Em uma conjuntura marcada pelo golpismo da ultradireita, a barbárie da violência policial e o fracasso do governo Lula-Alckmin, que avança à direita com sua agenda de ataques, as lutas voltam à cena em uma janela chave para atrair as multidões para as ruas e reverter a correlação de forças em favor dos de baixo. As eleições do Centro Acadêmico da Letras (CAELL) e de outros CAs atestam a derrota das forças da conciliação de classes no interior da vanguarda estudantil. Como ala esquerda do governismo no ME, a direção do DCE Livre da USP, formado pelas Juventudes do PSOL e Correnteza/UP, faz como quer a reitoria: abandona os espaços de base, desarticula as lutas e deixa nossos inimigos livres na área. Por outro lado, a combinação entre economicismo e sectarismo, um mal do qual sofrem os setores da esquerda independente como Rebeldia/PSTU e Faísca/MRT, representa um obstáculo para enfrentar a extrema direita e conformar um novo polo de lutas que faça as ruas virarem à esquerda.

PEDRO CINTRA

Estudante de Letras e Dirigente da Juventude Já Basta!

Ao final de mais um ano letivo na FFLCH, realizaram-se as eleições para os centros acadêmicos. Em teoria, processos democráticos que devem servir ao debate de ideias e à construção de sínteses sobre a duríssima realidade que encaramos. Ao final da história, nestas eleições nenhuma destas tarefas acabou por se cumprir. Assistimos no lugar disputas desconectadas dos desafios políticos que temos para mobilizar es estudantes e organizar as lutas. Ao lado disso, é preciso assinalar que o preocupante avanço de métodos antidemocráticos e o afastamento da base dos debates políticos representam um grave sinal de alerta que precisa ser encarado com seriedade por todo o conjunto do movimento estudantil organizado. 

Até porque não vivemos qualquer momento político, abriu-se uma nova conjuntura mais progressiva com elementos-chave como a luta pelo fim da escala 6×1 e o escancaramento da trama militar golpista de Bolsonaro com a prisão do general Braga Netto, o primeiro quatro estrelas do exército a ir para cadeira desde 1964. Essa é uma janela de possibilidade para a mobilização que superou pela esquerda a vitória da direita e da extrema direita nas eleições municipais, colocou o clã Bolsonaro e a ultradireita contra as cordas e impulsionou greves como a dos trabalhadores da Pepsico contra a escala 6×1. [1] 

Como se expressou nas eleições municipais, o fracasso da conciliação de classe em combater o bolsonarismo sob o Lula 3 e o aquecimento das lutas apontam para o próximo período disputas que colocarão à prova as direções burocráticas dos movimentos estudantis e sindicais frente a experiência da vanguarda com o lulismo de volta à presidência. Dentro deste cenário, o objetivo, portanto, deste texto é traçar um panorama sobre estas eleições que busque refletir sobre as tendências da luta para apontar as perspectivas que nós da Juventude Já Basta! consideramos centrais para fazer o movimento estudantil entrar em cena nas lutas do próximo período e retomar seu protagonismo histórico. 

Nesse sentido, parece-nos que partir da análise da eleição do curso de Letras é o mais apropriado. Longe de qualquer clubismo, a Letras é historicamente um importante centro político da luta estudantil, um curso que sempre abrigou um setor de vanguarda das lutas uspianas pela sua composição social mais negra, feminina e trabalhadora e, também, sua tradição política trotskista. Não por acaso, a Letras forjou um polo estudantil de ativismo e independência de classe que hoje está à esquerda no espectro político do movimento estudantil. Desta forma, é um setor chave para o desenrolar das lutas da juventude no próximo período.

Letras: um polo de luta independente na USP

No curso de Letras, as eleições, em que pese sua adesão aquém por parte da ampla maioria des estudantes, revelaram uma nova geografia política do curso. 

Ao final do pleito, mantém-se à frente do CAELL a direção do Rebeldia/PSTU em uma chapa que agora também abriga a UJC/PCBR. Sob o novo nome de “Movimento Lá”, a chapa da situação, a quatro anos em uma gestão que já manifesta seus limites políticos, obteve um total de 280 votos (52%). Na segunda posição, desponta a chapa “A Poesia Está nas Ruas”, com 164 votos (31%). Formada pela Juventude Já Basta/SoB, a Faísca/MRT e dezenas de estudantes não organizades, essa frente pela unidade da esquerda socialista, apesar do sectarismo e da contra-campanha despolitizante, consolidou-se e se referendou como um importante campo de organização da vanguarda do curso. Em terceiro, com 63 votos (12%), ficou a chapa do Correnteza/UP, setor estalinista da coalizão governista que dirige o ME da USP. 

Para nós do Já Basta!, em que pese os limites que têm os processos eleitorais para processar as tendências políticas, o resultado das urnas refletiram alguns importantes elementos: 

Em primeiro lugar, os limites estratégicos e as inconsequências metodológicas do Rebeldia/PSTU que aposta em sua hegemonia através do vale tudo contra as demais forças do campo da esquerda independente, uma postura irresponsável que desconsidera que estamos em uma conjuntura que exige a construção de frentes políticas entre nós. Esse é um processo que se decanta desde a experiência da greve do ano passado e com o desgaste da política isolacionista e sindicalista que levam  es companheires no CAELL. 

Em segundo, a crise da direção do DCE Livre da USP formada pela aliança oportunista-estalinista de PSOL/UP. Essa é uma crônica de uma tragédia anunciada pelo seu imobilismo e burocratismo frente à base e às lutas que despontam na USP e fora dela. Agora escancara-se uma crise de direção que coloca sobre a mesa a experiência da vanguarda pela esquerda com o lulismo e perante as lutas que despontam a nível nacional. 

Por último, reafirma-se a tarefa de avançar na refundação do movimento estudantil sob a bandeira da independência dos governos, burocracias e patrões para enfrentar a extrema direita com a mobilização das massas e forjar nas ruas um verdadeiro desborde pela esquerda em nosso país. 

Como parte da chapa “A poesia está nas ruas”, colocamos a mobilização independente no centro de nossa política na Letras, afinal, as eleições de entidades de base são processos chave para contribuir com a politização da base estudantil e fazer os debates chegarem em uma parcela maior do corpo discente. Em especial, um processo que deve servir de escola da democracia operária e estratégia revolucionária para as novas gerações que cada vez mais forjam-se como sujeitos políticos em um mundo que as chama a lutar por seu futuro. Debatendo a situação do nosso curso e denunciando o ranqueamento neoliberal e racista, interviemos procurando politizar os debates e chamar a base discente a romper com o imobilismo das burocracias e lutar nas ruas pelo fim da escala 6×1 e pela prisão de Bolsonaro e dos golpistas com independência dos governos e tribunais da burguesia. Nas discussões do curso, compreendemos que logramos instalar um importante debate político-programático na vanguarda defendendo uma ampla campanha pelo Retorno do Gatilho Automático de Docentes, mecanismo que derruba o Edital de Mérito e consolida a autonomia das vagas docentes nos departamentos. 

Aliado a isso, defendemos a formação de uma frente única da esquerda socialista entre as 3 organizações independentes que militam no curso: nós da Juventude Já Basta!/SoB, o Rebeldia/PSTU e a Faísca Revolucionária/MRT. Uma iniciativa política que defendemos há tempos como parte da necessária tarefa de reconstruir a Oposição de Esquerda da UNE, conformar uma alternativa real nas lutas, locais de estudo e trabalho e avançar na refundação do movimento estudantil. Infelizmente, como iremos abordar, o sectarismo e o burocratismo se sobressaíram sobre a consequência tática e mais uma vez adiou a unidade dos revolucionários na USP. 

Com isso em mente, as eleições para o Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários (CAELL) agora rebatizado sob o nome da imortal Suely Yumiko Kanayama, pouco deram conta de processar os desafios político-programáticos da luta em nosso curso. Pouco se debateu, por exemplo, sobre a situação do quadro docente pós-greve e a distribuição de claros para atender as demandas críticas do curso. 

O quórum da eleição contou com pouco mais de 500 votantes entre alunes da graduação e da pós, um contingente aquém que representa somente 10% de um curso de 5 mil estudantes. A participação des alunes foi um pouco maior que na última eleição, realizada sob a refluxo do final da greve, mas esteve bem abaixo de quóruns de outros processos eleitorais realizados no curso. 

Sem nenhuma dúvida, o assédio eleitoral e a despolitização se sobressaíram e atrapalharam es estudantes de se envolver nas discussões.  Não só na Letras, mas também em outros cursos, os debates políticos se reduziram a disputas pelo aparato regadas de sindicalismo que, por não combinar os elementos locais com as lutas políticas de fora, empobrece o debate e desarma a organização política frente aos elementos e lutas decisivas que cada vez mais nos cercam. Não por coincidência, ao baixo nível do debate se acrescentou a contra-campanha de ataques à militância e aos interlocutores políticos; e não trata-se, como deveria ser, de críticas políticas às organizações e aos programas adversários. 

Aqui destaco, em especial as contra-campanhas que realizaram es companheires do Rebeldia na tentativa de colocar pechas morais aos militantes de nossa e outras organizações, uma prática suja, típica de todo o arsenal estalinistas, que além fugir do rebaixar o debate político, também, visa destruir es militantes das demais organizações; obviamente que esse é um método que nada contribui para a elevação política do conjunto da vanguarda além de afastar es estudantes não organizades das discussões e do centro acadêmico. Por que me apropriar dos temas políticos, se eles se convertem em bate bocas e trocas de acusações entre militantes? Se eu decidir me envolver em alguma chapa, serei eu o próximo acusado de bizarrices sensacionalistas como “roubar atestados” e cometer fraudes eleitorais? 

O eleitoralismo oportunista pela linha e sectário pelo método levado pelo Rebeldia e outras organizações, é uma prática despolitizante que precisa ser superada pelo movimento, pois gesta, na prática, a desconfiança contra todo o conjunto do movimento estudantil. Neste sentido, a comissão eleitoral da Letras, instrumentalizada pela direção des companheires, cumpriu um péssimo papel como alertamos em declaração pública. [2] Tomando decisões sem o devido direito à defesa e sancionando desproporcionalmente chapas opositoras à gestão, a comissão eleitoral como um bonaparte passou por cima de sua prerrogativas regimentais e se alçou ao primeiro plano do pleito publicizando resoluções políticas contra a nossa chapa e a chapa formada pelo Correnteza/UP, que, inclusive, correu o risco de ser impugnada do processo como defendeu uma parte des membres da comissão. [3] 

Concentrada em intervir nos debates, a comissão eleitoral pouco se dedicou a garantir algo básico: que os estudantes tivessem devidamente acesso às propostas das chapas em disputa. A comissão, por exemplo, sequer publicou os programas das chapas inscritas nas redes do CAELL e convocou o único debate entre as chapas virtualmente com apenas um dia de antecedência.

Com os números à mesa, o resultado das urnas refletiram, entre outras tendências, a estagnação da hegemonia política construída a anos pelo Rebeldia/PSTU no curso, uma gestão que agora manifesta os limites de sua política sectária e sindicalista. O hegemonismo político que levam adiante tem gerado desgaste nas bases e tem impedido a construção de uma alternativa de direção de esquerda independente consequente para a Letras e para a universidade. Es companheires, para manter seu hegemonismo, acabam caindo em uma postura ensimesmada na direção da entidade como se fossem os únicos capazes de organizar as lutas e conduzir os debates. Essa perspectiva se expressou quando rechaçaram durante o Congresso da Letras a direção proporcional, um método democratizante que historicamente defenderam os setores anti-burocráticos nos sindicatos e espaços. 

Esta postura monolitista, recorrente de sua corrente, os isola da construção política com outros setores independentes e acaba por contribuir a um certo afastamento da entidade dos debates e dos elementos diversos que se refletem na base do curso. Os resultados da eleição do DCE e crescimento do campo alternativo de unidade nas eleições do CAELL demonstram um desgaste deste tipo de postura isolacionista e espaço para políticas de construção de frentes sindicais e políticas no interior da esquerda socialilsta. 

Na prática, a realidade cobra des companheires o preço de apostar por anos na fragmentação da esquerda independente na universidade em um momento em que é fundamental construir uma oposição de esquerda à Lula e de enfrentamento à extrema direita que leve adiante a luta contra os ataques aos direitos sociais e democráticos. Construir nos locais de estudo e trabalho, a mobilização independente que unifique as lutas econômicas e político-democráticas para arrastar setores da juventude e da classe trabalhadora para as ruas é fundamental. 

Essa precisa ser a nossa prioridade se queremos um desborde das massas pela esquerda que jogue o bolsonarismo e o frenteamplismo (que domina a esquerda da ordem) contra a parede e faça a correlação de forças do país mais favorável à nossa classe. Para isso, parece-nos indispensável traçar um debate sobre alguns elementos que sobressaíram na disputa, em especial, o sectarismo, que tomou conta dos embates entre a esquerda independente, o economicismo, que desarticula as lutas e subestima o enfrentamento à extrema direita, e o burocratismo estalinista, que emprega métodos anti-democráticos e hostis através da difamação e da exclusão no interior do movimento. Superar estes obstáculos, em nossa avaliação, é algo fundamental para unificar a esquerda independente e apostar na mobilização pelas bases, uma tarefa que hoje é central para construir uma alternativa às direções campistas e burocráticas e superar a crise de alternativa que paira sobre o movimento estudantil da USP. 

Superar o sectarismo e o economicismo para avançar

A dinâmica conjuntural que atravessamos, marcada pela luta contra a escala 6×1 e a pela oportunidade histórica de derrotar o golpismo bolsonarista, coloca sobre a esquerda revolucionária a responsabilidade de ser a linha de frente das lutas com total independência do lulismo e dos tribunais e parlamentos burgueses. Mais do que isso, a janela política que atravessamos coloca o desafio de unificar as lutas econômicas (a luta pela melhoria dos salários, pela redução da jornada de trabalho e etc.) com as lutas político-democráticas (a luta para prender Bolsonaro, a luta contra a violência policial e pelos direitos das mulheres) para mobilizar a juventude e os trabalhadores e criar um fluente de luta nas ruas que faça a correlação de forças se distensionar à direita em favor dos debaixo. 

É no marco destes desafios históricos que o sectarismo, o economicismo e o abstencionismo, elementos chave que permeiam a política de organizações como Rebeldia/PSTU e Faísca/MRT, representam um grave entrave para superá-los. 

De um lado, defender a fragmentação do campo independente, como vem fazendo es companheires do PSTU, impede que conformemos uma alternativa política robusta que aposte na mobilização independente e supere as direções burocráticas e governistas. Assim como fizeram es companheires ao dissolver unilateralmente o Polo Socialista e Revolucionário em 2022, esta é uma política sectária que não só fecha os olhos para os desafios conjunturais que atravessamos como também aposta em um modus operandi estalinista que deseduca as bases e as novas gerações militantes. É fundamental recordar que o Rebeldia, para justificar sua linha divisionista e isolacionista nas eleições, estabeleceu um critério perigoso para ser parte de uma chapa única da esquerda: a autocrítica quanto à política que o Já Basta! e outros setores adotaram na greve de 2023, um critério abertamente estalinista. 

Na prática, os companheiros queriam que aderisse-mos ao balanço do Rebeldia, uma manobra que também tentaram implementar na plenária final do Congresso da Letras. Além de uma lambança narrativa ajustada para explicar suas vacilações políticas durante  a greve do ano passado, este é um método próprio do estalinismo, um método que quer impor suas posições ao movimento e conter o livre exercício político das minorias para indecentemente justificar sua política sectária de hegemonia frente à base e oportunista de capitulação às correntes que dirigem o DCE, um desserviço político atroz para a construção de uma alternativa de direção independente para o conjunto do movimento estudantil. 

Como é de costume entre correntes trotskistas, frentes e acordos políticos são firmados sob sínteses político-programáticas, nunca pela imposição de suas linhas políticas e a supressão do debate. Estes foram os critérios que tantas vezes adotamos para firmar posições e chapas comuns em diversos momentos, entre eles, a unidade que conformamos entre nossas organizações em 2023 para as eleições do Congresso da UNE. 

Quem se utiliza da imposição como método é o estalinismo, a corrente reacionária que burocratizou o partido bolchevique e transformou a mais importante e democrática experiência política que a classe trabalhadora produziu em uma ditadura contrarrevolucionária sobre essa mesma classe. Uma degeneração burocrática da revolução de outubro que não só conduziu o socialismo soviético à regeneração capitalista como perseguiu a velha guarda bolchevique que dirigiu a revolução nos Julgamentos de Moscou em 1936. [4]

Se partíssemos do pressuposto metodológico des companheires, deveríamos portanto, exigi-los uma severa autocrítica quanto a política inconsequente que defenderam ao final do ano passado quando endossaram o encerramento da greve diante da circular da reitoria que punia duramente os grevistas, um verdadeiro AI-5 contra a atividade política des estudantes.

Quem sabe, poderíamos exigir que os compas finalmente abandonem o apoio irresponsável que dão aos reacionários motins policiais, levantes milicialescos que massacram e fazem uso do terrorismo de estado para barganhar mais investimento ao aparelho repressivo do estado contra a classe trabalhadora. [5] Temos total desacordo a estas e outras incontáveis posições inconsequentes do morenismo, mas tampouco impomos a autocrítica sobre elas como critério para firmar qualquer política conjunta. 

Compreendemos com clareza nossas divergências metodológicas, táticas e estratégicas – e o devido direito ao debate público sobre elas -, porém enxergamos na conjuntura a necessidade de se apropriar do arsenal histórico do marxismo revolucionário e suas ferramentas como a frente única entre correntes distintas do marxismo revolucionário, a unidade de ação e outras táticas. Este é o primeiro passo para superar a atual crise de direção e conformar uma alternativa independente para enfrentar a extrema direita e converter o ascenso das contradições e lutas, um processo que vivemos e que certamente se acentuará, em vitórias que armem tática e estrategicamente os explorados e oprimidos. 

Do outro lado, a política economicista/abstencionista que leva adiante a Faísca/MRT, mas também organizações como o Rebeldia/PSTU desarmam a luta contra a extrema direita e deixa de lado bandeiras político-democráticas fundamentais como a prisão de Bolsonaro e todos os golpistas. Na prática, deixam o lulismo se embandeirar das consignas contra a extrema direita – a justificativa de sua histórica capitulação – e perdem de vista a tarefa estratégica que é impulsionar o protagonismo da classe trabalhadora nas ruas em um país que a iniciativa política tem praticamente se reservado à burguesia e seus governos, parlamentos e tribunais e, principalmente, à extrema direita. O economicismo aposta que bastam bandeiras ou campanhas econômicas para que a classe avance em sua experiência e dê passos à tomada do poder, essa é uma perspectiva oposta ao marxismo revolucionário que despreza as lutas democráticas e políticas. Este é um tremendo erro político-teórico ainda mais grave diante de uma tarefa democrática histórica que possuem o explorados e oprimidos em nosso país: romper com ciclo histórico de anistia imposta pela ditadura burgo-militar, uma herança maldita da redemocratização que deixou a caserna militar golpista da extrema direita impune e livre para fazer política e articular seus arroubos neofascistas contra a classe trabalhadora e suas liberdades democráticas. 

A descoberta do plano golpista de Bolsonaro a prisão de generais como Braga Netto, portanto, abriu uma oportunidade chave para avançar pelas ruas contra toda a herança do regime militar golpista e seus apêndices como os tribunais e as polícias militares que são linha de frente da barbárie racista e repressiva contra os setores populares, um debate que também tomou corpo nos últimos dias. Uma janela temporal, portanto, mais favorável para alterar a correlação de forças histórica de nosso país. Neste contexto, deixar bandeiras de luta política imediatas como a prisão de Bolsonaro articulada à outras consignas como fim dos tribunais militares e do artigo 142 da Constituição de fora de sua política, como fazem es companheires do PSTU e do MRT, é um equívoco desastroso que faz a oposição de esquerda mais passiva em uma conjuntura que nos exige exatamente o impulso contrário. 

Como já vimos em outros debates, a política economicista que levam adiante es companheires não apresenta nenhuma saída política imediata pela ação das massas que coloque na ordem do dia o combate da extrema direita, um campo que se viabiliza a disputar com forças a eleição nacional de 2026. [6] No caso da Faísca/MRT, a política des companheires mescla seu economicismo com o abstencionismo, vide a posição de voto nulo envergonhado que tiveram nas eleições municipais e na disputa nacional de 2022. A desorientação política que sofre o MRT/FT é até mais grave, sequer defendem a bandeira da Prisão de Bolsonaro e todos os golpistas, uma política abstencionista e apática frente aos elementos progressivos que permeiam a conjuntura. Na prática, ao não responder com bandeiras concretas a possibilidade que se abre com a descoberta da intentona golpista de Bolsonaro, a política des companheires reserva as massas um papel inerte diante da extrema direita. Esse é um script de mero espectador que acaba por deixar que o lulismo e judiciário burguês, que em nada podemos garantir que punirá o ex-presidente e seus comparsas com rigor, apropriem-se da tarefa e conduzam o processo sob seus interesses e sem a força política das massas nas ruas. Essa mesma orientação política se expressou de forma pedagógica quando es companheires se abstiveram frente à proposta de ato contra Nunes e Tarcísio que nós da Juventude Já Basta! apresentamos na assembleia geral da USP convocada na esteira do segundo turno municipal. 

Os novos elementos que brotam da conjuntura colocam sobre os setores de oposição de esquerda à Lula e de enfrentamento à extrema direita. Portanto, a necessidade de abandonar desvios dessa natureza para conformar uma alternativa comum para mobilizar nossa classe e constituir um polo dinâmico de luta independente nas ruas. Na USP essa tarefa é ainda mais urgente frente à crise da direção governista do DCE, um elemento fundamental que se notabilizou nessas eleições de centros acadêmicos e que coloca no próximo período ao movimento estudantil, desafios de natureza histórica frente à conjuntura nacional e aos ataques de Tarcísio que escolherá no ano que vem a próxima reitoria de nossa universidade. Unificar a esquerda independente é o primeiro passo para superar as velhas direções burocráticas e governistas e formar uma nova direção que aposte unicamente nas forças de luta da nossa classe. 

A crise do governismo na USP

Dentre uma série de elementos inéditos que se expressaram, uma coisa ficou muito clara em todo o processo eleitoral: aprofunda-se a crise do campo oportunista-estalinista (Correnteza/UP, Juntos/MES-PSOL e Juv. Sem Medo/PSOL) que dirige o DCE sob a gestão “Fazer Valer a Luta”. Com derrotas inéditas em processos eleitorais de cursos chave, pode-se dizer que este é o momento de maior desgaste destas forças na história recente da USP. 

Vamos aos poucos. Na História, após 5 anos hegemonizando a direção política, o Correnteza/UP foi derrotado com ampla vantagem pelo partido dos autonomistas anti-partido em um processo eleitoral absolutamente questionável. Afinal, foi impugnada e impedida de participar uma das principais chapas de oposição à gestão, algo nunca antes visto no histórico recente uspiano, uma manobra autoritária e estalinista conduzida pelo Correnteza ao lado do autonomismo antipolítica e de setores neoestalinistas como a UJC/PCBR. A Juventude Sem Medo do PSOL (Afronte/Resistência e RUA/Insurgência), frente composta pela ala direita de nosso antigo partido, foi outro setor que acumulou significativas derrotas. Nas Ciências Sociais, perderam o centro acadêmico e no curso de Relações Internacionais sofreram uma acachapante derrota. O Juntos/MES-PSOL, uma força em categórico refluxo na FFLCH, disputou somente a eleição do CEUPES e desapareceu dos debates políticos da Letras, uma corrente que cada vez mais se dedica ao aparato institucional e pouco peso dá para as lutas na base. 

Não poderia ser diferente. A derrota que sofreu a gestão “Fazer Valer a Luta” nada mais é que um reflexo do fracasso da conciliação de classes em garantir melhorias aos setores trabalhadores e enfrentar o bolsonarismo. Sem nenhuma dúvida, essas contradições também se desdobram aos seus apêndices burocráticos que atuam como verdadeiras barreiras de mobilização estudantil para blindar o governo. Na UNE e em outras entidades estudantis, não é novidade para ninguém que direções como a UJS/PCdoB e o PT atuam para conter as lutas, mas tampouco esse script burocrático é exclusivo, é seguido à risca por outros tons do frenteamplismo e da conciliação. É o caso das Juventude do PSOL, partido que é braço do governo, e do Correnteza/UP que, embora tente se pintar de vermelho, pouco aborda os ataques do governo Lula-Alckmin em sua política e não se coloca na oposição de esquerda. [7]

Estes setores, cada um à sua medida, são variantes da conciliação liberal-social e legitimam os seus duros ataques. À frente do DCE Livre da USP, a gestão “Fazer Valer a Luta” sequer chamou a base para debater o Arcabouço Fiscal e não fez nenhum esforço para localizar a USP ao lado das lutas universitárias quando se explodiu a greve das federais contra o plano de cortes neoliberais do governo. Na luta contra Tarcísio e a reitoria, além de minar os espaços de base fundamentais para a mobilização, es companheires cumpriram um péssimo papel desarticulando as lutas e não buscando unificá-las com outras categorias e movimentos em luta de fora e dentro da USP. No campo tático-estratégico da luta, a direção des companheires parece ignorar ferramentas fundamentais como as frentes de luta e a unidade com as categorias trabalhadoras. São raras as plenárias dos 3 setores e as reivindicações dos trabalhadores não-docentes da universidade praticamente desapareceram do programa da entidade. [8]

Quanto à mobilização estudantil, a gestão des companheires têm cumprido um papel um lamentável de inércia política, já que 9 meses ficaram sem convocar uma única assembleia geral e sumiram da universidade durante as eleições municipais para tocar suas campanhas. Debates como a urgente implementação das Cotas Trans e PCDs na USP, uma luta fundamental pela democratização do acesso à universidade, encontram-se restritas a pequenos fóruns do movimento e estão infelizmente desarticuladas das outras lutas que vêm sido travadas na USP. Para o movimento estudantil, o resultado da política de conciliação de classes do DCE, como vimos nas eleições, é a despolitização, sindicalismo e desmobilização, produtos de uma direção imóvel e burocrática que impediu que a base se apropriasse dos debates. 

A verdade é que paira sobre a USP uma profunda crise de direção estudantil, um elemento inédito em décadas. Mais do que isso, essa tendência é um reflexo da retomada da experiência des estudantes com lulismo em sua versão mais à direita e com a política governista e burocrática que domina o movimento estudantil. Neste contexto, abandonar o sectarismo, o economicismo e o abstencionismo no interior da e esquerda independente, obstáculos para oposição de esquerda, é uma tarefa que precisa se encarar com responsabilidade se se quer alçar ao protagonismo político e conformar uma nova direção à altura dos nossos desafios para construirmos lutas capazes de vencer. É nisso que aposta a Juventude Já Basta! 

A poesia está nas ruas

Estamos vivendo uma nova etapa do capitalismo marcada pelo avanço da barbárie, um elemento que tem gerado na sociedade, como corpo vivo que é, reações espontâneas de revolta dos explorados e oprimidos, por essa razão a etapa tem que ser caracterizada também pelo desequilíbrio estrutural em todas as instâncias da vida e pela tendência à polarização política e social. 

Para além dos embates na USP, os estudantes e o conjunto da juventude podem no próximo período cumprir um papel fundamental nas lutas e embates, as que já se desdobram e as ainda maiores que se avizinham. Um setor de vanguarda que, se organizado com independência ao lado das categorias trabalhadoras, do movimento de mulheres e do movimento negro, pode com mais força e possibilidade derrotar a extrema direita e impor vitória históricas como a redução da jornada de trabalho sem a redução salarial e conquistas politicas, como a prisão de Bolsonaro, o fim dos tribunais e da PM. Já está mais do que claro, no que depender do governo Lula 3 e da esquerda da ordem, a derrota da extrema direita, a luta pelo fim a escala 6×1 e tantas outras estarão à serviço do regime democrático burguês explorador e opressor e manter seu pacto com a burguesia que tem a extrema direita como seu outro cão de guarda. 

É diante desse cenário que dizemos: É fundamental unificar a esquerda socialista e romper com o economicismo para avançar na refundação do movimento estudantil sob as bandeiras da independência de classe e da democracia operária. É preciso construir um novo movimento estudantil para ser protagonista das lutas, um verdadeiro polo de mobilização que atraia a juventude e organize as novas gerações de trabalhadores com independência das reitorias, governos, patrões e burocracias para defender nossos direitos e construir um novo futuro em que a educação não sirva ao lucro dos capitalistas mas sim ao desfrute do futuro pelos filhos da classe trabalhadora e sua ciência e história. Para avançar nos debates e nas construções políticas da oposição de esquerda ao governo Lula 3 e de enfrentamento à extrema direita, chamamos a realização em 2025 de um encontro estudantil-operário e popular da CSP – Conlutas, única central sindical e popular independente do governo Lula-Alckmin, para organizar as nossas lutas e traçar as perspectivas da esquerda independente no próximo período.

É fundamental construir um movimento que seja uma trincheira de luta independente que, ao lado da classe trabalhadora e dos oprimides, seja um ponto de mobilização e ação frente aos choques e embates que se abrem nesta nova etapa da luta de classes. Nossa tarefa está longe de ser trivial, precisamos organizar e preparar a juventude para, armados das ferramentas do marxismo revolucionário – uma ferramenta teórica dinâmica que se constroi a partir vivência e reflexão na luta de classes -, lançar-se às lutas e embates para tomar de assalto o futuro e conduzir as revoluções do século XXI. Como ressoou no grito dos operários e dos estudantes durante o mês de maio de 1968, “A beleza está nas ruas”, é ela o único terreno capaz de fazer os palácios virarem um mero detalhe diante da força inexorável das praças. 

Notas:

  1. Leia: Balanço das eleições e o novo cenário político
  2. Leia: Chega de autoritarismo e métodos estalinistas no movimento estudantil
  3. Temos incontáveis divergências com es companheires e a tradição política contrarrevolucionária do estalinismo que defendem, mas tampouco achamos que impedi-los de participar do processo contribui ao movimento, pelo contrário, abriria um precedente perigosíssimo para que perseguições, um artifício típico do estalinismo justamente, se normalizassem no dia-a-dia do movimento e corroessem a democracia de base. 
  4. Leia: Os expurgos e os julgamentos de Moscou 
  5. Durante a plenária final do Congresso da Letras, marcada por uma condução burocrática da mesa, o Rebeldia expôs essa posição de forma muito clara: Não só defenderam a desmilitarização da PM, uma política reformista, rebaixada e paliativa, como defenderam que se deve disputar as categorias policiais e apoiar os motins e greves policiais. A posição dos companheiros os fez apoiar, por exemplo, motim dos policiais do Ceará em 2020, um processo violento que promoveu toques de recolher e execuções como chantagem para engordar ainda mais o orçamento destinado à repressão.  Leia a posição des companheires em: https://www.pstu.org.br/pm-do-ceara-foi-greve-nao-foi-motim-fascista/
  6. Leia: Inquérito sobre golpe de 8 de janeiro pode levar à prisão de Bolsonaro
  7. A Unidade Popular (Correnteza), como típico de sua tradição assumidamente estalinista, possui uma política campista-etapista. Ou seja, a tradição teórica des companheires compreende que é preciso se  apoiar em um setor burguês para fazer frente a um mal maior, neste caso, a extrema direita. Por isso, não se vê este partido se posicionando como oposição de esquerda ao governo Lula-Alckmin ou mesmo discutindo que a política governista tem mais favorecido o bolsonarismo do que o combatido. Na prática, não levam o enfrentamento ao bolsonarismo com consequência e passam pano para o governo federal. Nos sindicatos, não é raro ver a UP ao lado da burocracia governista da CUT (central sindical do PT) e da CTB (central sindical do PCdoB). No sindicato dos metroviários, por exemplo, es companheires optaram por compor uma chapa com o que existe de mais podre da burocracia sindical pelega: o PT, o PCdoB e até mesmo o PSB de Tábata e Alckmin.
  8. Recordemos que durante a greve do ano passado, a gestão do DCE não participou de nenhuma assembleia do SINTUSP (Sindicato de Trabalhadores da USP) para buscar diálogo e unificar os estudantes e trabalhadores. Uma soberba tática que foi desmontada pela pedagogia da luta de classes no dia 03 de outubro daquele ano. Nesta data, a mobilização des estudantes se unificou à greve estadual que conduziam os metroviários, ferroviários e trabalhadores da SABESP contra o projeto de privatização do Tarcísio. Foi justamente a luta unificada entre categorias estudantis e trabalhadores, uma importante demonstração de força, que entre outros elementos abriu uma correlação de forças mais favorável e fazendo a reitoria realizar sua maior concessão até então.