Centrais sindicais deixam contrarreformas avançarem sem resistência

Frente a traição da burocracia, centrais, movimentos e partidos de esquerda precisam dar uma resposta efetiva e convocar atos em todos os estados

ANTONIO SOLER

No dia 11, Jair Bolsonaro assinou a Medida Provisória 905 que cria o programa “Emprego Verde e Amarelo”, programa calcado em isenções fiscais, baixos salários e precarização do trabalho.

Essa MP, que teria validade de 2 anos, aplica-se, a princípio, à criação do “primeiro emprego” com remuneração máxima de R$1.497 para jovens entre 18 e 29 anos. Segundo a medida, os postos de trabalho criados por ela poderão ocupar até 20% das empresas.

Na medida, o governo coloca também um “jabuti” que atinge o conjunto dos trabalhadores ao liberar, de contrabando, o trabalho aos sábados e domingos para todos os setores sem remuneração extra – hoje é pago 50% de horas extras aos sábados e 100% aos domingos.

A MP também prevê zerar a contribuição patronal ao INSS (Previdência Social), hoje é de 20%, reduzir de 8% para 2% ao FGTS (Fundo de Garantia ao Tempo de Serviço), reduzir a multa sobre o FGTS de 40% para 20% e zerar as alíquotas do Sistema S, do Salário-educação e do INCRA.

Para compensar uma queda de arrecadação estimada em R$10 bilhões, o governo propõe, na mesma MP, cobrar 7% a título de contribuição previdenciária dos beneficiários do Seguro-desemprego, o que geraria, segundo o governo, uma arrecadação de R$12 bilhões.

Como se vê, dentro da mesma orientação reacionária, ultraliberal, entreguista e de destruição dos direitos dos trabalhadores, o programa de criação de empregos[1] tem como base arrocho salarial, precarização trabalhista, isenção fiscal dos empresários e taxação de desempregados.  

Como reconhece o governo, esse é apenas um balão de ensaio parar instituir no futuro esse regime para o conjunto da força de trabalho. Na verdade, essa era a proposta inicial do governo, mas como poderia causar uma reação que iria atrapalhar os demais projetos ultrarreacionários que estão tramitando no Congresso, optou-se por um pacote voltado inicialmente para a juventude, mas que tem por objetivo último atingir o conjunto da classe trabalhadora de forma permanente.

Colaboração descarada com as contrarreformas

Além desse pacote em si, que abre as portas para impor uma situação generalizada de arrocho salarial, precarização, perda de direitos e isenção fiscal para a patronal – tudo às custas dos mais pobres – e outros que visam redução salarial, perda da estabilidade para servidores públicos e transferência direta de bilhões dos cofres públicos para o capital financeiro, causa, também, espécie a reação das centrais sindicais diante dessa situação.

Reunidas no dia 19/11 para discutir ações contra a MP 905, as centrais limitaram-se em tirar como ações de “resistência” uma semana de panfletagens entre os dias 2 e 6 de dezembro e apontar para a realização de atividades no dia 8 de março e 1º de maio…Ou seja, até lá essa MP, que tem 45 dias para ser votada, e outros projetos de emenda constitucional e projetos de lei, tão destrutivos quanto, já foram aprovados e sacramentados.

Enquanto governo, congresso e classe dominante estão unificados em torno das contrarreformas, as centrais burocráticas e os partidos de “esquerda” apostam única e exclusivamente na ação parlamentar como forma de “resistência”, enquanto deveriam apostar centralmente na luta direta para repudiar esses duros ataques.

O resultado todos conhecem, as “reformas” avançam de vento em proa sem que se faça uma resistência efetiva, o que alimenta ainda mais o apetite do bloco reacionário no poder para impor outros ataques. Além das perdas materiais, as traições da burocracia sindical e política são nefastas também, pois derrotas sem resistência não contribuem para ganhos de consciência e organização que prepararam futuras lutas.

Foi exatamente assim com a “reforma” da Previdência: as centrais e os partidos da ordem (CUT, PT e outros), ao invés de mobilizar, apostaram na negociação para torná-la mais “palatável”. Como resultado, além de ter sido aprovada uma “reforma” duríssima para o conjunto da classe trabalhadora, um texto paralelo foi votado pelo Senado para reincluir servidores dos estados e municípios nos mesmos critérios. Ou seja, a política aplicada pelos setores citados acima, de esvaziar a luta para “negociar” pontos do projeto, gerou apenas derrota sem resistência efetiva e o fortalecimento da ofensiva reacionária do governo e da patronal.   

Das centrais e movimentos combativos se espera mais

Em relatório da reunião das centrais, a CSP-Conlutas coloca que seu representante na reunião das centrais interveio no sentido de que “não dá para aceitar que o governo faça esse grau de medidas brutais contra a classe e a gente não reaja, ou como direção não apontemos o caminho. Nós chamamos a todos os sindicatos e movimentos sociais a se mobilizarem em seus estados e regiões. Vamos construir e reunir os lutadores para que a nossa classe se levante contra esse governo porque é necessário, vamos seguir o exemplo do Chile e dos povos que estão lutando pelo mundo”.[2]

Concordamos completamente com o companheiro, é um absurdo não tomar medidas para mobilizar imediatamente contra os ataques que tramitam em todas as esferas. Mas, a questão que fica sem resposta é: por que diante de mais essa traição da CUT (dirigida pelo PT e por Lula) e das demais centrais frente à ofensiva do governo e da patronal, a CSP (dirigida majoritariamente pelo PSTU), enquanto central combativa, não se coloca imediatamente à frente da organização de atos centralizados nos estados? Para isso não deveria chamar à ação as demais centrais sindicais, como as Intersindicais (uma dirigida por forças do PSOL e outra por independentes), o MTST e os demais movimentos e organizações independentes da burocracia e do governo?

Simplesmente constatar a falência das centrais e partidos pelegos, como faz a direção do PSTU e do PSOL, diante dos ataques do governo não é suficiente. É preciso, além da correta denúncia à postura dos setores burocráticos, organizar praticamente os setores da classe trabalhadora dirigidos pelas centrais e movimentos independentes e, também, chamar desde a base os demais setores da classe e da juventude para a resistência efetiva. Do contrário, acabamos ficando simplesmente como ala esquerda da burocracia e do oportunismo que graça no interior do movimento sindical e político.

Obviamente que precisamos lutar sistematicamente pela unidade entre todos, mas essa luta não pode significar a inércia dos setores combativos diante da hecatombe que quer impor Bolsonaro e a classe dominante. Assim, estamos diante do desafio de apontar efetivamente o caminho da resistência a partir das forças que dispomos hoje. Do contrário, ficaremos engatados no trem oportunista das centrais pelegas e não contribuiremos para a resistência – a exemplo de demais países da América Latina – que a classe trabalhadora tende a desenvolver frente aos ataques que está sofrendo.


[1] Enquanto o desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos era de 25,8% no segundo trimestre de 2019, o geral era de 12% (IBGE).

[2] http://cspconlutas.org.br/2019/11/centrais-sindicais-propoem-semana-de-agitacao-pela-revogacao-do-pacote-de-bolsonaro-e-por-emprego/.