A vitória do governo na eleição da Presidência da Câmara dos Deputados demonstrou que não há situação tática que justifique o abandono dos princípios básicos da luta de classes, como tantas vezes afirmado por nós e por outros setores dentro e fora do PSOL. Agora, depois deste processo, a grande tarefa nesse momento é construir a unidade de ação e frentes para lutar desde a base com um programa para enfrentar a crescente pandemia, desemprego e autoritarismo.
ANTONIO SOLER
É verdade que não se faz política apenas com princípios, são necessárias estratégias e táticas adequadas a cada etapa ou momento da luta. Mas a perda deste horizonte mais profundo da política invariavelmente leva a desastres a curto, médio ou longo prazo. Isso foi por n vezes demonstrado na história da luta dos trabalhadores e dos oprimidos.
Desta forma, o falacioso argumento do PT e de setores do PSOL, como o MES, de que para derrotar Bolsonaro era necessário renunciar à uma frente classista, programa anticapitalista e mobilização popular, entrando no bloco da direita tradicional e apoiando o seu candidato (Baleia Rossi – MDB), foi totalmente desmoralizado com a vitória do governo com Arthur Lira (PP) no primeiro turno com 302 votos comprados – mais do que o dobro de Rossi, que ficou com 145 votos – ao preço de R$ 3 bilhões de emendas parlamentares e milhares de cargos.
Provavelmente, uma candidatura própria da esquerda, centrada no fora Bolsonaro, vacinas para todos, renda básica, não às privatizações e contrarreformas – como foi a candidatura de Luiza Erundina (PSOL), que obteve 16 votos – não pudesse ser vitoriosa nesse processo devido ao típico fisiologismo que impera no parlamento burguês e à uma correlação de forças ainda desfavorável.
Porém, uma candidatura classista assim teria, sem dúvida, um impacto político que transcenderia à disputa do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, pois reuniria ao seu redor as necessidades políticas dos trabalhadores/oprimidos de todo o país, empalmado com a queda de popularidade do governo diante do crescente desemprego, pandemia e pobreza das massas e vontade de lutar, manifestada nas carreatas e em lutas de setores específicos por todo o país, como é o caso das greves sanitárias decretadas por professores no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Lutar contra “reformas” reacionárias em curso
Agora, com a eleição de Lira, chefe do “Centrão” (grupo de partidos identificados com o que há de mais fisiologista no legislativo nacional que estão fora do centro das decisões políticas desde a renúncia e prisão de Eduardo Cunha, do MDB) e notório corrupto investigado – em câmera lenta – pelo STF, parece que o movimento iniciado por Bolsonaro a partir do meio do ano passado para se preservar de um processo de impeachment, de restabelecer taticamente o presidencialismo de coalizão ganha capilaridade.
Certamente que se trata de um presidencialismo de coalizão de extrema direita e de uma coalizão fisiologista que estará, da mesma forma que na anterior composição, abertamente a serviço das contrarreformas que interessam ao grande capital, particularmente ao financeiro, uma agenda criminosa que presenteia banqueiros e grandes capitalistas para que pautem a agenda legislativa diretamente conforme os seus interesses.
Em primeiro lugar, cabe delimitar que o presidencialismo bolsonarista é apenas um recuo tático em relação às suas ameaças golpistas, não uma mudança estratégica. Nesse sentido, declarações de Bolsonaro de que se o voto em 2022 continuar em urna eletrônica a crise política será mais grave do que a dos EUA e medidas como o fim da taxação para a importação de armas estão a serviço de preparar material e ideologicamente a sua base para a hipótese de levar adiante um golpe diante de uma derrota eleitoral em 2022. Esse é um cenário de ameaças ainda mais sérias do que as feitas por Donald Trump nos EUA e que não podemos tratar de forma leviana.
Por outro lado, tentará passar as contrarreformas prioritariamente nesse primeiro momento, como já declarou Lira que quer servir Bolsonaro sem perder o apoio do grande capital, pelas pautas diretamente neoliberais, tais como: estabelecer a autonomia do Banco Central para que este esteja ainda mais a serviço do capital financeiro em sua política monetária – matéria que já será levada a votação amanhã – pela reforma administrativa para acabar com a estabilidade dos servidores públicos e estabelecer um gatilho que permita redução de salários desses trabalhadores e por uma reforma tributária que se limite a simplificar a arrecadação sem alterar em nada o fato de que as grandes fortunas, lucros e dividendos não são taxados nesse país.
Se for aprovado esse novo pacote de “reformas” e houver correlação de forças para tal, o governo já enviou uma lista de prioridades que passam por projetos que visam o afrouxamento para o porte de armas, excludente de ilicitude (autorização para matar em suposta ação de legítima defesa) para militares em operações de garantia da lei e da ordem, atividades em terras indígenas, desregulamentação da legislação ambiental… Ou seja, a mal denominada pauta de “costumes” que visa atender aos interesses de setores da classe dominante que apoiam o governo e da sua base social mais sólida, pequenos burgueses, autônomos e policiais.
Para finalizar, em que pese que Bolsonaro tenha se fortalecido com a vitória na condução do Congresso Nacional, existem contradições econômico-sociais-sanitárias que crescem na realidade (desemprego, inflação, pobreza e pandemia em alta – associadas com perda de popularidade e retomada da luta nas ruas – principalmente carretas no momento) contra o governo e de importantes lutas setoriais sobre as quais temos que nos apoiar para lutar em frente única de luta direta por vacina já para todos, renda mínima para desempregados, fora Bolsonaro e eleições gerais.