Empoderamento: De cabeça erguida se luta melhor

“Ninguém vai te dar a educação que você precisa para derrubá-los. Ninguém vai ensinar sua verdadeira história e seus verdadeiros heróis, porque eles sabem que o conhecimento ajudará a libertá-lo. Nós tivemos que aprender que somos lindas. Nós tivemos que reaprender algo tirado com força de nós. Nós tivemos que aprender sobre o poder negro. As pessoas têm poder através da união. Nós aprendemos a importância de nos unir e sermos ativas.” –  Assata Shakur

Nísia Augusta – Vermelhas

Há um poder que oprime e um poder que liberta

O sistema escravagista, além da herança de exclusão social e econômica da população negra, deixou também outros resquícios profundos presentes nas relações interpessoais contemporâneas. Nossa sociedade mantém o legado preconceituoso e eugenista da sociedade escravocrata, que, hoje, na ausência da chibata, reestruturou o aparato de depreciação psicossocial da população negra, em especial das mulheres.

Por isso, o empoderamento, mais que um neologismo — amplamente usado na contemporaneidade, principalmente na literatura feminista — é uma intrínseca relação com o conceito de poder e de estabelecimento do mesmo. Nessa breve nota beberemos na fonte foucaultiana e freiriana para assim removermos os preconceitos sobre a categoria, principalmente, em torno do legítimo e necessário empoderamento da mulher negra.

Durante séculos muitas mulheres foram taxadas como incapazes e pertencentes ao “sexo frágil”, porém, ao mesmo tempo, outras de nós foram totalmente desumanizadas e objetificadas. Tomar posse de poder ou Empoderar-se é olhar para além dessa herança. É buscar entender objetiva e subjetivamente que o racismo e o machismo são estruturas especializadas em forçar assimilações de desprestígio e subalternização. Funcional a essas estruturas, esses mecanismos tentam reduzir mulheres negras ao trabalho unicamente e a subserviência.

Fenômeno parecido ocorre com todas nós, mas são as companheiras negras que historicamente tiveram negado o direito a uma subjetividade ligada a graça ou delicadeza, o que sempre foi incentivado nas mulheres brancas por meio do cavalheirismo burguês. Essa negação imposta pelo capitalismo machista e escravagista é o que permite a perpetuação do racismo, para que a exploração e a opressão operem com uma certa margem de vantagem.

Afinal, mais eficaz do que repetir que uma mulher é imprestável, feia e não-digna de afeto, é fazê-la acreditar nisso.

O empoderamento da mulher negra, antes de qualquer coisa, está ligado ao autopertencimento — um retorno a algo que lhe foi negado. E, neste caso, essa consciência de si também é uma consciência coletiva. O autocuidado e reconhecimento de valor não são fatores menores na luta pela emancipação, seja das mulheres em geral, seja da mulher negra em particular.

Foto: Sophia Costa/Aqruivo Pessoal. Mês da Consciência Negra estimula o empoderamento de mulheres negras, 2019.

É um exercício valioso que não deixa espaço para inferiorização estética ou política. Enfrentar a mentalidade patriarcal e racista não somente sobre uma, mas sobre todas as mulheres em um caminho de autonomia e protagonismo da mulher negra. Ou seja, enfrentar todos os aspectos que nos oprime em geral, e em particular a muitas de nós, é fundamental para a superação do patriarcado.

Uma caminhada corajosa 

O Brasil é o país com maior número de negros fora da África, 54% da população, mas apenas 9% se autodeclara como negra. Assim, é impossível dizer que, para além das limitações do empoderamento estético, essa é sim uma categoria de resistência.

Uma outra expressão disso ocorre na comunidade LGBTQI+, em que 61%, nos trabalhos formais, ocultam sua identidade sexual por temor a represálias, medo de preconceito ou por considerar que seu trabalho pode vir a ser desvalorizado em razão disso. Situação ainda mais agravante a negros pertencentes dessa população. Ou seja, da mesma maneira, não há como ignorar a relevância que essas identidades organizadas, por meio da performance estética e artística, enquanto ato político, exercem em sua luta.

Nenhuma mulher se empodera sozinha

Por outro lado, é importante frisar que tal fortaleza moral, conquistada por meio do empoderamento, não é definitiva e muito menos estável em sua construção. Empoderamento não se exige, se incentiva. E empoderar muitas vezes é dar e receber colo e confiança. Muitas vezes vemos no interior das vivências feministas posturas que acabam por reforçar cobranças machistas de uma resistência que não são razoáveis. E são ainda mais dolorosas quando exercida de mulheres para outras mulheres.

Mais que autoestima, o empoderamento é o reconhecimento da liberdade e do autogoverno, sequestrado historicamente a diversos oprimidos. Esse reconhecimento é negado até hoje aos corpos negros, e que, ao ser recuperado, abre uma janela de possibilidades para emancipação plena, potencializando a luta política pelo fim do machismo, que se expressa não somente pela violência física, mas também pela violência velada e psicológica. Uma vez que o machismo é, dentre muitas coisas, um subjulgamento das capacidades e potencialidades das mulheres, principalmente quando elas andam separadas por sua raça ou por sua classe.

Na sociedade monopolista o poder não é distributivo, ao contrário, é uma ferramenta de controle extremamente desigual, e até, mesmo no interior do próprio feminismo hegemônico e das esquerdas temos que avançar e muito em relações menos verticalizadas.  Empoderar-se estética e politicamente é um passo de fortalecimento importante para se contrapor as opressões sofridas pelo poder de poucos sobre muitos e de diversificadas formas em nossa sociedade.

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