A desmobilização provocada pelas burocracias do movimento dos trabalhadores permite recuperação política do governo e ataques a direitos, mas as contradições se acumulam e seguem importantes lutas que podem ser vitoriosas.
ANTONIO SOLER e GABRIEL MENDES
O aumento da popularidade de Bolsonaro pode parecer um contrassenso diante do negacionismo responsável em boa parte pelas mais de 120 mil vítimas fatais da Covid-19, da retórica golpista do presidente, do aumento do desemprego, da precarização e da piora das condições de vida para a ampla maioria da população. Porém, o alcance do auxílio emergencial imposto pela pressão popular, a naturalização da pandemia promovida por Bolsonaro e o afrouxamento das medidas sanitárias pelos governadores e prefeitos e, como fator fundamental, a desmobilização das ruas, permitiram sobrevida, recuperação de parte da sua popularidade e recolocou para esse terrível bloco político no poder a perspectiva de reeleição.
Um governo bem avaliado pelos patrões
Na pesquisa eleitoral realizada pelo Datafolha entre 11 e 12 de agosto é demonstrada uma intrigante tendência de melhoria da popularidade e redução do isolamento do governo, apesar de toda a catástrofe sócio-sanitária em que estamos mergulhados.
Ele aparece com 37% de “ótimo/bom”, diante de 32% na pesquisa realizada em 23 e 24 de junho. Em relação aos outros indicadores de popularidade, a rejeição caiu ainda mais do que a aprovação, passou de 44% para 34% os que o consideram “ruim/péssimo” e os que o consideram “regular” foi para 27%, antes era 23%.
Considerando a margem de erro de 2% para mais ou para menos, é a primeira vez que Bolsonaro aparece com mais de 33% de aprovação, o que representa tendência de crescimento de popularidade, considerando que em pesquisas anteriores ele aparecia com “ótimo/bom” para 32% na última e na penúltima pesquisa 30%.
Para os que acham que a melhoria da popularidade do governo se deve, principalmente, ao auxilio emergencial, os dados apontados derrubam essa tese, pois entre os que não receberam o benefício a popularidade é de 36%, apenas 1 ponto percentual abaixo do geral, e os que pediram de 42%, 5 pontos acima da média.
Ao contrário da tese de que o grande redentor da popularidade do neofascista é o auxílio aos “pobres”, este segue com menor popularidade entre os de renda familiar de até dois salários-mínimos (35%) e é melhor avaliado entre os empresários (58%).
Em relação ao grau de confiança no governo, um importante indicador, 41% nunca confia em Bolsonaro, 22% sempre confia e 35%, confia às vezes. Números que não muito distintos dos vistos na pesquisa anterior, 46%, 20% e 32%, respectivamente. Indo para o corte de gênero, de raça, renda e idade no quesito confiança, as mulheres, os de menor renda, os jovens e os negros são os que menos confiam no governo.
Apesar de continuar mal avaliado, considerando a média dos demais governos, perdendo apenas para Fernando Collor de Melo (41% de “ruim/péssimo” e 18% de “ótimo/bom”) e com baixa confiança entre da população, o índice médio de rejeição voltou ao patamar dos seis primeiros meses de mandato, algo entorno a 30%, o que coloca equilíbrio entre aprovação e rejeição, alterando a popularidade e a correlação de forças, principalmente devido ao recuo das ações de rua, apresentado entre abril e junho, um momento conjuntural abertamente desfavorável ao governo.
Intenções autoritárias só podem ser barradas pela luta
Tivemos um forte tensionamento político entre os meses de abril e junho. Uma crescente escalada autoritária no discurso de Bolsonaro e de seus ministros e mobilizações (pequenas) de rua em pelo fechamento do regime.
Essa polarização pela extrema direita teve o seu auge de contraponto nas ruas com a ação das torcidas e organizações antifascistas em vários grandes centros urbanos, na Paulista em duas oportunidades e, depois, no Largo da Batata no dia 07 de junho. O que fez calar momentaneamente a Bolsonaro, pois foi aberta a possibilidade de uma correlação de forças que desembocar em um processo de impeachment.
Também teve importância o posicionamento dos chefes do judiciário e do congresso em defesa das “instituições democráticas”, a diferenciação com o governo federal de parte dos governadores e prefeitos em relação ao enfrentamento à pandemia e a prisão de Fabrício Queiroz no dia 18 de junho. Estes são fatores que, também, colocaram o governo na defensiva momentaneamente.
Com o recuo momentâneo da escalada autoritária, a naturalização da pandemia promovida pelos governos no recuo de suas limitadíssimas medidas de combate à Covide-19 e a ação criminosa da ampla maioria das direções do movimento de massas, particularmente as petistas, em boicotar o enfrentamento ao governo, Bolsonaro pode, além de recuperar sua popularidade, projetar-se para as eleições de 2022 e, novamente, tirar o espaço eleitoral da direita tradicional.
Crises politicas e rumos da economia pandemizada
Em que pese a recuperação de Bolsonaro, uma série de contradições estão na mesa para que possa permanecer no governo, seguir com sua política regressiva e tentar a reeleição. A começar pelo tema da corrupção, da envolvimento com milicias, fakenews e financiamento de atos pró-ditadura.
Além da intimidade entre do presidente e sua família com Fabrício Queiroz – miliciano que está preso e é acusado de chefiar o esquema de desvio de dinheiro público no gabinete de Flavio Bolsonaro quando este era Deputado Estadual pelo Rio de Janeiro – e outros integrantes de milícias, a central de fakenews instalada no governo, o financiamento de atos pró-ditadura, recentemente se revelou que a mulher de Bolsonaro, Michele, recebeu entre 2011 e 2016 a quantia de R$ 89 mil, dividido em vários cheques depositados por Queiroz e sua esposa, Marcia Aguiar.
Quando perguntado sobre a origem desse dinheiro por um repórter do jornal O Globo no dia 23/08, Bolsonaro disse, “a vontade é de encher sua boca com porrada”. Além da sua grosseria e autoritarismo habitual que imita os chefes militares da ditadura, essa fala demonstra que o envolvimento dos Bolsonaro com a corrupção e outros esquema criminosos é um tema que incomoda profundamente pela extensão e profundidade dessa rede de malfeitos. Assim, para proteger seu clã, aliados de processamentos e se manter no poder, Bolsonaro, como já tem ameaçado, pode tentar até medidas de força.
Por outro lado, não ha solução de continuidade ainda para a depressão econômica devido sua profundidade e as incertezas em relação à pandemia que a retroalimenta. A pandemia é um fenômeno que perdeu o impacto momentâneo sobre a popularidade do governo, mas estamos muito longe do controle do surto epidêmico nacional, não temos vacina disponível ainda, testes ou um sistema de saúde adequado a necessidade das massas. Essa situação, somada às medidas de abertura tomadas em todo o país, poderá levar à retomada da aceleração dos contágios e da mortalidade pela doença.
Esse fenômeno de prolongamento da pandemia pode realimentar a depressão econômica por ora em torno a 5,5%, o desemprego massivo de cerca de 25% da população economicamente ativa e o esmagamento da renda das massas. Com isso, o efeito das poucas e ineficientes medidas de compensação social, como a renda emergencial de R$ 600, que acaba no final do ano, perderá seu efeito sobre a popularidade do governo.
Além disso, a transferência de recursos para as grandes empresas e bancos também se esgota, pois o orçamento emergencial votado pelo Congresso vai até o final do ano. Desta forma, para não explodir com o “teto dos gastos públicos primários”, descontados pagamentos de juros e amortizações da dívida pública, previsto na PEC 95 (o gasto só pode crescer de um ano para outro o percentual equivalente à inflação do ano anterior), altas taxas de lucro ao capital financeiro, será necessário que o governo imponha mais ataques à classe trabalhadora, a exemplo do congelamento salarial dos funcionários públicos até o final de 2021.
Para garantir cerca da metade do orçamento federal aos banqueiros e megainvestidores e a intocabilidade das grandes fortunas e, ao mesmo tempo, uma um programa (Renda Brasil) a partir do Bolsa Família (governo Lula) – que objetiva um realinhamento eleitoral com a população de menor renda – , o governo terá que desferir novos ataques. Daí partem alguns atritos públicos entre Bolsonaro e Paulo Guedes diante dos embates para conciliar interesses.
Estão previstos, neste sentido, a “reforma administrativa”, que preconiza o fim da estabilidade do funcionalismo público e permite redução salarial, a desvinculação orçamentária, que poderá tirar verbas dos gastos sociais, precarizando ainda mais esses serviços, como saúde e educação para remanejar para outros setores. Até mesmo o fim de outros auxílios, como o abono salarial, o programa farmácia popular e o seguro defeso, pago a pescadores durante o período de reprodução das espécies, estão na mira do governo para compor o Renda Brasil. Ou seja, Bolsonaro quer tirar dos empobrecidos para dar aos que não tem nada ao invés de parar de pagar a dívida pública e taxar as grandes fortunas.
Retomar as mobilizações e unificar as lutas: Todo o apoio à greve dos Correios!
O governo terá que enfrentar dificuldades para impor o seu projeto de criação de um Bolsonarismo popular através de políticas de compensação social em meio à depressão econômica, isso porque esse projeto passa por impor terríveis derrotas aos trabalhadores e às suas organizações para que Bolsonaro possa se alçar em condições de vitória para as eleições de 2022.
Na verdade, as contradições que estão postas tendem a crescer e questionar a própria permanência de Bolsonaro no poder. Mas, como dissemos no início, a política de desmobilização e boicote do movimento de resistência direta ao governo, que teve seu auge neste ano no mês de junho, está custando caro, pois este vácuo político, somado aos fatores já apontados, permitiu que o governo, ao recuar da escalada autoritária, assumisse uma aparência momentânea de normalidade.
No entanto, como demonstrou a vitoriosa movimentação dos metroviários de São Paulo contra redução salarial, dos trabalhadores da Renault de São Jose dos Pinhais (PR) e a recente greve nacional dos trabalhadores dos Correios em defesa de conquistas trabalhistas históricas, que estão sendo ameaçadas por Bolsonaro e pela direção da empresa, os trabalhadores e a maioria oprimida da sociedade, mulheres e os negros, não irão permitir ataques sem uma resistência à altura.
Hoje a principal luta sindical é a greve nacional dos trabalhadores dos Correios. Essa é uma categoria nacional que ganhou ainda mais importância durante a pandemia e que está sendo duramente atacada por Bolsonaro através da quebra unilateral do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) que soma 78 cláusulas trabalhistas, quebra essa que se for efetivada significará enorme perda de salários indireto e de benefícios. Por essa razão, essa greve pode se transformar no principal campo de batalha do segundo semestre contra os ataques as condições de existência e palco para retomarmos a luta unitária para derrotar este governo.
Para avançar nesse sentido, qualquer atitude rotineira da esquerda diante desta greve, que não mobilize a militância em apoio efetivo para que essa luta seja vitoriosa e uma conjuntura mais favorável pelo impeachment ou outra forma de expulsar Bolsonaro do poder, joga no campo da perigosa naturalização de um neofascista que está no centro de um governo abertamente autoritário que é extremamente perigoso, que além de atacar os direitos econômicos e sociais, pode, em uma conjuntura mais favorável, querer findar diretos democráticos de escolha popular, de organização e de luta.