Para derrotar a extrema direita em São Paulo: Tomar as ruas já! Nenhum voto em Nunes e nenhuma confiança na conciliação de classes!
Renato Assad pela direção da corrente Socialismo ou Barbárie
O resultado eleitoral deste último domingo vem concretizando aquilo que nossa corrente Socialismo ou Barbárie apontava: um giro situacional à direita com o refortalecimento da extrema direita como produto direto do fracasso da conciliação de classes, sob o marco de um novo mundo – extraordinário – pautado pelo desequilíbrio, ruptura dos consensos, crises dramáticas em todas as frentes e uma polarização assimétrica.
Uma ruptura com o ordinário
Já há algum tempo afirmamos que estamos diante de uma nova etapa do capitalismo mundial, isto é, de uma mudança de signo qualitativo em relação aos elementos objetivos que condicionam o desenvolvimento histórico. Diárias são as notícias em que nos provam que o futuro já chegou, que aquilo que antes era específico aos filmes hollywoodianos de natureza distópica hoje transformam a ficção em realidade.
Uma variedade de fatos e assuntos de proporções históricas atravessam nossas vidas cotidianamente. A crise cresce a cada minuto no Oriente Médio. O Estado de “Israel”, com suas práticas terroristas e sua ofensiva genocida na Palestina e no Líbano para a construção de um etno-Estado “puro”, conseguiu desencadear uma guerra regional. Estamos ao lado das nações subjugadas contra os Estados opressores sem nos confundir politicamente com seus governos e partidos burgueses. Estamos ao lado dos povos palestino, libanês e iraniano contra o Estado sionista e o imperialismo tradicional. Não apoiamos o regime dos aiatolás no Irã, nem do Hamas ou Hezbollah, mas defendemos o povo iraniano, palestino e libanês contra a barbárie israelense. Em uma guerra entre o Estado de Israel e o Irã, estamos com este último.
A saída desse atoleiro regional é uma Palestina única, secular, livre, não racista e socialista e a unidade dos povos subjugados do Oriente Médio em uma perspectiva independente, multicultural, multirreligiosa, secular e socialista.
A guerra na Ucrânia apresenta uma natureza dupla. Por um lado, é uma guerra justa de libertação nacional do povo ucraniano contra a invasão da Rússia de Putin. Mas também se tornou uma de guerra de procuração entre duas formas distintas de imperialismo, isto é, o imperialismo clássico ou ocidental da OTAN contra o imperialismo militar-territorial em reconstrução russo. Este conflito se aproxima à duração de três anos e não apresenta qualquer perspectiva de cessar, pelo contrário, o rearmamento militar, junto ao perigo nuclear, indica uma progressão bélica à região. A posição dos socialistas revolucionários deve ser pela imediata paz na região sem qualquer anexação territorial por parte de Putin.
O desenvolvimento das forças produtivas, como resultado do conflito entre a distribuição entre os exploradores e explorados, materializam hoje uma processualidade hipercontraditória entre plataformas digitais e a inteligência artificial e uma precarização estrutural e violenta do trabalho pelos quatro pontos cardeais do planeta, que tem promovido a desintegração socioeconômica daqueles que nos referimos como “novo proletariado”.
A crise ecológica que resulta do caráter cada vez mais destrutivo e voraz do alicerce do modelo produtivo capitalista, da sociabilidade do capital, assume uma dimensão catastrófica a nível internacional e redimensiona a luta de classes sob uma nova relação entre campo e cidade. Em nosso país, as últimas semanas deixaram claro que as barreiras entre os problemas urbanos e agrários se diluem por conta da catástrofe climática e a ação criminosa do agronegócio: 80% do território nacional[1] esteve encoberto pelas fumaças das queimadas e 40% da população de Belo Horizonte e São Paulo afirmar ter sua saúde afetada pela devastação do agronegócio[2]. A Amazônia enfrenta sua pior seca da história recente, as ondas de calor são cada vez menos esporádicas e os fenômenos climáticos se potencializam como respostas às atividades antrópicas irracionais.
Essas são algumas das expressões desse novo contexto social, político, econômico e ecológico pelo qual se move a humanidade sob o capitalismo do século XXI. Essa é a face da nova etapa histórica deste modelo socioeconômico do nosso tempo que reafirma a velha máxima de Rosa Luxemburgo: ou o socialismo ou a barbárie capitalista!
“No entanto, esse contexto ‘distópico’, essa ‘era das catástrofes’, tem sua reversibilidade dialética: ele estimula materialmente uma luta de classes mais polarizada e radicalizada, como quando Lênin, no auge da Primeira Guerra Mundial em 1915, anunciou que uma ‘situação revolucionária’ havia se aberto na Europa. O que era revolucionário na situação extremamente bárbara da guerra mundial era que a marcha das pessoas para frente de guerra, arrancando-as violentamente de suas vidas cotidianas, seria um bumerangue para o próprio capitalismo, como aconteceu na Revolução Russa de 1917.” (Sáenz, Roberto. 2024)[3]
Quer dizer, reconhecer que os elementos objetivos da realidade material se aprofundam em dramáticas contradições não significa assumir mecanicamente que estamos diante de uma derrota histórica dos explorados e oprimidos e que o caminho à barbárie social seria inevitável sob o triunfo da extrema direita internacional, muito mais heterogênea, complexa e distinta qualitativamente do fascismo do século XX.
Um dos elementos mais significativos desta nova etapa do capitalismo internacional é, sem dúvidas, a crise estrutural dos regimes democráticos burgueses em que se expressa de maneira mais dinâmica um polo de crescimento da extrema direita a nível internacional, uma força política vitoriosa nas eleições de vários países ou parte significativa do arranjo parlamentar. Isso acontece, centralmente, pela crescente fragmentação em curso dos campos políticos tradicionais, como produto de uma crise estrutural do capitalismo em que as sociedades fazem-se cada vez mais desconformes com os seus respectivos governos: torna-se cada vez mais difícil às representações políticas resolverem os problemas das classes sociais no marco dos consensos democráticos clássicos da ordem democrático-burguesa. Por isso, “o sistema partidário tradicional tende a entrar em colapso e o que emerge é um “arco-íris” de formações políticas, em muitos casos com pouca ancoragem orgânica”[4] (Sáenz, Roberto, 2024).
É evidente que a extrema direita hoje é uma força política do enquadramento global, um setor consolidado, em ascensão ou que se refortalece em países como Alemanha, Áustria, Argentina, Estados Unidos, “Israel”, Argentina, Brasil, Hungria, Polônia e etc. Logo, subestimá-la de maneira facilista (uma das faces do impressionismo analítico e produto de uma militância empírica de natureza objetivista e economicista), como fazem alguns setores do trotskismo independente como PSTU e MRT, nos desarmaria para um enfrentamento de classes de natureza homérica que temos pela frente. Um enfrentamento que se deve munir, imprescindivelmente, com tudo que há de mais coerente e consequente do arsenal tático e estratégico da tradição do movimento operário.
Por outro lado, superestimar a força dos nossos inimigos (a outra face de natureza derrotista do impressionismo), como têm feito as correntes internas do PSOL, MES e Resistência (dois oportunismos distintos, mas complementares entre si), é perder de vista a possibilidade dialética da reversibilidade da correlação de forças no terreno da luta de classes. É, em última instância, entregar de bandeja a virtude e a grandeza aos nossos inimigos de classe; é, sob a capitulação oportunista diante da ameaça “fascista”, negar as lições históricas do marxismo revolucionário do passado, desconsiderar a responsabilidade e o fracasso da conciliação de classes no combate à extrema direita, e, portanto, abrir mão de uma possibilidade estratégica de vitória.
Assim sendo, a conjuntura internacional segue girada à direita. Trata-se de uma conjuntura reacionária regulada por uma policrise permanente, mas que por assumir um método cada vez mais violento e provocativo, também permanente, de se fazer política, certamente fará explodir as bases sociais exploradas e oprimidas em defesa dos seus direitos. Que teremos uma erupção social não temos dúvidas, o que resta saber é quando e como e, assim, a tarefa central colocada aos socialistas revolucionários é o de preparar as suas e militância para essa futura e provável explosão social dos de baixo.
O fracasso da conciliação de classes
A vitória eleitoral de Lula-Alckmin em 2022 certamente foi importantíssima para a defesa das liberdades democráticas dos trabalhadores, à liberdade de pensamento, reunião, associação sindical e imprensa sem as restrições que almejava impor o bolsonarismo e sua intenção bonapartista. Isto é, se fosse reeleito para um segundo mandato iria desferir ataques ainda mais contundentes aos direitos democráticos, tendência que vemos em casos de reeleição da extrema direita em vários países.
Contudo, ao limitar-se exclusivamente ao plano eleitoral, vendida a falsa ilusão de normalização do regime democrático burguês com Lula 3 e a possibilidade de disputar e empurrar a frente amplíssima para a esquerda (como diz ser possível o PSOL), a extrema direita mostra nessas eleições municipais que caminha a passos largos para a reversão de sua posição defensiva.
O atual governo liberal-social de Lula-Alckmin, uma coalizão de tentativa de normalização do regime, encontra-se hoje numa situação política desfavorável. Uma situação constituída organicamente pela própria natureza de classe burguesa da frente ampla à medida que governa exclusivamente com representantes da classe dominante e no marco exclusivo das instituições burguesas, assim como pelas condições materiais do quadro internacional do capitalismo que não permitem mascarar o antagonismo entre as classes sociais a partir da conciliação de classes como fazia o velho lulismo quando as condições políticas e econômicas eram mais favoráveis. Por isso a inversão entre os fatores liberais e sociais em que predomina categoricamente o primeiro sobre o segundo e a consolidação do Partido dos Trabalhadores como um partido burguês-operário e não mais operário-burguês há algum tempo.
Mas mesmo com essa inversão de polaridade entre classes do PT e com um governo que deixa de se social-liberal para tornar-se liberal-social, parte importante da classe dominante apoia cada vez mais o bolsonarismo para garantir os seus interesses e uma acumulação vinculada ao extrativismo devastador do agronegócio e da mineração. Toda essa situação faz o lulismo perder base entre os mais pobres, entre os donos do capital graúdo e as velhas oligarquias. Essa erosão em sua base social subproletária e entre a classe dominante acaba por ter forte influência na correlação de forças que vem crescendo favoravelmente à extrema direita.
Eleito por uma margem mínima de 1,8% em 2022, diferença que caiu mais de cinco pontos percentuais entre turnos, o governo teve de assistir uma sólida votação da extrema direita pelo país: o PL de Bolsonaro elegeu 99 deputados federais e venceu nos governos estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Goiás. Já o Centrão (uma direita fisiológica clássica, mas que atuou como base política durante o governo Bolsonaro) se saiu extremamente bem com 235 deputados eleitos, a maior bancada do parlamento e que hoje controla mais de um terço do total de emendas ao orçamento (48 bilhões de reais) que foram utilizadas para financiamento de obras em municípios durante este ano eleitoral e que refletem diretamente nos resultados desse último domingo (6): uma eleição muito pautada pelo orçamento secreto.
Outra conquista importante para esse setor veio em forma de presente do atual governo ao submeter a Caixa Econômica Federal ao controle dos três maiores partidos que compõem o Centrão: o Progressistas, do deputado Arthur Lira e do senador Ciro Nogueira; o Liberal, de Valdemar Costa Neto e, o Republicanos, chefiado pelo deputado Marcos Pereira e vinculado à Igreja Universal. Órgão pelo qual se opera a maior parte do fluxo das emendas ao orçamento federal.
Em relação ao Partido dos Trabalhadores e demais partidos da base do governo federal, não conseguiram atingir sequer 17% das cadeiras no Congresso, situação extremamente distinta do primeiro mandato de Lula em que sua base de apoio no Congresso chegava dos 75%. Apoio que incluía inclusive partidos que hoje estão na oposição ou diretamente vinculados à extrema direita bolsonarista como Temer e Ricardo Nunes (ambos do MDB), este que, hoje é o franco favorito para a prefeitura de São Paulo, fora base da prefeitura de Haddad enquanto um medíocre vereador. Desse modo, a derrota do bolsonarismo em 2022 significou uma vitória parcial do lulismo até mesmo na circunscrição eleitoral, um reflexo, ainda que distorcido, de uma das marcas dessa nova etapa histórica em que a extrema direita se mostra extremamente dinâmica e resiliente.
No que diz respeito à política de Lula 3, o que se vê é uma espécie de continuidade da agenda de aceno de Dilma à burguesia em 2015/16, como forma de mostrar compromisso com os interesses da classe dominante diante da crise internacional aberta em 2008 e tentativa de evitar o seu impeachment, com uma brutal política de austeridade fiscal (o investimento em programas sociais foi reduzido em 87%). O atual governo não só legitima as contrarreformas impostas sob a mão de ferro de Temer e posteriormente de Bolsonaro, mas as atualiza e as complementam com novos ataques que massacram os trabalhadores e trabalhadoras como foi o recente corte de quase 500 mil cadastros do BPC (Benefício de Prestação Continuada) para cumprir a meta fiscal do novo teto de gastos.
Fica, então, transparente a posição consciente do governo em assumir como prioridade a questão econômica e deixando todas as bandeiras democráticas (a questão de “costumes” como dizem os reacionários) para que legislem sobre elas a direita e a extrema direita pelo parlamento. Um cálculo inconsequente feito pela esquerda da ordem que nos demonstra algo simples, contudo profundo: a ideia da garantia de que uma administração dos negócios e lucros da burguesia consolidará uma estável governabilidade e servirá como antídoto à volta da extrema direita. Uma lógica que reconhece exclusivamente como sujeito político a própria burguesia, e o que resta é mostrar um bom serviço à mesma: ao verdadeiro chefe. Um exemplo do abandono de qualquer perspectiva democrática e progressiva, que tem suma relevância no campo da correlação de forças com a extrema direita, se expressa quando o PT liberou a sua base para votar favorável ao PL que equipara o aborto a homicídio.
Há, contudo, outro elemento central que contribui à reabilitação da extrema direita e a vitória categórica da direita nessas eleições: a contenção consciente da mobilização social pelo lulismo e suas representações sindicais, estudantis e sociais. A frente ampla de Lula-Alckmin e todas as direções políticas e sindicais submetidas ao governo apostam exclusivamente no enfrentamento eleitoral à extrema direita, basta ver o papel ridículo que cumpriu a UNE (União Nacional dos Estudantes) no dia do estudante, sujeitando-se ao papel de “conselheira fiscal” do governo e exigindo a redução da taxa de juros, quando o governo mantém uma meta inflacionária extremamente restritiva de 3% ao ano.
Mais ainda, o próprio indicado ao Banco Central por Lula defende justamente o contrário à redução de juros e, o que é mais grave, cumprir esse papel ridículo e traidor diante da necessidade de derrotar o Novo Ensino Médio que empurra a juventude trabalhadora para o mercado precário de trabalho. A isso soma-se a urgente necessidade de enfrentar o novo teto de gastos, chamado de “Arcabouço Fiscal”, que restringe o investimento público em setores essenciais aos trabalhadores como educação e saúde para manter o pagamento corrente da dívida pública brasileira com banqueiros e empresários – montante que consome quase 50% do orçamento nacional.
Recentemente, a catástrofe climática no país apontou de maneira pedagógica não só a natureza destrutiva do capitalismo deste século, mas como a conciliação de classes fortalece a burguesia agropecuária e os seus crimes contra o meio natural, os povos originários e os trabalhadores. O governo Lula-Alckmin construiu nada menos que o maior Plano Safra da história do Brasil, foram destinados mais de R$ 400 bilhões para os latifundiários ecocidas e, como se não bastasse, um repasse emergencial de R$ 6,5 bilhões de verba emergencial para os mesmos diante das queimadas que o próprio setor agraciado promoveu. A reforma agrária e a demarcação das terras indígenas não aparecem nem mais nos discursos, tornou-se algo oposto pelo vértice do lulismo contemporâneo.
Estes são alguns elementos que demonstram o fracasso da conciliação de classes e a responsabilidade que a frente ampla e os partido que capitulam a ela, como o PSOL, possui no refortalecimento da extrema direita a nível nacional que junto ao Centrão nadaram de braçadas nessa disputa eleitoral municipal trazendo uma nova e perigosa onda nacional de direita. Vejamos alguns dados:
- Dos quase 5.600 municípios brasileiros em disputa nessas eleições, a direita e a extrema direita venceram em 4.051 deles. Ou seja, antes mesmo do segundo turno, já assumem para 2025 a direção política de aproximadamente 72% das cidades brasileiras.
- O PL de Bolsonaro passou de 345 prefeituras para 523, ainda que metade das prefeituras pretendidas por Bolsonaro e Waldemar da Costa Neto.
- O PL também foi o grande vencedor nas cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes: foram 10 prefeitos eleitos já no primeiro turno e 23 para a disputa em segunda volta.
- Das 26 capitais brasileiras o PL venceu já no primeiro turno em duas delas (Rio Branco e Maceió). PSD, PP (dois partidos também da direita conservadora) e o PL disputam outras nove das 15 capitais que terão segundo turno. Por outro lado, o PT que não ganhou em nenhuma, vai para o segundo turno em apenas quatro capitais (todas em segundo lugar) e pode repetir o fracasso de 2020 ao não eleger um prefeito sequer entre as 26 capitais.
- Já nas cidades com mais de 200 mil habitantes, o Partido dos Trabalhadores vai ao segundo turno apenas em nove dos 52 municípios que terão confronto direto.
- O PSOL perdeu de maneira vexatória e por mérito próprio a única capital que governava: Belém. Edmilson Rodrigues e o PSOL pagaram caro pelo governo burguês que levaram a diante e foram massacrados eleitoralmente pelo Centrão e pela extrema direita.
Partindo do pressuposto de que as eleições são um reflexo da realidade, no que pese as distorções entre ambas as esferas, os dados apresentados acima reforçam, mais uma vez, o fracasso da conciliação de classes no enfrentamento à extrema direita ou na consolidação de um “cordão sanitário” de isolamento a esse setor, uma divisão mecânica e etapista entre os nossos desafios táticos e estratégicos, como dizem os reformistas europeus e repetem correntes como MES e Resistência, cada qual com seu malabarismo semântico de natureza oportunista.
Um fracasso esse que está permitindo a recuperação de Bolsonaro e do bolsonarismo e criando condições para que o Congresso Nacional vote a anistia dos golpistas do 8 de janeiro anexando a reversão da inelegibilidade de Bolsonaro – fatores que permitiriam uma importante mudança na correlação de forças nacional.
Valério Arcary, dirigente do PSOL, afirmou recentemente em uma nota sobre conjuntura nacional[5] que não há espaço hoje para disputar uma posição antissistema por esquerda ao governo que constitua uma oposição consequente por parte dos socialistas. Assumir tal posição seria, segundo o próprio, que hoje não é mais um teórico da revolução permanente, mas sim da revolução passiva, “retroceder ao propagandismo”. Para ele, a esquerda socialista deve “acompanhar, com paciência revolucionária, o movimento real de resistência ao neofascismo”.
Esse “acompanhamento” quase que contemplativo da realidade, como quem assiste a um filme e limita-se ao papel de comentador, transformou sua organização em uma ferramenta exclusivamente eleitoreira com programas rebaixados que assume justamente o contrário das aspirações que apresenta Arcary: uma natureza estéril no combate ao “neofascismo”.
Já a “paciência revolucionária” não é nada mais que um sofisma para a capitulação escancarada ao lulismo e à conciliação de classes. Ora, tenhamos paciência diante dos ataques liberais do atual governo, das suas alianças com a direita e extrema direita, são todas medidas necessárias para defender a democracia e isolar a extrema direita! Pois bem, não é o que mostram os resultados eleitorais…
Arcary afirma que diante de uma situação “ultradefensiva” (de terra arrasada) em que estaríamos não haveria terreno de atuação para a esquerda socialista por fora daquilo que equivocadamente chama de “interior de espaços de Frente Única”. De duas, uma: ou Valério tem uma compreensão insuficiente sobre essa ferramenta tática da tradição do marxismo revolucionário ou faz a realidade se adequar à sua linha política e caprichos. Parece-nos que a segunda opção é a mais factível, uma vez que não há como não recordar que o mesmo se utilizou de um argumento completamente falso que afirmava que não se poderia fazer campanha para Lula em 2022 se o PSOL não compusesse a frente ampla.
A verdade é que não existem “espaços de Frente Única” com o governo Lula-Alckmin, pois estes espaços se constroem com organizações de massa do movimento social, popular e estudantil. A única coisa que existe é uma frente ampla com a burguesia, inclusive com partidos de direita que fazem campanha para Ricardo Nunes, que arrastam consigo setores desorientados da esquerda outrora socialista e que tentam provar-se como tratamento efetivo a um sistema cronicamente adoecido. Nada, além disso.
A posição de Valério Arcary é uma defesa escancarada e equivocada de uma suposta necessidade de enfrentar a extrema direita dissociando o plano eleitoral do plano da luta de classes, elemento que tem permitido o fortalecimento da extrema direita. E, agora, diante dos resultados eleitorais, não poderia ficar mais claro que o problema não reside em “moderar” o discurso para se apresentar de uma forma mais “agradável” aos chefes da democracia burguesa para que optem estes pelos verdadeiros defensores da democracia e isolem os ultrarreacionários. Pelo contrário, o problema era (e segue sendo!) como tirar lições dos resultados eleitorais capazes de nos armar diante das ameaças reais da extrema direita e voltar a associá-las ao terreno que tem a palavra final sobre a história: o terreno da luta de classes detentor da última palavra sobre a correlação de forças sociais e políticas. Caso contrário, não faremos nada mais do que aceitar passivamente a virtude de nosso inimigo, perdendo de vista não só a dimensão do fracasso da conciliação de classes, mas da capacidade dialética de reversibilidade estratégica da situação política nacional e internacional.
Assim sendo, a conciliação de classes da esquerda da ordem (PT e PSOL), ao enquadrar exclusivamente a luta contra a extrema direita ao terreno eleitoral, acaba por encaminhar a sobreposição dos elementos políticos e sociais mais atrasados sobre os mais progressivos, em que o voto da vanguarda se dissolve no da massa. Para resolver o problema da correlação de forças com a extrema direita e, simultaneamente, os problemas imediatos e históricos da classe trabalhadora, a luta deve necessariamente partir do elemento mais avançado: a luta de classes. Ao disputar a luta direta entre as classes sociais ocorre o contrário do anterior: a vanguarda se destaca e arrasta consigo as massas, uma verdade tão elementar que é conscientemente negada pelo PT e pelo PSOL.
Portanto, diante de um giro situacional à direita com uma verdadeira surra do Centrão (partidos de direita reacionários que emergem da Ditadura Militar), chamamos taticamente ao voto nulo em todas as capitais nacionais em que o confronto acontece entre partidos da direita e extrema direita. Já nas capitais em que a esquerda da ordem com o PT ou PSOL vai ao segundo turno, chamamos a não votarem na direita ou extrema direita. Tal posição deve ser compreendida a partir de uma natureza tática e, sendo assim, os desafios políticos de enfrentamento à direita e extrema direita devem ser encarados pela mobilização independente pelas ruas que defendam medidas anticapitalistas em defesa dos interesses das massas exploradas e oprimidas, a começar por construir um unitário e consequente calendário contra as queimadas do agronegócio, pela reforma agrária, contra o Marco Temporal e pela ruptura imediata de todas as relações do estado brasileiro com o etno-Estado sionista de “Israel”.
As eleições em São Paulo
Um primeiro elemento a se destacar nesse processo é que a direita e a extrema direita fizeram uma campanha à ofensiva, ditaram o temário político de cabo a rabo. É algo que se reflete nos números: uma vitória parcial de Ricardo Nunes (MDB) com 29,49% contra 29,05% de Guilherme Boulos (PSOL), seguidos por Marçal (PRTB) com 28,14%, Tabata Amaral (PSB) em 9,91%; Datena (PSDB) atingindo míseros 1,84% e demonstrando a falência do PSDB (outrora principal força da capital paulista e do estado), e Altino Prazers (PSTU) com 0,05% numa campanha fragmentada e diluída por conta da dissolução do Polo Socialista e Revolucionário entre a esquerda independente, muito aquém do que poderia haver sido.
No que pese que Pablo Marçal não tenha ido para o segundo turno por uma margem muito estreita de votos, essa figura nefasta, uma expressão peculiar do bolsonarismo e, ao mesmo tempo, independente do mesmo, já se mostrou vitorioso ao se consolidar como uma nova figura da extrema direita nacional. Certamente será parte do cenário político para o próximo período, isso é inegável.
Já Ricardo Nunes foi extremamente eficiente. Utilizando todo o maquinário público e o apoio envergonhado e volátil de Bolsonaro (Tarcísio de Freitas foi o seu verdadeiro padrinho político), que terminou por dividir os votos da extrema direita e demonstrar a força de Marçal (expressão importante do fortalecimento da extrema direita em uma cidade que Lula ganhou de Bolsonaro), nos indica que está em uma posição muito favorável para vencer o segundo turno. Tal projeção reside no fracasso de outra expressão da conciliação de classes: Guilherme Boulos e seu partido, o PSOL.
Vejamos algumas mudanças em relação ao programa de Boulos para 2020 e o de agora que indicam esse fracasso. O candidato defendia algumas medidas progressivas como a criação de um “Fundo Municipal de Políticas de Combate ao Racismo”; o aumento do ISS (Imposto sobre Serviços) para empresas e instituições financeiras; aumento do IPTU para bairros nobres; “uma reforma tributária, baseada na proporcionalidade e na progressividade da cobrança de impostos”[6]; a criação de uma lista suja do machismo para empresas que pagam menos para mulheres; a imposição de um teto à porcentagem retida pelas empresas de aplicativos dos seus trabalhadores e taxação das mesmas para a criação de um fundo de direitos e seguridade dos trabalhadores plataformizados; a “garantia de direitos trabalhistas aos motoristas explorados por empresas que, por sua vez, utilizam a cidade e seu viário como capital para seu negócio e devem aumentar a sua contribuição para sua manutenção”[7]; a criação de um piso mínimo remuneratório para motoristas e entregadores de aplicativos; a criação da Tarifa Zero nos transportes a começar imediatamente aos estudantes e desempregados, etc.
Hoje a campanha de Guilherme Boulos, tendo Marta Suplicy como vice (ex-secretária de Relações Internacionais da prefeitura de Ricardo Nunes), se apresenta com um programa burguês de ponta a ponta. Desaparecidas as medidas acima citadas, Boulos e o PSOL apostam em um giro à direita, na mesma linha de Valério Arcary e também, de maneira camuflada, do MES, para vencer a corrida municipal.
Endossando de maneira repetitiva nos debates, Boulos indicou quais seriam os seus trunfos programáticos: a duplicação do contingente da Guarda Civil Metropolitana (medida defendida também por Marçal e Nunes); a insuficiente revisão dos contratos com as empresas de transporte e não a ruptura e estatização para garantir a Tarifa Zero; a redução do ISS para empresas de telemarketing para geração de empregos nas periferias; a criação de pontos de apoio para entregadores de aplicativos sem qualquer medida efetiva que mude as condições de trabalho e remuneração da categoria; nenhuma política de desapropriação (muito menos expropriação) de imóveis ociosos para garantir moradia popular efetiva e enfrentar a especulação imobiliária; propõe um Poupa Tempo da saúde sem romper com as parcerias público-privadas com as OSS (Organizações Sociais de Saúdes) e sem abertura de concursos imediatos para trabalhadores da saúde; etc.
No que pese que em um primeiro momento possa parecer efetiva a tática de ir à direita, que fez Boulos crescer aproximadamente 9% em relação ao primeiro turno de 2020, para apresentar-se de maneira mais palatável, sobretudo, para a burguesia paulistana, as projeções apontam que para o segundo turno Ricardo Nunes tende a vencer com imensa tranquilidade Boulos, que teria menor porcentagem de votos que no segundo turno de 2020.
Aqui há a necessidade de levantar uma outra questão: as consequências de uma vitória eleitoral de Boulos com um programa e métodos da burguesia. Em Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL) governou a cidade nos últimos 4 anos e sequer foi para o segundo turno nestas eleições, perdendo categoricamente para o Centrão e para a extrema direita. Numa gestão que atacou abertamente os servidores municipais, sobretudo os professores, Edmilson deu uma pedagógica demonstração de como a adaptação ao jogo dos poderosos, abrindo mão do desafio de fazer das instituições políticas um ponto de apoio à mobilização pelas ruas em defesa de medidas anticapitalistas, leva à desmoralização e abre caminho para extrema direita, sobretudo diante da nova etapa extraordinária do capitalismo internacional. Mais ainda, que sobrepor de maneira abstrata a defesa da democracia dos ricos sem apresentar medidas efetivas que melhorem a qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, medidas que exigem um enfrentamento à ordem burguesa, se dissipam no ar e não contribuem em nada para a politização classista dos explorados e oprimidos.
Não à toa Boulos não emplaca entre os setores mais pobres da cidade, entre aqueles que ganham dois salários mínimos, setor que se definiu majoritariamente no primeiro turno por Nunes e Marçal e que irá definir as eleições na segunda volta, dia 27/10. A periferia de São Paulo que rejeitou Bolsonaro em 2022 não abraça hoje Boulos e sua campanha estática. Não nos parece coincidência que a campanha de Boulos tenha sido derrotada pela a direita e a extrema direita em bairros como Grajaú, Parelheiros e Brasilândia, lugares em que o candidato promete gerar empregos ultraprecarizados com a redução de ISS para que empresas de telemarketing se instalem nessas regiões.
Nesse sentido, não queremos de maneira irresponsável equiparar Boulos a Nunes, mas chamar à atenção de que a capitulação política à conciliação de classes leva, inevitavelmente, pelos próprios fundamentos da sociedade como prova a história, para derrotas eleitorais com consequências gravíssimas na luta de classes que justificam tais posições de capitulação. Uma espécie de paradoxo dialético da luta de classes.
Por último, entendemos que para vencer a extrema direita em São Paulo, cidade chave para o arranjo político nacional e que certamente indica as principais tendências para as eleições presidenciais de 2026, é necessário apresentar medidas anticapitalistas que dialoguem com os trabalhadores e que tenham a capacidade efetiva de levar à mobilização de rua, fator decisivo para derrotar Nunes, Tarcísio e Bolsonaro no segundo turno em São Paulo, expondo a podridão da atual ordem social, política e econômica. Caso contrário, não faremos nada além de preparar a vitória da extrema direita que faz política por cima e por baixo: pelo parlamento e pelas ruas.
Sabemos que esta não é a posição de Boulos e nem do PSOL e PT, infelizmente, e que com isso se forja um cenário assimétrico que dá poucas possibilidades de derrotar Nunes. Para derrotar a extrema direita é necessário romper com a lógica social democrata de separar a luta direta da política eleitoral. Não a derrotaremos apenas com declarações de voto (por mais crítico que se apresente), principalmente considerando que uma candidatura de conciliação de classes irá enfrentar a extrema direita no segundo turno em São Paulo. Para derrotar a extrema direita neste segundo turno será necessário ligar o voto à luta imediata pelas ruas. É necessário convocar de maneira unitária à mobilização para resolver os problemas dos explorados e oprimidos sob um programa anticapitalista que garanta medidas como o Passe Livre, a expropriação para fins de moradia popular dos imóveis destinados à especulação imobiliária, do direito à saúde pública através do fim das parceiras público-privadas, e etc., tudo isso taxando o grande capital.
É essa a exigência que toda a vanguarda que quer derrotar o bolsonarismo em São Paulo tem que fazer a Boulos e à sua candidatura. Assim, nossa posição é a de nenhum voto em Nunes no segundo turno, garantindo a liberdade de voto para derrotar a extrema direita. Mas isso não bastará! É preciso chamar todo o movimento social à luta direta. Do contrário, a possibilidade da extrema direita continuar governando São Paulo de forma ainda mais reacionária é enorme. Dessa forma, a Corrente Socialismo ou Barbárie e a Juventude Já Basta! declaram: Para derrotar a extrema direita em São Paulo: Tomar as ruas já! Nenhum voto em Nunes e nenhuma confiança na conciliação de classes!
[1] https://gizmodo.uol.com.br/fumaca-de-queimadas-se-espalha-e-ja-cobre-80-do-brasil/
[2] https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/09/25/datafolha-saude-queimadas.ghtml
[3] https://izquierdaweb.com/hacia-una-nueva-era-de-los-extremos/#_ftnref2
[4] https://esquerdaweb.com/a-crise-da-democracia-burguesa/
[5] https://esquerdaonline.com.br/2024/09/09/analise-de-conjuntura/
[6] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/10/15/guilherme-boulos-plano-de-governo-prefeitura-sp.htm
[7] Idem.
[…] recente editorial, publicamos a posição da Corrente Socialismo ou Barbárie e da Juventude Já Basta! diante do […]
[…] Eleições municipais: vitória da direita, reabilitação da extrema direita e o fracasso da concil…, por Renato Assad (direção nacional da Corrente Socialismo ou Barbárie) […]