Estamos em uma conjuntura na qual está sendo medida a correlação de forças que decidirá pelo avanço das ameaças golpistas ou pela derrota do governo. Como a correlação de forças não aparece magicamente, é fruto de condições objetivas e do resultado dos enfrentamentos, a disposição, organização e táticas de luta são elementos decisivos. Por essa razão, é fundamental que todos os setores joguem peso na convocação do Fora Bolsonaro e Mourão neste 7 de setembro para retomarmos as lutas e construirmos ações de massa e, assim, esmagar de vez o neofascismo no Brasil que quer impor uma derrota histórica à classe trabalhadora.

ANTONIO SOLER

Há semanas que a convocação das manifestações governistas para o próximo dia 7 de setembro têm tomado o centro do noticiário e das preocupações em relação às crescentes ameaças de Bolsonaro ao regime. Esse elevar-se das preocupações se deve à que, a partir do processo lento, mas crescente de descontentamento, perda de popularidade, isolamento internacional e enfraquecimento do governo, Bolsonaro e seu movimento neofascista mobilizam mais amplamente as suas bases desejando impor uma correlação de forças mais favorável para se contrapor à perspectiva de derrota eleitoral em 2022, com chantagens de que não entregariam o poder por conta da falta de confiabilidade nas urnas eletrônicas.

O atual bloco de poder não é de todo estável e pode ruir diante da pressão oposicionista nas ruas, mas a blindagem que exerce a Presidência da Câmara, a instrumentalização da Procuradoria Geral da República, o controle da Polícia Federal e a grande presença de altos oficiais das forças armadas em seu governo, tem permitido a Bolsonaro crescentes ameaças aos demais poderes[1] e de não acatar o resultado das próximas eleições, o que se levado a cabo pode gerar uma agitação política de extrema direita com resultados não previstos de todo.

Não podemos perder de vista que Bolsonaro é um governo bonapartista (autoritário) eleito depois de manobras reacionárias – golpes parlamentares e judiciais com a tutela do Alto Comando das Forças Armadas – que quer liberdade para fechar o mesmo regime pelo qual foi eleito. Mesmo que enfraquecido, pretende e ainda tem ferramentas para impor ataques que tirem de suas costas o controle dos outros poderes ou qualquer contrapeso, regramento legal, a soberania popular e os direitos democráticos.

Apesar de enfraquecido, isolado e sem contexto histórico favorável para um golpe a lá 64, segue de fato perigoso pois ainda tem o apoio político em setores do agronegócio, empresários do comércio e serviços, caminhoneiros, policiais militares e baixo oficialato do exército e pode criar um clima de agitação de extrema direita totalmente desfavorável para as nossas lutas contra o avanço das reformas ultraliberais, por salário, emprego e direitos de organização e luta.[2]

Bolsonaro responde a seu enfraquecimento com ameaças

Os balanço dos indicadores econômicos, sociais e políticos não são favoráveis para o governo e demonstram as suas dificuldades para a reprodução em 2022 do seu projeto de poder.[3] Porém, ainda não há decisão majoritária da grande burguesia e da oligarquia política de retirar Bolsonaro do poder, pois o impeachment significaria interromper as contrarreformas que ainda estão em curso (privatização dos Correios, Reforma Trabalhista e Reforma Tributária)  e até abrir caminho para fazer retroceder a ofensiva reacionária que possibilitou o estabelecimento de um patamar de exploração e opressão qualitativamente superior sobre a classe trabalhadora.[4]

A burocracia lulista e psolista trabalham com a mesma estratégia de “sangrar” Bolsonaro até 2022, que se manifesta em várias frentes de atuação dessa burocracia, como nos estados e municípios que administra, no Congresso e na direção das centrais e movimentos sociais. Impulsionar a mobilização atrapalha a linha de reeditar a conciliação de classes para 2022, uma vez que passa longe da perspectiva desse setor qualquer governo que seja resultado de um movimento de baixo que abra uma correlação de forças favorável para a classe trabalhadora e suas demandas. Ou seja, à burocracia mais entreguista, conciliatória e traidora do mundo interessa que a classe não esteja na ofensiva para tentar evitar os choques inevitáveis com o bolsonarismo e com o grande capital.

Apesar do tensionamento crescente que tende a choques inevitáveis até 2022, essa estratégia da burocracia é um dos componentes que permitem a Bolsonaro se manter no poder. Mas Bolsonaro e seus aliados sabem das dificuldades para manter o seu projeto através do voto em 2022, por um lado, e de uma ruptura direta com o regime hoje, por outro. Assim, dentro deste cenário desfavorável mais geral[5], o bolsonarismo liga a chave de retomar o necessário protagonismo nas ruas para se manter vivo até 2022 e criar as condições de levar a disputa apertada no segundo turno, o que colocaria condições favoráveis para questionar o resultado das eleições.

Como foi derrotado na Câmara dos Deputados em relação ao projeto do voto impresso para 2022, tem a CPI o responsabilizando por milhares de mortes pela Covid-19, o STF impulsionando investigações e prisões que atingem diretamente o presidente e apoiadores e a recuperação econômica é bem mais lenta do que o necessário para recompor sua popularidade, a política reacionária e golpista quer entrar em cena em um novo patamar com a mobilização mais amplas da sua base de apoio.

Bolsonaro agora procura se mobilizar nas ruas de forma mais massiva e com ameaças de violência, diretamente apoiado em sua base de apoio no interior das forças repressivas estaduais, o que é uma tentativa de impor outro patamar de tensão. Agora, é importante que se reafirme que não se trata mais apenas de retórica golpista apenas, mas sim uma força extraparlamentar que quer colocar em movimento diretamente um processo de fechamento do regime que pode ter sérias consequências para a organização e luta dos trabalhadores, os direitos democráticos mais importantes que podemos ter em qualquer regime político.

Conseguirá mobilizar dezenas, centenas de milhares no próximo dia 7 e a partir daí impor uma conjuntura mais perigosa? Não se sabe, pois é preciso ver diretamente essa movimentação, como irá se desdobrar e como se estará organizado o outro lado: a classe trabalhadora, a esquerda e setores ultrarreacionários. Mas há sinais importantes de que essas manifestações terão muito mais peso do que as anteriores e, com certeza, serão mais perigosas, pois mobilizaram policiais e outros grupos armados, e de que podem colocar outro nível de tensão política para o próximo período.

Romper com eleitoralismo para derrotar o golpismo nas ruas

Estamos em uma conjuntura que está prestes a colocar a polarização política em um patamar diferente e que será decisiva para aferir a correlação de forças real entre as classes e seus setores, correlação que obviamente depende também da capacidade de mobilização da esquerda.

A definição da correlação de forças não passa pela resistência oferecida no STF e no Senado ou pelos atos do MBL, mas principalmente pela ação de massas nas ruas e pela organização da luta da classe trabalhadora. Por essa razão os atos do dia 7 de setembro têm um peso específico.[6]

Enquanto o governo reage com ameaças de ir a uma aventura golpista, a esquerda da ordem (PT, PCdoB e parte da direção do PSOL) deposita centralmente a esperança nas instituições burguesas, nas grades de proteção do mesmo regime que foi responsável pela derrubada de Dilma, prisão de Lula e eleição de Bolsonaro. É preciso romper com essa lógica.

O centro da política da nossa classe passa pela mais ampla unidade de ação – inclusive com setores da classe dominante – para derrotar o neofascismo. Essa unidade de ação nada tem a ver com compartilhar manifestos políticos, alianças eleitorais, frentes para lutar, fóruns de debate ou quaisquer alianças duradouras ou políticas, como está fazendo o PT e setores majoritários do PSOL. Diferente são as frentes para lutar que hoje se concretizam principalmente na Frente Fora Bolsonaro, uma ampla frente que tem a capacidade de mobilizar setores importantes da classe trabalhadora, mas que pela política da sua direção peca por não organizar mobilização desde a base, por não se ligar às lutas específicas de categoria de trabalhadores que evidenciam uma fundamental disposição de luta, limitar o programa apenas ao impeachment etc. Tudo isso, na verdade, dentro da estratégia lulista de levar o embate para 2022. 

Em relação à necessidade de mobilizar para derrotar o neofascimo, a ausência de Lula nas mobilizações é um crime político justificado (justificação) pela direção do PT que a partir de um malabarismo retórico afirma que a presença de Lula geraria aglomerações… Na verdade, Lula e o PT querem ganhar o apoio majoritário da classe dominante para sua candidatura, por isso não querem ser identificados diretamente com os protestos pelo Fora Bolsonaro.[7] Porém, em uma situação em que a batalha para massificar as lutas é a pedra de toque da política e em uma conjuntura em que ocorrem testes definitivos de correlação de forças, não usar todos os meios para convocar os atos é mais uma traição histórica de Lula e cia.

Enfim, considerando esses elementos, temos que ter claro que temos total condições de repudiar as ameaças golpistas, pois não têm apoio interno ou externo, mas diante da passividade e covardia da esquerda as condições para tal podem ser construídas. Uma lição básica de toda a história é que a correlação de forças não se constrói por fora da luta direta entre as classes, nesse sentido, quanto mais cedemos o espaço das ruas ao bolsonarismo melhores serão as suas condições de impor uma conjuntura em que o seu golpismo eventualmente possa materializar-se.

Do ponto de vista tático a movimentação para o 7 de setembro e para todo o próximo período passa  pela defesa da direção e base do PSOL que seja realizada a mais ampla unidade de ação nas ruas para fazermos verdadeiras barricadas políticas para que o bolsonarismo não avance, pela exigência cada vez mais sistemática de que a Frente Fora Bolsonaro organize Comitês Anti-neofascistas desde a base com todos os setores e pela exigência de que Lula tem a obrigação de convocar e participar das manifestações de rua.

Somado a isso, levando em consideração que a derrota do neofascimo precisa contar com as ferramentas mais poderosas da luta de classes, temos que exigir que as centrais, partidos e movimentos unifiquem as lutas pelas suas reivindicações específicas rumo à Greve Geral pelo Fora Bolsonaro e Mourão e por Eleições Gerais verdadeiramente democráticas para construir uma saída política que interesse aos explorados e oprimidos.  


[1]Apesar de a eleição de Bolsonaro ter sido resultado direto da não concessão pelo STF do legítimo pedido de habeas corpus depois de sua condenação – e prisão – em segunda instância para que Lula fosse candidato em 2018, tem hoje – já foi contra o Congresso antes do acordo com o “Centrão” – no STF o seu adversário número 1. Esse poder pela sua natureza e composição não pode ser cooptado diretamente pelo governo, este pode apenas indicar Ministros quando abrem vacâncias após a aposentadoria por idade, mas pode ser submetido a partir de uma ruptura direta da ordem e o seu fechamento, com o descumprimento de suas decisões ou pela pressão de outro poder. Assim, o STF tem se colocado como contrapeso a medidas governamentais que atacam diretamente o regime, tais como: a prisão de bolsonaristas que defendem diretamente o fechamento do STF, a determinação constitucional da abertura da CPI da Covid ao Presidente do Senado – que está causando desgaste no governo – e outros. Mas, como já ocorreu em outros momentos, como na citada negativa do habeas corpus para Lula, não é garantia alguma de defesa dos direitos.

[2] Além disso, conta ainda com a maioria na Câmara dos Deputados para evitar o impeachment que lhe é dada pelo “centrão” a um alto preço no orçamento, na máquina pública e presença no primeiro escalão do governo.

[3] PIB, inflação, crise hídrica e climática, aumento da violência, queda de popularidade do governo, continuidade da CPI e suas revelações de esquema de corrupção no ministério da Saúde e no interior do clã Bolsonaro, revelado pelo ministério público do Rio de Janeiro, a derrubada da minirreforma trabalhista no Senado, a carta da Febraban em defesa da “democracia” e a manutenção das investigações pelo STF contra fake News e ataques ao STF.

[4] O nível de regressismo que quer impor – apoiado sim por setores da classe dominante – em todas as áreas é de tamanha destrutividade que chega a ser incompatível com a atual estrutura político-institucional, podendo ser imposta apenas por governos burgueses reacionários e/ou processos de fechamento do regime por dentro do próprio, como o que temos assistido desde o impeachment de 2016.

[5] Redução das expectativas de crescimento econômico, a inflação galopante, a crise hídrica, o impacto indelével da pandemia sobre a vida das pessoas e a desidratação político-eleitoral do governo – sinalizando uma possível derrota eleitoral em 2022 para Lula.

[6] Olho que a burguesia da ordem está chamando um ato para o dia 12 – quer uma terceira via entre Lula e Bolsonaro e sabe que só pode conseguir demonstrando também força nas ruas – e pode colocar também milhares nas ruas, basta lembrar que foi esse setor que bancou o impeachment de Dilma nas ruas entre 2015 e 2016. Mas não é capaz de impor o impeachment, essa tarefa cabe à classe trabalhadora e aos oprimidos.

[7]  Setores da grande burguesia, particularmente a financeira, relutam ao alinhamento com Lula porque não querem mudar um milímetro sequer a atual política ultraliberal de teto dos gastos públicos, privatizações e destruição do que resta dos direitos trabalhistas. Mas, como na Carta ao povo brasileiro que antecedeu às eleições de 2022 não há nada que Lula e o PT não possam ceder para ganhar o apoio da burguesia.