em janeiro de 1933. Isto fazia parte da “era dos extremos”, uma definição aguda do historiador marxista Eric Hobsbawm, com a qual ele caracterizou o período entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, que foi dominado pela luta entre a revolução e a contrarrevolução.
A América Latina não escapou desta tendência; a crise econômica de 1929 aprofundou o descalabro do modelo de acumulação capitalista e dos Estados liberais da região. Isto gerou um questionamento radical da ordem social predominante, que foi expressa tanto pela direita como pela esquerda. Assim, em vários países e cidades da América Latina, a luta entre o fascismo e a esquerda se replocou, embora em menor escala que na Europa.
Em meio a este contexto, houve um choque de táticas dentro do movimento comunista internacional sobre como enfrentar o fascismo: por um lado, o estalinismo – como parte do giro ultra-esquerdista do terceiro período – se opôs a unidade de ação com as organizações de trabalhadores social-democratas; por outro lado, o trotskismo exigiu frentes únicas antifascistas de todos as correntes de trabalhadores e de esquerda para impedir o surgimento do fascismo. Esta divergência teórica e tática atravessou os principais debates entre os partidos comunistas estalinistas e as seções da Oposição de Esquerda ao longo da década de 1930.
Neste artigo analisaremos o caso do Brasil no biênio 1933-34, quando ocorreu o confronto entre a Frente Única Antifascista (FUA, impulsionada pelo trotskismo e correntes socialistas) e a Ação Integralista Brasileira (AIB), organização inspirada no fascismo italiano e no nacional-socialismo alemão.
O movimento comunista internacional ante o fascismo
A partir de 1929, a Internacional Comunista (Comintern por sua sigla em russo) em sua versão stalinista formulou a teoria do “terceiro período”, segundo a qual o capitalismo passava por uma crise estrutural que se combinava com uma radicalização das massas, para a qual a eclosão de uma nova guerra imperialista era iminente a curto prazo [1].
Molotov foi o porta-voz desta nova caracterização, que expôs nos termos a seguir: “Com base na análise da luta dos trabalhadores nos principais países capitalistas, o Décimo Plenário [do Comintern] afirmou que o processo de giro à esquerda e radicalização das massas está se desenvolvendo e se aprofundando, o que atualmente está começando a atingir a magnitude de um início de recrudescimento revolucionário”. Em face do qual “só um obtuso oportunista, um liberal infeliz, poderia deixar de entender que entramos com os dois pés no reino dos imensos eventos revolucionários de importância internacional” (Citado em Trotsky, O “Terceiro Período” dos erros da Internacional Comunista).
Esta abordagem da situação internacional levou a um giro ultraesquerdista e sectário do estalinismo, baseado no desenvolvimento “inexorável” de revoluções nos países ocidentais. Neste cenário, os partidos comunistas foram chamados a liderar a classe trabalhadora, para o que era necessário lutar contra os partidos socialdemocratas reformista que bloquearam a ação revolucionária do movimento operário, como aconteceu nos primeiros anos da década de 1920 (por exemplo, na Alemanha ou na Hungria). Além disso, a socialdemocracia foi equiparada ao fascismo (o estalinismo o chamou de “social-fascismo”), sob o argumento de que ambas as correntes vigiavam a continuidade do capitalismo, de modo que tinham que ser combatidas igualmente. Assim, o fascismo perdeu toda a especificidade como fenômeno político e foi assumido como uma variante das forças burguesas contrarrevolucionárias.
Stephen Cohen, autor de uma aclamada biografia de Bukharin, resumiu as implicações táticas deste giro do Comintern: “O terceiro período foi redefinido para significar o fim da estabilização capitalista, um aumento da militância proletária, a certeza de situações revolucionárias no Ocidente. Os partidos socialistas, realmente reformistas de maneira geral, foram designados como o principal inimigo – e sua “fascistização” foi dita completa. Através do aprofundamento da eliminação dos moderados do Comintern, os partidos comunistas estrangeiros foram instruídos a romper seus laços com os sindicatos rivais, a dividir o movimento de trabalhadores europeus. Assim começou a infeliz virada do Comintern na direção do extremismo” (Citado em Broué, História da internacional comunista, 619).
Por causa disso, o Comintern recusou-se a formar frentes únicas com outras organizações políticas para enfrentar a ascensão do fascismo, que eles viam como apenas um adversário mais e não entendiam o projeto contrarrevolucionário que encarnava. Em vez disso, o estalinismo propôs formar “frentes únicas pela base” contra a guerra, exigindo a unidade do partido comunista com os militantes da base (não com as lideranças) de outros partidos para desmascarar o caráter contrarrevolucionário da socialdemocracia.
Uma tática que, além de sectária, era inviável, pois a natureza da frente única é a unidade entre diferentes organizações em torno de um objetivo concreto, o que só é possível com um acordo entre as lideranças dos partidos e organizações da classe trabalhadora (embora a frente deva ser consubstanciada pela hierarquia, caso contrário pode se tornar um acordo de aparato de costas para a luta de classes).
Trotsky, na época à frente da Oposição de Esquerda, se opôs a esta tática e defendeu a formação de verdadeiras frentes únicas de todas as organizações de trabalhadores para enfrentar o fascismo e impedir sua ascensão ao poder. Polemizou com a caracterização da social democracia como “social-fascismo”, uma definição que perdeu de vista a base operária daquela corrente e sua necessidade de defender a democracia parlamentar devido a seu caráter reformista, uma contradição que havia que ser aprofundada chamando à unidade dos trabalhadores para confrontar o fascismo com métodos revolucionários e, a partir daí, atrair as bases socialdemocratas para os partidos comunistas: “Para a socialdemocracia, no momento atual a questão se coloca assim: não tanto para defender as bases da sociedade capitalista contra a revolução proletária, mas para defender o sistema burguês semi-parlamentarista contra o fascismo. Não usar este antagonismo seria um enorme disparate” (Trotsky, Revolucion y Fascismo en Alemanha, 108). Caso contrário, o fascismo teria via livre para triunfar na Alemanha, o que representaria uma derrota histórica para o movimento operário mais importante do mundo na época.
O tempo logo provou que Trotsky tinha razão. A orientação do Comintern teve conseqüências terríveis na Alemanha em 1933, porque a divisão entre comunistas e social-democratas abriu o caminho para a ascensão de Hitler ao poder em janeiro [2]. Victor Serge, em seu retrato biográfico-político de Trotsky, delineou o impacto da derrota dos comunistas alemães após o triunfo do nazismo, bem como a forma como a burocracia estalinista tentou ocultar o desastre cometido por Stalin: “No início de 1933, tudo está consumado. Hitler tomou o poder, Thaelman [então líder do PC alemão] está preso para sempre, os comunistas alemães sofrem a mesma perseguição que outros proletários… “Rundschau”, o órgão do Komintern, leva a aberração ao ponto de proibir aos membros do partido qualquer reconhecimento da derrota, porque “a ascensão da onda revolucionária continuará inevitavelmente… A ditadura fascista destrói as ilusões democráticas e liberta as massas da influência social-democrática, acelerando assim a marcha da Alemanha rumo à revolução proletária… Somente ignorantes e idiotas podem pensar em dizer que os comunistas alemães foram derrotados” (Serge, Vida y muerte de León Trotsky, 142).
Esta divergência teórica e tática atravessou os principais debates entre os partidos comunistas estalinistas e as seções da Oposição de Esquerda ao longo da década de 1930, o que nos leva ao caso brasileiro.
A esquerda brasileira ante o ascenso fascista
O antifascismo no Brasil data dos anos 1920, como resultado da chegada de migrantes italianos opostos ao regime de Mussolini (no poder desde 1922). Ao longo daquela década, os socialistas italianos hegemonizaram o movimento antifascista, embora sem alcançar a notoriedade em nível nacional.
Isto mudou na década de 1930 devido à crise do Estado liberal brasileiro, que deu lugar à politização da sociedade, um processo que transcendeu os círculos da oligarquia e vinculou setores da classe trabalhadora, classes médias e intelectuais insatisfeitos com o curso do país. Por esta razão, foi aberto um debate em torno da reorientação do Brasil em meio à convulsiva crise econômica mundial, que teve seu ponto mais alto no biênio 1933-34, quando funcionou a Assembleia Constituinte convocada por Getúlio Vargas (Figueiredo de Castro, A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil, 356-57).
Este contexto levou ao surgimento de correntes políticas radicais de esquerda e de direita. Um caso foi a fundação em São Paulo da Liga Comunista Internacionalista (LCI) em 21 de janeiro de 1931, que tinha entre seus principais líderes Mario Pedrosa, Arístides Lobo e Lívio Xavier. Ela se originou a partir do Grupo Comunista de Lenin, uma corrente de oposição dentro do Partido Comunista do Brasil (PCB) que, a partir de maio de 1930, publicou o jornal A luta de classe. A LCI estava ligada à Oposição de Esquerda Internacional e era a principal seção trotskista latino-americana da época, vindo a liderar a Federação de Trabalhadores Gráficos de São Paulo (com ampla influência sindical e política na cidade), da qual disputava a hegemonia do campo antifascista com o PCB e outras correntes socialistas (Coggiola, Historia del trotskismo en Argentina y América Latina, 412).
Isto se explica pelas particularidades da esquerda na América Latina, onde a correlação de forças na década de 1930 entre os grupos trotskistas e as seções oficiais estalinistas era mais equilibrada do que na Europa, um aspecto analisado pelo historiador Pierre Broué: “A história da oposição de esquerda e da Quarta Internacional na América Latina difere significativamente da europeia por causa de sua pré-história e de um contexto diferente. Foi assim que na América Latina, muitas vezes partes inteiras ou mesmo partidos comunistas, pelo menos frações importantes de seus quadros ou mesmo de suas lideranças, passaram para a Oposição de Esquerda e mais tarde para a 4ª Internacional. Do ponto de vista de seus números, as seções assim constituídas às vezes mantinham comparações vitoriosas com os ‘partidos oficiais’, que na época estavam evidentemente longe do que se poderia chamar de partidos de massa” (Broué, O movimento trotskista na América Latina até 1940, 175).
Mas a radicalização também apresentou desenvolvimentos à direita, como ficou demonstrado em outubro de 1932 com a criação da Ação Integralista Brasileira (AIB), um grupo fascista liderado por Plinio Salgado. Foi fortemente inspirado pelo fascismo italiano[3], que se tornou um modelo para os setores de ultradireita internacionalmente, devido a seu perfil “revolucionário” diante do status quo das democracias burguesas parlamentares e da organização paramilitar dos setores do movimento de massas, como detalhado pelo historiador Emilio Gentile: “…o Partido Fascista foi uma novidade entre as novidades, dadas suas características históricas, sua posição no regime fascista e a prevalência de seu surgimento em comparação com outros partidos únicos da direita radical e nacionalista. De fato, o PNF havia sido o primeiro partido de massas do nacionalismo revolucionário a conquistar o poder dentro de uma democracia parlamentar e a construir um regime sem precedentes em seu gênero, tornando-se assim o fundador de uma linhagem e modelo para outros partidos e regimes, na Europa e também fora da Europa” (Emilio Gentile, La vía italiana al totalitarismo, 73-74). Por esta razão, uma das características distintivas da AIB foi o uso de camisas verdes (uma alusão às camisas pretas de Mussolini), além da ênfase na exibição simbólico-militar característica das atividades fascistas.
Com o surgimento da AIB e a ascensão do nazismo ao poder em janeiro de 1933, a discussão em torno da tática antifascista tornou-se mais importante e a esquerda brasileira replicou os debates levantados em nível internacional, o que resultou no choque de duas concepções teóricas e táticas: “Para PCB o fascismo era, teoricamente, uma questão menor, talvez até contribuindo para promover a luta de classes e, assim, abrir caminho para a guerra civil: ‘quanto pior, melhor’. Para a LC, lutar contra o fascismo era a única saída para a existência da esquerda e para o futuro do socialismo. Isto não significava que o PCB evitava lutar contra os integralistas, pelo contrário. O que aconteceu foi que foi visto como um momento de luta mais geral contra a “reação” (Figueiredo de Castro, A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil, 367).
O PCB aplicou no Brasil as diretrizes do terceiro período do Comintern estalinista, de modo que o fascismo não foi assumido como um fenômeno com sua própria especificidade e, ao contrário, considerou-o um aspecto secundário dentro da situação política, onde a tarefa mais importante era lutar contra a guerra para proteger a URSS. Sob esta lógica, durante 1933-34, o PCB recusou-se a formar uma frente única antifascista com outros partidos e correntes operárias, opôs-se a participar das eleições, chamou a construir sovietes durante as greves e caracterizou que eram dadas as condições para lutar pela tomada do poder.
Desde os primeiros meses de 1933, promoveu a criação de comitês antiguerra em diferentes regiões do país, como foi o caso do “Comitê de Frente Única Antiguerra” em São Paulo ou o “Comitê Frente Única contra a Guerra Imperialista” no Rio de Janeiro, que foram nucleados em um organismo nacional que, por sua vez, fazia parte do “Comitê Mundial de Luta Contra a Guerra”.
Esses comitês foram a implementação da tática de frente única pela base, que se refletiu em um manifesto distribuído em março, onde o PCB convocou a organização de uma conferência nacional contra a guerra, que foi dirigida aos militantes de base das organizações de esquerda (não às suas direções); além disso, os militantes do PCB de São Paulo e do Rio de Janeiro concentraram-se em mostrar o apoio de intelectuais e personalidades políticas à iniciativa (Figueiredo de Castro, A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil, 359-60).
Quanto à LCI, promoveu a construção da FUA, para a qual convocou todas as organizações de trabalhadores e correntes de esquerda, incluindo a PCB (da qual se considerava uma fração interna até 1933), para que a formassem. Isto era consistente com as análises e orientações da Oposição de Esquerda em nível internacional, onde o fascismo não era visto como um fato qualquer, mas como um perigo que ameaçava a própria existência das organizações políticas e sindicais do movimento operário, portanto era necessária a unidade entre as correntes operárias (revolucionárias e reformistas) para enfrentá-lo.
1933: a construção da FUA e suas primeiras ações
O primeiro passo na construção da FUA foi o lançamento do jornal O Homem Livre em 27 de maio de 1933, que se tornou o principal órgão de propaganda antifascista em São Paulo e, como tal, serviu de ponto de encontro para muitas figuras intelectuais e várias correntes políticas (socialistas, anarquistas, trotskistas e até mesmo Pecebistas). Além de contar com um grupo de jornalistas profissionais para o layout e redação de artigos, esteve sob a influência de vários membros da LCI, tornando-se assim uma trincheira de luta ideológica contra o fascismo e contra as orientações sectárias do Comintern desenvolvidas pelo PCB (Figueiredo de Castro, A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil, 359-60).
Em 25 de junho aconteceu a fundação da FUA, em um ato no qual participaram representantes de organizações socialistas, anarquistas, trotskistas e sindicais, entre as quais se encontravam Partido Socialista Brasileiro de São Paulo (PSB paulista), Partido Socialista Italiano (seção paulista), Liga Comunista Internacionalista (LCI), Grêmio Universitário Socialista, Sindicato dos Trabalhadores Gráficos (UTG), Legião Cívica 5 de julho, Bandeira dos Dezoito, Grupo Socialista “Giacomo Matteotti”, Grupo “Italia Libre” e membros de revistas e jornais antifascistas.
Do exposto acima, pode-se ver que a composição da FUA foi muito diversificada e incluiu correntes de trabalhadores provenientes de diferentes tradições políticas, bem como organizações sindicais que deram apoio de base à frente única. Somente o CPB ficou de fora por causa de sua posição contra a tática da frente única. Apesar disso, houve apelos recorrentes para a construção da FUA (particularmente dos militantes da LCI), o que daria frutos mais tarde, quando o Comitê Regional do PCB de São Paulo se distanciou da orientação da direção nacional do PCB e realizou a unidade de ação com a FUA em várias ocasiões (voltaremos a isso mais adiante).
Como se articulou a FUA? De acordo com a análise de Ricardo Figueiredo, os trostkistas da LCI agiram como o “núcleo duro”, enquanto a PSB em São Paulo representou o “núcleo brando”; O resto das organizações girava em torno destas correntes, estabelecendo uma relação que não estava livre de choques ou tensões, como aconteceu com os anarquistas paulistas que se recusaram a aderir formalmente à FUA por causa de seus “princípios libertários” e se posicionaram contra a tática de frente única, embora se declarassem a favor de apoiar ações antifascistas e atuar como sua vanguarda.
A FUA foi concebida como um espaço defensivo ante o avanço dos integralistas, o que condicionou suas formas de resistência: “As táticas antifascistas empregadas pela FUA tinham dois pólos: a propaganda, ou melhor, a contrapropaganda veiculada nas páginas de seu principal veículo de divulgação, O Homem Livre, e a agitação política característica das manifestações e, sobretudo, das contramanifestações” (Figueiredo de Castro, A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil, 370).
Em 14 de julho, a FUA realizou seu primeiro ato público, data escolhida para comemorar a Revolução Francesa e em torno da qual todo o arco de correntes de esquerda pôde se reunir. Depois entrou em inatividade por alguns meses, mas recuperou o dinamismo em setembro e, nesta ocasião, coordenou ações com o Comitê Regional (RC) do PCB São Paulo [4].
Como resultado desta unidade de ação entre a CR de São Paulo e a FUA, três atos públicos foram organizados nos próximos meses. O primeiro ocorreu em 14 de novembro na sede da União das Classes Laboriosas, onde mais de mil pessoas se reuniram; o evento foi atacado por grupos de choque dos integralistas, mas eles não conseguiram dispersar a reunião. Em 15 de dezembro, foi realizada a segunda manifestação, que reuniu mais de dois mil manifestantes e contou com a presença do PCB e do Comitê Antiguerra. A terceira e última atividade unitária foi convocada para 25 de janeiro de 1934, mas não pôde ser realizada devido à repressão da polícia do governo Vargas.
Durante estes meses a relação entre a FUA e o RC paulista foi tensa, o que refletia a luta para hegemonizar a luta antifascista em São Paulo. Além disso, em outubro de 1933, a LCI realizou uma Conferência Nacional Extraordinária onde aceitou a orientação de Trotsky para avançar rumo à fundação da Quarta Internacional, o que significou que as seções da Oposição de Esquerda deixaram de considerar-se oposição interna dos partidos comunistas[5].
Isto levou à ruptura da unidade de ação do CR paulista com a FUA, em grande parte devido à pressão exercida pelo Comitê Central do CPB. No início de 1934 o projeto FUA estava muito enfraquecido, o que foi agravado pelo fechamento do jornal O Homem Livre e pela crise interna do PSB, ante o qual a pequena LCI teve dificuldades para dinamizar a frente única.
1934: polarização política e reorganização do campo antifascista
Este ano, houve uma virada na situação política, quando a Assembleia Constituinte entrou na reta final, o que desencadeou uma forte polarização em torno do projeto de constituição. Este foi o terreno para confrontos diretos entre a AIB e os esquerdistas antifascistas em sua disputa pela arena pública a partir do segundo semestre do ano.
A AIB tomou a ofensiva através de uma campanha de comícios e mobilizações públicas em todo o país. A primeira manifestação ocorreu em 20 de abril, dois dias após a primeira votação da nova constituição, reunindo quatro mil fascistas no Rio de Janeiro; em 24 de junho, houve uma mobilização em São Paulo com a presença de três mil pessoas; em 2 de julho, foi realizada uma terceira manifestação na Bahia com quatrocentas pessoas.
Ao mesmo tempo, desenvolveu-se uma reorganização de forças dentro do arco de forças antifascistas de esquerda. Nessa época, a FUA estava em retrocesso após a ruptura da unidade de ação com o CR paulista e o fechamento do jornal O Homem Livre. Apesar disso, as correntes que promoveram o espaço reorientaram sua colaboração para os campos sindical e eleitoral, o que deu lugar à constituição de duas frentes únicas, a Coalizão dos Sindicatos Proletários e a Coalizão de Esquerda. Desde agosto, se discutia a necessidade de se constituir uma frente de esquerda para as próximas eleições de outubro, o que se materializou com um acordo programático assinado pelo Partido Socialista Proletário do Brasil (PSPB), a LCI e a Coalizão dos Sindicatos Proletários.
Por sua vez, o PCB se recusou a entrar na frente eleitoral como parte de sua política sectária e ultraesquerdista, por isso priorizou a construção dos comitês antiguerra. É importante notar que, em meados de 1934, o PCB realizou sua Primeira Conferência Nacional onde elegeu um novo Comitê Central e reorganizou as forças do partido, pondo um fim à instabilidade interna que havia caracterizado os anos anteriores. Teve até muito peso durante a greve da Cantareira (empresa de transporte marítimo e terrestre do Rio de Janeiro), aspecto que o próprio Presidente Vargas enfatizou em seu diário pessoal em 27 de agosto daquele ano (Figueiredo de Castro, A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil, 373).
Isso, combinado com a inatividade da FUA, permitiu que o CPB entrasse na ofensiva para hegemonizar o campo antifascista. Em 23 de agosto, foi realizado o “Primeiro Congresso Nacional contra a Guerra Imperialista, a Reação e Fascismo”, que culminou com uma marcha de três mil pessoas que foi reprimida pela polícia, com o saldo fatal de Tobias Warshawsky, membro da Federação da Juventude Comunista. Posteriormente, mais duas atividades públicas seriam realizadas: o “Primeiro Congresso Estudantil” contra a Guerra Imperialista em 15 de setembro no Distrito Federal do Rio de Janeiro e, uma semana depois, um comício na Praça da Harmonia, na mesma cidade.
A batalha da Praça de Sé
Outubro de 1934 representou um ponto de viragem na luta antifascista no Brasil. A nova constituição estava prestes a entrar em vigor e as eleições seriam realizadas; ambos os fatores alimentaram a polarização política. Mais importante ainda, a AIB continuou sua campanha de ações para ocupar o espaço público, que gerou uma contrarresposta das forças antifascistas.
No dia 3 de outubro, os integralistas organizaram uma conferência política com seu principal líder, Plínio Salgado, na cidade de Bauru (no interior de São Paulo). Uma hora antes do início da atividade, uma coluna de integralistas chegou ao hotel onde seu líder estava hospedado com o objetivo de marchar até o local da atividade. No caminho, eles receberam muitos insultos antifascistas da população e, em um certo ponto do caminho, a marcha foi atacada com tiros, resultando em um morto e quatro feridos, todos eles integralistas. Um dos principais réus destes eventos foi um candidato da Coligação de Esquerda (Figueiredo de Castro, A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil, 373).
Essa foi uma antecipação do que aconteceria quatro dias depois no centro comercial e financeiro de São Paulo, quando a AIB convocou um grande comício público na Praça da Sé para comemorar um novo aniversário da promulgação do “Manifesto Integralista”. Diante disso, as forças antifascistas decidiram impedir a todo custo que os camisas verdes marchassem pela cidade.
De acordo com Fúlvio Abramo, então líder da LCI, foi uma iniciativa dos trotskistas organizar a contrademonstração, para a qual eles contataram os setores que haviam participado de um ato da FUA no dia 1º de maio anterior [6]. Citamos na íntegra sua reconstrução dos eventos: “Estávamos na sede do Sindicato dos Trabalhadores Gráficos (UGT) (…) quando fomos informados de um comunicado da Ação Integralista chamando para uma manifestação. Medeiros foi o primeiro a reagir: “Não vamos deixar esses malandros dominarem as ruas”. Vamos parar com isso, não importa o que aconteça. Todos o apoiaram. Como secretário da FUA, fui convidado a convocar uma reunião (…) para discutir, concretamente, a proposta de uma contramanifestação, armado se necessário (…) Dois dias depois, agindo rapidamente, todas as organizações que haviam lutado em 1º de maio foram convocadas (…) As decisões importantes foram tomadas rapidamente: todos aprovaram a proposta de realizar uma contramanifestação, concordaram que ela deveria ocorrer no mesmo dia e ao mesmo tempo que a manifestação integralista anunciada; o objetivo era dissolver uma reunião dos Plinianos (seguidores de Plínio Salgado), sem possibilidade de voltar atrás nas decisões; O povo de São Paulo teve que ser esclarecido através de manifestos sobre as razões que justificavam tal posição, já que os integralistas se gabavam de utilizar no Brasil os mesmos métodos de liquidação física de adversários políticos e organizações de oposição que estavam sendo aplicados ferozmente na Alemanha e na Itália. Na medida do possível, cada organização tentaria fornecer os elementos de defesa – um eufemismo para ‘armas’ -necessário para executar as medidas tomadas” (Citado em Barbio, Los trotskistas brasileños de 1930 a 1964: un rescate necesario, 248-49).
Continuando com a versão da Abramo, o PCB também foi convidado a juntar-se à contramanifestação com a FUA, mas recusaram-se a fazer unidade de ação com outras partidos, embora o setor da CR paulista liderado por Sacchetta tenha novamente rompido com a linha da direção nacional e coordenado ações com a FUA.
No dia do evento, os integralistas se reuniram em sua sede na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, onde havia uma coluna de três mil camisas verdes na rua e outros sete mil fascistas dentro do edifício. A Polícia Militar colocou quatrocentos oficiais fortemente armados na praça para evitar altercações contra a concentração, em face da qual os integralistas pensavam que estariam bem protegidos, mas não contavam com a disposição de combate dos grupos antifascistas, que desde o meio-dia estavam posicionados em um dos lados da praça.
Como era de se esperar, o “cara a cara” entre a AIB e os antifascistas logo se transformou em um confronto, inicialmente por meio de ataques verbais, mas, após o disparo de uma metralhadora, deu lugar a uma “pequena” guerra civil. Que Abramo nos leve de volta aos acontecimentos com seu relato vívido: “Os integralistas, recuperados do pânico causado pela descarga da metralhadora, começaram a encher as escadas da catedral. Parecia-me que era hora de começar a contramanifestação. Subi no pedestal de uma coluna e disse algumas breves palavras (…) uma feroz salva de balas foi dirigida ao nosso grupo (…) desci do palco improvisado e me juntei aos camaradas que corriam. Ouvi Mario dizer: ‘Estou ferido’ e ele tropeçou. Eu o agarrei pelo braço com a mão esquerda (…) A batalha continuava ficando cada vez mais forte (era depois das 4 da tarde). As balas vinham de todos os lados, numa confusão incrível. A batalha continuou. Os integralistas têm alguns elementos que não são tão covardes como os descrevemos, mais por animosidade e desprezo (justificado) do que por amor à verdade. Esse grupo continua a atirar e não sai da praça. Finalmente se retira, seguindo pela Rua Senador Feijó até o largo São Francisco (a cerca de quatro quarteirões), enquanto a maioria dos “gloriosos milicianos” fogem a toda velocidade da Praça, em todas as direções e por toda a cidade (…) Foi uma grande fuga que veio a ser chamado a partir de então do ‘revoarr dos galinhas verdes’ (…) Plínio Salgado, que não tirou os pés da sede da Ação Integralista, começou a derramar lágrimas e lamentos a partir daquele momento (…) Uma vez que os integralistas se dispersaram, a Praça da Sé ficou deserta. Foram ‘quatro horas de ditadura do proletariado’” (Citado em Barbio, Los trotskistas brasileños de 1930 a 1964: un rescate necesario, 249).
Para uma organização fascista como a AIB, cujo centro de atividade era desfiles e atos militarizados no estilo do fascismo italiano ou do nazismo alemão, a surra recebida na Praça da Sé representou um forte golpe moral, do qual nunca foi capaz de se recuperar. A AIB sobreviveu por vários anos mais, mas teve que se submeter às exigências da Lei de Segurança Nacional do governo Vargas, perdendo pelo caminho seus atributos “revolucionários” fascistas até se tornar um partido eleitoral de direita autoritário e anticomunista, que renunciou à violenta tomada do poder (Guimarães, La encarnación verde del fascismo).
A experiência da FUA marca o caminho para derrotar Bolsonaro
A FUA representou a implementação da tática de frente unica defendida por Trotsky na década de 1930. Seu sucesso corroborou a importância (e eficácia) da unidade de ação das forças antifascistas para deter a ascensão do fascismo, algo que, se tivesse sido realizado na Alemanha, teria possivelmente impedido a ascensão de Hitler ao poder[7].
Da mesma forma, a batalha da Praça da Sé e os efeitos devastadores que produziu entre as fileiras dos integralistas, demonstraram que a conhecida frase “O fascismo não se discute, se destrói“, não é um slogan vazio de propaganda, pelo contrário, sintetiza o aprendizado do movimento operário e da esquerda diante do desafio histórico encarnado pelo fascismo, cujo objetivo é aniquilar todas as formas de oposição política.
Finalmente, a experiência da FUA (e a batalha da Praça da Sé em particular) é um marco na história do trotskismo brasileiro (e latino-americano), o que demonstra o potencial das organizações de vanguarda para enfrentar a ascensão da extrema-direita com uma política de unidade de ação.
Todas essas lições são de suma importância hoje no Brasil, dado o projeto encarnado pelo Presidente Bolsonaro, que não desiste em suas tentativas de “fechar o regime” (subjugar a institucionalidade democrático-burguesa) e avançar para um governo Bonapartista sustentado pelas forças armadas e pela Polícia Militar, com o objetivo de infligir uma derrota histórica ao movimento operário e popular do país. O assassinato de Mariele Franco (que aponta cada vez mais para o “clã Bolsonaro”) e a política negacionista/genocida do governo diante da pandemia, são uma prévia das perspectivas do Brasil no caso de Bolsonaro permanecer no poder, em vista do qual é necessário lutar nas ruas por sua saída.
Bibliografía
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Notas
1] De acordo com o esquema estalinista, o primeiro período foi o da crise do capitalismo e do recrudescimento revolucionário entre 1917-1924; o segundo período se desenvolveu entre 1925-1928 e foi caracterizado pela estabilização do capitalismo; enquanto o terceiro período representou o fim do capitalismo. Esta formulação foi descartada em 1934, quando a burocracia soviética promoveu as Frentes Populares com os setores “progressistas” da burguesia (neste caso o novo período não foi numerado), submetendo o proletariado à liderança e ao programa desses setores burgueses.
2] Sobre a tática da frente única antifascista na Alemanha, nos referimos ao nosso artigo ” Antifa: por el rescate y relanzamiento de la lucha antifascista”, disponível em www.izquierdaweb.cr.
3] Também foi influenciado pelo nazismo, mas entre seus líderes nunca houve acordo sobre o antisemitismo. Isto motivou uma série de rupturas na AIB entre os setores antisemitas e aqueles que não subscreviam essa posição.
4] O PCB em São Paulo foi dirigido por Herminio Sacchetta, que teve diferenças com a linha política central do PCB e do Comintern, tanto em sua versão ultraesquerda do terceiro período e sua recusa em promover a tática da frente única, como também com a guinada para frentes populares com a “burguesia progressista”. Ele organizou uma oposição interna dentro do PCB e reuniu o apoio de 300 militantes, que romperam com o PCB em 1938 para fundar o Partido Socialista Revolucionário (PSR) que, a partir de 1939, tornou-se a seção oficial da Quarta Internacional no Brasil (Broué, O movimento trotskista na América Latina até 1940, p. 177).
5] Isto se baseou na traição jogada pelo estalinismo na Alemanha que, com suas táticas sectárias contra as frentes únicas, bloqueou a unidade de ação entre socialdemocratas e comunistas para deter a ascensão de Hitler em janeiro de 1933, o que representou uma derrota de dimensões históricas do principal movimento operário do mundo até aquele momento.
6] Em sua pesquisa sobre a FUA, Ricardo Figueiredo trata do debate histórico entre ex-militantes da LCI e do PCB sobre qual setor teve a iniciativa. Nos livros e relatos de autores estalinistas, o papel da FUA foi tornado invisível e o papel da PCB foi ampliado. Em qualquer caso, não há dúvidas sobre a iniciativa que os setores ligados à FUA tiveram no dia 7 de outubro.
7] O que dá mais elementos para medir a traição histórica do estalinismo, um aparato contrarrevolucionário que se encarregou de dividir a classe trabalhadora alemã diante do desafio representado pelo nazismo.
Original publicado em http://izquierdaweb.com/la-experiencia-del-frente-unico-antifascista-en-brasil-1933-34/
Tradução José Roberto Silva
[…] Nós da SoB, por médio de nossa campanha da Bancada Anticapitalista, aproveitaremos as eleições para fazer esse chamado nas faculdades, locais de trabalho e nas ruas, alertando do perigo das provocações golpista de Bolsonaro e a necessidade de impulsionar a luta unificada nas ruas, retomando a experiência da luta antifascista na história do século XX (na qual o Brasil conta com um importante capítulo como foi A experiência da Frente Única Antifascista no Brasil (1933-34)) […]