Covid-19 foge totalmente do controle no Brasil

Podemos chegar a 3 mil mortes diárias nas próximas semanas se um lockdown nacional não for decretado imediatamente

Hospital Florianópolis (SC) tem todos seus leitos ocupados no dia 1 de março - Eduardo Valente/iShoot/Agência O Globo
Não é mais novidade dizer que estamos no Brasil no pior momento da pandemia, dia após dia batemos o recorde do número de mortes e de contágios. Assim, vivemos uma crescente situação de descontrole pandêmico que pode levar a mais de 3 mil mortes por dia e, consequentemente, a um colapso nacional do sistema de saúde se medidas, como o lockdown, não forem tomadas urgentemente.
ANTONIO SOLER

Batemos recordes mortes a cada dia, na quarta-feira tivemos 1.840 novas mortes decorrentes da Covid-19, no dia anterior foi de 1.726. Já estamos há cerca de uma semana batendo recordes de mortes, a nossa média móvel (média semanal) é de 1.332 mortes.

Em entrevista ao site El Pais, Miguel Nicolelis[1] traça um cenário de “guerra explícita” e de que podemos ter “a maior catástrofe humanitária do século XXI em nossas mãos”. Afirma também que teremos nos próximos dias 2.000 mortes diárias e nas próximas semanas podemos ultrapassar 3000 mortes pela covid-19.

Para Nicolelis, não adianta simplesmente aumentar o número de leitos, porque não teríamos condições de dotá-los do pessoal médico necessário há tempo devido à dinâmica de contágio – principalmente se considerarmos as mutações do vírus que temos em território nacional – é muito mais rápida do que qualquer operação de montagem de hospitais de campanha.

Algumas cidades já estão vendo o seu sistema de saúde colapsar e em dez capitais já atingimos 90% da lotação de leitos de UTI. Mesmo cidades como São Paulo podem não escapar desta situação. O hospital Emílio Ribas, referência no tratamento de doenças contagiosas, já está com 100% da sua UTI lotada, e o Hospital das Clínicas, maior complexo hospitalar do país, está com 80% de ocupação.

Com uma dinâmica de 3.000 mortes diárias nos próximos 90 dias, poderíamos chegar a um número entre 180.000 e 270.000 mortes. Levando em consideração o ritmo de vacinação brasileira, que até agora vacinou apenas 3,5% da população, e da presença de todas as mutações do vírus, esse é um cenário explícito de genocídio que só pode ser contido em termos imediatos pela decretação de um lockdown nacional.   

Para salvar vida, é preciso imediatamente hierarquizar a luta pelo lockdown

Enquanto o Brasil atingia 1.840 mortes, Bolsonaro nas conversas que faz diariamente com apoiadores em frente ao Palácio do Planalto afirmou que “no que depender de mim nunca teremos lockdown. Nunca, uma política que não deu certo em lugar nenhum do mundo. Nos Estados Unidos vários estados anunciaram que não têm mais [lockdown]. Não quero polemizar esse assunto aí”.

Essa posição genocida, somada a uma série de outras que vão contra a prevenção e imunização, tem sido a mesma desde o início da pandemia. Aliás, só não impôs aos governadores e prefeitos a proibição de medidas voltadas ao distanciamento social, como o fechamento do comércio e outras, porque foi impedido por decisão do STF.

Quer dizer, a depender de Bolsonaro e de sua base de apoio já teríamos assistido ao colapso total do sistema nacional de saúde. Bolsonaro e seu negacionismo genocida são responsáveis pela perda de milhares de vidas, por isso, precisa ser imediatamente impedido de continuar à frente da do governo federal, ser julgado pelos seus crimes contra a humanidade e posto na cadeia.

Mas, a nossa luta não é apenas com Bolsonaro, vários governos estaduais e municipais também têm posições que são variantes do negacionismo. Essa é o caso do governador de São Paulo, João Dória (PSDB), que quando não toma medidas ultra parciais, como é o caso do toque de recolher das 20h às 5h, impõe de forma criminosa aos professores, funcionários e estudantes aulas presenciais em meio ao crescimento da curva epidêmica e à beira do colapso sanitário.

Diante dessa situação de descontrole total dos contágios, contagem crescente em milhares do número de mortes e da iminência do colapso generalizado do sistema de saúde, não podemos lutar apenas por vacinas para todos já, renda mínima para os desempregados e pelo Fora Bolsonaro. Entra como prioritários em nossa pauta de mobilização a luta por medidas de distanciamento que possam enfrentar a situação, como o lockdown. Mas, para que essas medidas de distanciamento sejam eficazes, elas precisam ser acompanhadas de renda de um salário mínimo aos desempregados e outras medidas para proteger o emprego, do contrário é impossível garantir qualquer medida eficiente de distanciamento social.

Centenas de milhares de vidas estão em jogo! Esse descontrole nos coloca um problema adicional para realizar a luta. Ações convencionais, como passeatas e outras, que reúnem milhares de pessoas estão fora de cogitação. Mas, isso não impede que nesse momento encontremos formas de mobilização que criem impacto político, como é o exemplo de panelaços, carretas, atos performáticos e outros.

As organizações de massas dos trabalhadores, como a CUT e outras, precisam romper imediatamente com o seu imobilsmo que só serve para dar espaço para o negacionismo genocida de Bolsonaro. É preciso romper imediatamente com essa postura covarde e chamar a construção de Comissões de Higiene em todos os locais de trabalho, estudo e moradia. Além disso, é preciso mobilizar no sentido de construir paralisações parciais, dias de luta e uma paralisação nacional em defesa da vida.

Mobilização essa que é responsabilidade também de todos as organizações dos trabalhadores e dos oprimidos para exigir que seja imediatamente decretado um lockdown nacional para as próximas semanas – mas não o que vêm sendo decretado por Doria e outros governadores que mantém escolas abertas e o funcionamento do transporte público durante todo o dia enquanto restringe a circulação apenas na madrugada – a aprovação da renda mínima de 1 salário mínimo (não os míseros R$200 que quer dar o governo e o Congresso) custeado pela taxação das grandes fortunas e sobre o lucro das grandes empresas, a quebra das patentes das vacinas para que se possa produzi-la em território nacional e imunizar o mais rápido possível o conjunto da população. Só a luta salva vidas!


[1] Médico e professor catedrático da Universidade Duke (EUA). Coordenou ao longo da pandemia de coronavírus o Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a covid-19.