Esse texto é parte de um trabalho mais amplo publicado no site Izquierda Web em 17 de maio de 2020 (veja em https://izquierdaweb.com/la-politica-revolucionaria-como-arte-estrategico/). No entanto, diante do debate sobre a falência política do PSOL como alternativa à esquerda do lulismo e a necessidade de construir uma alternativa política que dê conta dos desafios históricos, guarda renovado interesse.
Roberto Saenz
17 maio de 2020
Vejamos, para concluir, com o que chamamos de “paralelogramo de forças da política revolucionária”.
O concebemos como a capacidade de estar onde precisamos estar no momento certo. Ela pode ser explorada mesmo por pequenas organizações. O paralelograma de forças é algo que é inicialmente constituído objetivamente, um conjunto de determinações que condensam objetivamente, mas das quais é preciso saber tirar proveito para colocar-se à cabeça.
A figura do ‘paralelogramo de forças’ foi-nos sugerida por uma carta de Engels a Joseph Bloch (1890). Engels colocou dito paralelogramo como o produto de determinações puramente “objetivas”.
Entretanto, à frente desse ‘paralelogramo’ o partido pode e deve ser colocado para irromper na história, para romper a inércia com o a mais subjetivo que o partido acrescenta: “(…) a história é feita de tal forma que o resultado final deriva sempre dos conflitos entre muitas vontades individuais, cada uma das quais, por sua vez, é o que é através do efeito de uma multidão de condições especiais de vida; são assim inúmeras forças que se entrelaçam, um grupo infinito de paralelogramos de forças, das quais emerge uma resultante – o evento histórico” (Engels, 21/22 de setembro de 1890).
Como podemos ver, o paralelogramo começa como uma determinação objetiva. Mas se o partido, como elemento subjetivo, consegue avaliiá-lo, poderá tomar a dianteira influenciando a situação.
É da ordem da política, da riqueza e da criatividade da política. E tem uma vantagem: consegue passar, em certo modo, por sobre as limitações materiais do próprio partido e tirar proveito das circunstâncias; uma vantagem que vem da capacidade de fazer política, da criatividade política, de estar no lugar certo no momento certo.
Um resultado que vai além de nossas forças subjetivas, e é outra forma de entender o argumento de Trotsky quando ele fala da “criação de poder” que a política revolucionária implica, o plus que o partido pode e deve aportar para a situação total.
Este “paralelogramo de forças” há que saber explorar. Somente de vez em quando é criado um paralelogramo de forças que pode ser explorado. Somente em momentos muito específicos as circunstâncias se condensam de tal maneira que deixam mesmo as pequenas organizações na vanguarda dos acontecimentos[1].
Naturalmente, quanto mais orgânico for o partido revolucionário, mais ele pode tirar proveito da circunstância, mais “poder” se poderá criar (ou seja, mais sério, profundo e orgânico será o desafio ao poder existente).
A mecânica é a mesma no grande e no pequeno, embora as conseqüências, é claro, sejam de magnitude diferente. Considere o paralelogramo das forças da Revolução Russa. A Revolução de fevereiro não foi criada pelo bolchevismo (ainda que os trabalhadores formados por Lenin tenham tido certo protagonismo, como disse Trotsky). O bolchevismo também não criou a revolução camponesa cristalizada ao longo do ano. Nem a revolução das nacionalidades e a insubordinação do exército contra a guerra. Foram um fato; um produto da exploração, da opressão e da guerra.
Mesmo o fermento da revolta operária não foi gerado pelo bolchevismo; ele se criou nas condições dadas de repúdio ao czar e às condições brutais da vida. Há mil coisas que o bolchevismo não gerou, que aconteceram de forma objetiva.
Entretanto, e isto é fundamental, o que o bolchevismo conquistou foi a liderança do setor mais concentrado da classe trabalhadora e, através dela, se colocou à frente deste paralelogramo de forças, da revolução, como um partido revolucionário histórico.
Trata-se no fundo de uma questão da ordem da política, da ordem da estratégia, da ciência e da arte da política revolucionária.
Naturalmente, esta capacidade política de dirigir deve ser traduzida no momento “físico”, militar do caso: da insurreição, da guerra civil, da tomada do poder, da conspiração.
Mas o que queremos sublinhar aqui é a capacidade de fazer política revolucionária, de se colocar à frente do paralelogramo de forças geradas por todo um conjunto de circunstâncias; de avaliar suas determinações mais profundas.
Ter sensibilidade política para responder corretamente nos momentos em que se forma um paralelogramo de forças e a esquerda revolucionária, fazendo política revolucionária, aproveitá-la.
Trata-se da capacidade transformadora da política revolucionária, que se deduz das correlações que se formam objetivamente e das quais o partido, com capacidade política e sensibilidade, deve saber tirar proveito, convertendo-se em uma potência (criar poder, mover montanhas).
Não é tão simples “ver” este paralelogramo, é necessário avaliar a possibilidade. E isto é da ordem da “política pura”: é necessário conquistar a capacidade de alcançar boas avaliações políticas, de avaliar as mudanças na situação, de perceber os momentos em que os eventos políticos se condensam em um ponto.
Os paralelogramos de força são universais, são gerados de tempos em tempos, especialmente em sociedades com uma luta de classes dinâmica.
Entretanto, eles têm suas condições para uma política revolucionária. Primeiro, há que se ter um partido para aproveitá-las. Em segundo lugar, os paralelogramos se tornam mais críticos à medida que a burguesia está pior (o que redobra a necessidade de um partido!).
Terceiro, a arte da análise, da formulação da política, do entendimento de que o tempo político é tempo substantivo, não mecânico, não vazio. Isto se vê claramente em Trotsky: as conjunturas mudam.
É uma questão de entender essas conjunturas, de aprender a fazer política revolucionária, uma questão que determina tudo o mais e é da ordem da vida política cotidiana.
Todos estes conceitos são da ordem da ciência e da arte da política revolucionária que, no final, é outro curso. Porque o que estamos vendo aqui se “reduz” às correlações entre guerra, política e o partido revolucionário.
A questão das temporalidades é muito complexa e muito rica. Há uma sobreposição de temporalidades, de relações de forças; há “contratendências”. Um período político é conservador ou reacionário, mas talvez a “contratendência” seja progressivo, o que sempre requer uma avaliação concreta (ver a este respeito Ciência e a arte da política revolucionária).
A política revolucionária nunca é da ordem da mecânica, ela é sempre da ordem da dialética. Há sempre “contratendências”, tempos “alternativos”, pontos de apoio para a ação.
É por isso que a avaliação política não é fácil, requer habilidade, requer vínculos com as massas, não pode ser um laboratório, um tubo de ensaio. Temos que pensar no presente como uma temporalidade cheia de possibilidades.
Clausewitz afirma algo profundo: “a estratégia é muito simples, sustentá-la é que é difícil“. Estabelecer objetivos estratégicos é simples; depois há que conquistá-los.
O partido é um elemento construído conscientemente, o elemento consciente do paralelogramo de forças. Como fator subjetivo, ele não pode criar as correlações mais gerais, mas pode tirar proveito delas se elas existirem. Se o partido não existe, não pode explorá-los e levá-los adiante, se posicionar como um “fator objetivo” na cadeia de eventos.
Esta vantagem dada pelo partido é uma conquista do marxismo revolucionário do século XX, não do marxismo clássico de Marx e Engels.
Trotsky vai e vem em suas considerações sobre isto porque ele não é um subjetivista. Ele afirma que o que você não fez hoje pode não ser capaz de fazer amanhã. É uma profunda reflexão sobre a temporalidade na política. É um problema da ordem da criatividade histórica, política; das relações entre a luta de classes e o partido.
Em um dado momento, se você não aproveitar as circunstâncias, elas se voltam contra você e o momento passa.
O problema do poder é, eminentemente, um problema de tempo. O partido é um fator subjetivo que pode se tornar objetivo e até mesmo a personalidade dirigente pode se tornar um elo “objetivo” no processo histórico: Lenin à frente do partido bolchevique era insubstituível para essa batalha.
O elemento mais subjetivo, dadas as circunstâncias, pode aspirar a desempenhar um papel objetivo. O papel da personalidade na história – o fator mais subjetivo – pode ser imenso e não romper-se com o materialismo, se essa personalidade estiver no momento certo, à frente de um paralelogramo de forças que inclui um partido revolucionário com influência de massas.
Trazemos isto para lhes transmitir a imensa riqueza do elemento criativo da política; a capacidade de avaliar esses momentos.
NOTA:
[1] No caso de nosso partido, os exemplos dos dias 19 e 20 de dezembro de 2001; a Tenda Vermelha; novamente em 14 e 18 de dezembro de 2017. Não é que tenhamos dirigido as ações, mas que nosso partido, junto com outros da esquerda, apareceu com nossas bandeiras vermelhas de certa forma como “referência” das jornadas.
Tradução: José Roberto Silva
Publicado originalmente em https://izquierdaweb.com/suplemento-colocar-al-partido-a-la-cabeza-del-proceso-historico/