“REFORMA” DA PREVIDÊNCIA É ATAQUE HISTÓRICO AOS TRABALHADORES

Organizar a Greve Geral contra essa “reforma” 

Por Antonio Soler, Gabriel Barreto e Sara Vieira

Na manhã da quarta-feira (20) Jair Bolsonaro entregou pessoalmente a PEC 6/2019 que traz a proposta de reforma da Previdência ao Congresso Nacional. Em discurso feito no Gabinete do Presidente da Câmara dos Deputados Bolsonaro afirmou que “eu errei no passado e temos a oportunidade ímpar de realmente garantir para as futuras gerações uma previdência onde todos possam receber”.

A importância dada mostra que a aposta do governo é aprovar essa contrarreforma o mais rápido possível, articular com o Congresso e fazer um contraponto à crise interna que o colocou contra a parede após sucessivos escândalos de corrupção envolvendo o núcleo duro da família Bolsonaro e esquemas de candidatos laranja que marcaram a campanha eleitoral do PSL e culminaram na demissão do ministro Bebianno.

A articulação para aprovar mais esse ataque aos trabalhadores deve amenizar diferenças entre frações da burguesia que apostam no discurso “anticorrupção” ao mesmo tempo que apoiam fortemente a proposta de reforma apresentada pela PEC da Previdência.

Esse projeto deve começar a tramitar depois do Carnaval pela Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, que provavelmente terá como Presidente um membro do partido de Bolsonaro e a relatoria com um membro do “centrão”. De acordo com rito parlamentar a PEC 6/2019 deve ser aprovada em dois turnos tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.

Os patrões e o governo irão vender a reforma dizendo que o projeto ataca privilégios e aqueles que ganham mais, reforçando mais uma vez o discurso distorcido anti-serviços públicos que coloca os “marajás” como referência e esconde a massa de servidores que serão efetivamente afetados por essa contrarreforma e também pelos ataques a níveis estadual e municipal.

Repercute também a medida que acaba com a aposentadoria especial de políticos, colocando o teto do INSS (R$5.839) como limite. Mas claro, essa é mais uma manobra, como se o político que passa anos recebendo salários várias vezes maiores que o salário dos trabalhadores, auxílio-moradia e outras regalias dependesse da aposentadoria para sobreviver.

A estratégia de comunicação em relação ao governo Temer mudou, não se fala mais que a reforma é para reduzir o déficit público, agora o grande capital, o governo e a grande mídia afirmam que a proposta vem para corrigir injustiças do antigo regime previdenciário.

Mas basta uma simples apreciação da proposta elaborada por Paulo Guedes e sua equipe de ultraliberais para se verificar que se trata é de mais um profundo ataque aos trabalhadores visando mais recursos para remunerar o grande capital financeiro, por um lado, e começar a impor o regime de capitalização privado que irá auferir bilhões para o capital financeiro.

O regime de Capitalização Individual, modalidade que deverá substituir o INSS para muitos trabalhadores, foi implementado no Chile desde a década de 1980,  inspirado no modelo neoliberal de economistas que estudaram na escola de economia de Chicago, Chicago Boys como Paulo Guedes que hoje dão a tônica da política econômica.

Ataque aos trabalhadores, às mulheres e aos mais pobres e precarizados

Vamos aqui apresentar os principais pontos da PEC que altera o sistema de aposentadoria.

Idade Mínima

A idade mínima de aposentadoria será de 65 anos para homens e 62 anos para as mulheres, o que sequer garante aposentadoria integral, porque precisa ser combinada com 40 anos de contribuição. A mudança da idade mínima ataque diretamente as mulheres, que serão as mais atingidas com o aumento de anos trabalhados em relação aos homens.

Os políticos dos capitalistas, os magistrados e juízes do judiciário, o alto escalão dos militares e o próprio presidente podem e seguirão podendo se aposentar muito antes, com dezenas de milhares de reais de salário vitalício.

Benefício de Prestação Continuada (BPC)

Esse dispositivo garantia um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que estão em situação de extrema vulnerabilidade social (renda por pessoa do grupo familiar inferior a ¼ de salário mínimo).

Com a reforma só terá direito a receber o benefício de um salário mínimo aos 70 anos, recebendo um pequeno paliativo de R$ 400,00 a partir dos 60 anos.

Para obter a aposentadoria integral os trabalhadores terão que contribuir 40 anos no mínimo e 20 anos para obter apenas 60% do benefício. Isso em uma situação em que mais de 40% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade, ou seja, quase 40 milhões de pessoas.[1]

Aposentadoria Rural

Em relação à aposentadoria rural, a regra atual é de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens. Agora, a idade mínima para a trabalhadora rural será elevada para 60 anos. A idade do homem fica mantida. Além disso, institui-se o caráter contributivo para a previdência rural. Hoje basta o trabalhador comprovar 15 anos de atividade rural, mesmo que nunca tenha contribuindo. De agora em diante terá que contribuir por 20 anos.

Aposentadoria dos Professores

Hoje não há idade mínima para professores e se exige 25 anos de contribuição para mulheres e 30 para homens. Será preciso, para ambos os sexos, comprovar 30 anos de contribuição exclusivamente exercendo função de professor, seja na educação infantil, ensino fundamental ou médio, dez anos de efetivo exercício de serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria. Além disso, será necessário ter idade mínima de 60 anos para homens e mulheres.

Cálculo de Vencimentos

O cálculo da aposentadoria a ser recebida pelos trabalhadores segundo a proposta de reforma da Previdência encaminhada hoje ao Congresso considerará a média de 100% das contribuições feitas ao longo da vida.

A partir daí, o benefício será definido, considerando o tempo de contribuição. Atualmente, o cálculo do valor do benefício considera a média de 80% das maiores contribuições, ou seja, 20% delas (as menores) são descartadas.

Pensão por morte

Hoje a pensão por morte é 100%, com a nova proposta será de apenas 60% do benefício. O beneficiário receberá apenas 60% do benefício mais 10% por dependente.

Com a instituição da idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para homens, elimina-se a aposentadoria por tempo de contribuição.

Aposentadoria por Incapacidade Permanente

Hoje a regra de cálculo de benefício representa 100%. Pela proposta o benefício passará a ser de 60% mais 2% por ano de contribuição que exceder 20 anos multiplicado pela média dos salários de contribuição.

Mudança de alíquota

Os servidores públicos serão um dos setores mais afetados. A contribuição previdenciária deve aumentar dos 11% cobrados do salário hoje para 14%, com direito a uma taxa extraordinária de até 8% a mais. Isso poderia fazer com que 22% do salário de um servidor seja destinado à contribuição para a previdência.

Militares

Estão fora da Reforma Militares das Forças Armadas, Policiais Militares e Bombeiros Militares. Estão na reforma Policiais Civis, Policiais Federais e Agentes Penitenciários e do sistema Socioeducativo.

A proposta de capitalização

A proposta de capitalização não consta do projeto. O Governo prevê um regime de capitalização, não estabelece detalhes e remete para Lei Complementar. O que a equipe tem defendido publicamente é que a capitalização será uma medida complementar à chamada ‘carteira verde-amarela’, um regime com menos direitos trabalhistas que o governo pretende implementar.

A proposta de capitalização significa o fim da Previdência Social e seu caráter solidário.

No Chile, o modelo tornou idosos miseráveis: 90% dos aposentados recebe menos de dois terços do salário mínimo do país. A taxa de suicídio entre octogenários é a maior na América Latina.

Quebrar a solidariedade entre os trabalhadores

Além do conjunto de ataques que estão sendo desferidos aos trabalhadores na  proposta de “reforma” da Previdência de Bolsonaro, querem acabar com qualquer tradição de solidariedade e cuidado mútuo entre as gerações de trabalhadores no interior da classe trabalhadora que teve origem histórica com as primeiras grandes lutas operárias no século XIX.

Todas as contrarreformas desse governo além dos ataques econômicos e sociais trazem em seu bojo um claro balizador ideológico que é o de transformar a classe trabalhadora em uma massa amorfa de indivíduos que permaneçam no horizonte estreito do individualismo, da concorrência e da acumulação. Isso porque a guerra econômica permanente contra a classe trabalhadora exige em primeiro lugar o desarme ideológico para que se possa realizar o político – condição fundamental para os ataques econômicos.        

A retórica do governo e de todos os “reformistas” de plantão é de que é “dramática a situação da previdência” porque a população tende a envelhecer de forma inexorável e, portanto, os jovens não poderiam arcar com os custos do sistema. Essa narrativa parte de um problema real que é a tendência de envelhecimento da população, um problema demográfico real para desconsiderar os econômicos, sociais e políticos para assim “justificar” cortes de direitos, redução dos benefícios, aumento da idade mínima.

Parte essencial das manipulações em relação a Previdência está o tema do “déficit” como argumento indefectível a favor da “reforma”. Mas uma série de especialistas no tema afirmam que o chamado déficit só aparece quando se retira do cálculo receitas que são previstas na Constituição. Ou seja, o governo, os técnicos do grande capital e a mídia de massas baseiam-se em uma manobra contábil primária para atacar os trabalhadores e os seus direitos.  

A proposta da reforma da previdência também tenta se fundamentar sobre a ideia de que o pagamento das aposentadorias dos “servidores privilegiados” é a principal causa dos déficits públicos que estão inibindo o crescimento econômico, a criação de empregos e o aumento da renda dos trabalhadores, e que se não for feita colocará em perigo a aposentadoria dos “mais pobres” nos próximos anos.

A grande questão é que o cálculo feito pelo governo na qual se chega a um “déficit da Previdência” não leva em consideração o conjunto de programas sociais que são compostos pela Saúde, Assistência Social e a própria Previdência Social, tripé que forma a Seguridade Social e foi fruto da Constituição Federal de 1988.[2]  

Para financiar a Seguridade Social como um todo foram criadas basicamente 4  receitas: as empresas contribuem sobre o lucro (CSLL) e pagam a parte patronal da contribuição sobre a folha de salários (INSS); os trabalhadores contribuem sobre seus salários (INSS) e a sociedade como um todo contribui por meio da contribuição embutida em tudo o que adquire (COFINS). Segundo dados oficiais, a Seguridade Social nos últimos anos foi superavitária em bilhões[3] até 2015. Mas como a prioridade dos governos foi destinar recursos para o pagamento da dívida pública essa sobra acabou sendo absorvida e não foi utilizada no investimento.

No cálculo do governo o déficit aparece porque só se considera o que entra de arrecadação do INSS para se financiar a Previdência Social como um todo, as demais receitas são desconsideradas, em um cálculo que não se sustenta na Constituição Federal que estabelece a Seguridade Social como um sistema composto pelas três áreas citadas anteriormente.

Prova do superávit é que parte das receitas são retiradas desse orçamento pela DRU – mecanismo de retirada de receitas públicas da saúde e seguridade para ser usado em outras áreas e pagamento dos juros da dívida pública que em 2018 retirou 40,66% do Orçamento Federal.

O grande objetivo do governo é favorecer o capital financeiro em duas frentes, em uma no sentido de garantir taxas de lucratividade cada vez maior, a outra é manter a desoneração das grandes empresas e a última é transferir paulatinamente todo o montante das contribuições dos trabalhadores para o sistema de previdência privada, um verdadeiro “Negócio da China”…

O discurso do governo para convencer a população em relação à reforma da previdência é de que ela irá reduzir desigualdades(sic). No entanto, a reforma não faz nada além de reduzir de forma drástica os benéficos dos mais pobres, dificultar e restringir o acesso à aposentadoria.

Esse é o caso daqueles que tem 65 anos e vivem em situação de pobreza extrema, hoje têm direito ao salário mínimo, se a reforma for aprovada passará a receber R$ 400,00. Por outro lado, com isenção de impostos e subsídios às grandes empresas entre 2010 e 2019 chegou a R$ 4 trilhões – praticamente se poderia pagar o montante da dívida pública.

Além disso, os donos do grande o capital financeiro a cada ano recebem mais de R$ 300 bilhões por ano de juros e as grandes empresas devem fortunas a previdência: Bradesco R$ 465 milhões, Vale R$ 275 milhões e a JBS R$ 1,8 bilhão.[4]

A construção ideológica do governo não para por aí, suas lideranças no Congresso, os economistas ligados ao mercado financeiro e a grande mídia dizem que a reforma irá combater privilégios no setor público, pois não se pode pagar aposentadoria para os altos salários.[5]

O centro da argumentação do governo porém vai no sentido de que sem reforma o país não poderá crescer, novos empregos serem gerados e a renda do trabalhador aumentar, além disso que o país irá quebrar pois não poderá financiar suas contas.

Cria-se então um estado de emergência fictício para tentar impor a reforma que no fundo visa reservar uma parte maior das verbas da seguridade social para o remuneração do capital financeiro que já fica hoje com 46% do orçamento público e empurrar mais pessoas para os fundos de pensão ou previdência privada.

Luta contra a “reforma” da Previdência marcará toda uma etapa

A Previdência Social que foi uma conquista histórica da classe trabalhadora, uma expressão institucional da solidariedade de classe e da ajuda mútua está seriamente ameaçada.

A “reforma” da Previdência de Bolsonaro sem dúvida se configura como um dos maiores ataques à classe trabalhadora e aos oprimidos da nossa histórica, pois ataca as condições mínimas de existência dos mais pobres, retira direitos e aprofunda as desigualdades entre homens e mulheres.

O governo semi-bonapartista de direita de Bolsonaro quer com essa “reforma” dar um passo fundamental para quebrar a coluna vertebral dos de baixo. As contrarreformas que estão em curso combinam ataques políticos e econômicos, pretendem suplantar qualquer vestígio material e espiritual de consciência de classe e impor as condições políticos para um aprofundamento ainda maior da exploração e retrocessos históricos em vários campos.

Para isso sufocar qualquer resistência, estabelecendo assim uma uma derrota estrutural, e impor aos trabalhadores uma situação de defensiva que total é fundamental. Porém, entre a vontade da classe dominante e a realização dos seus projetos existe um hiato que é ocupado pela luta de classes.

Não é por acaso que no Congresso o clima é de certa apreensão. Deputados Federais e Senadores sabem que a tramitação da PEC não será um passeio, por isso só vão fazer o trabalho sujo depois que o governo der os cargos do segundo escalão prometidos e também estão à espera da proposta de reforma em relação aos militares através de lei ordinária para que possam justificar o tremendo ataque aos trabalhadores.[6]

Para inviabilizar a tramitação desse projeto será necessária uma luta histórica dos trabalhadores, mas consideramos que a partir do momento que a classe trabalhadora e os oprimidos se derem conta do teor dessa PEC todos se indignarão. Por isso, o trabalho de propaganda nesse momento é decisivo.

Não podemos permitir que os dirigentes da CUT, demais centrais e do PT façam como em 2017, pois em vez de dar continuidade a luta que teve um momento importante na greve geral de 28 de abril, desmobilizaram os trabalhadores em troca de negociações com o governo, o que resultou na contrarreforma trabalhista, na prisão de Lula e até, por consequência, na eleição de Bolsonaro.   

Nesse sentido, consideramos que a primeira ação organizada pelas centrais, a Assembleia da Classe Trabalhadora no dia 20 de fevereiro foi importante, mas peca por um problema básico, foi realizada às 10 horas, dificultando a participação mais ampla.

Esse não é um problema secundário, pois sem a construção da resistência desde a base e de forma ativa dos trabalhadores, do movimento de mulheres e da juventude não poderemos derrotar esse tremendo ataque.

 

 

[1] Mesmo compondo 54% da população brasileira em idade de trabalhar, os negros somam 62,6% dos desocupados, quase metade (46,9%) da população preta ou parda está na informalidade, enquanto o percentual entre brancos é 33,7% e entre os 10% dos brasileiros com os menores salários, 78,5% são pretos ou pardos. Por outro lado, apenas 24,8% dos que recebem os maiores rendimentos não são brancos. A desigualdade se manteve na comparação por sexos. Uma mulher informal recebeu, em média, 73% de um homem na mesma condição.

[2] Fattorelli, Maria Lucia. A máscara do “déficit da Previdência. 18 de abril, 2017

[3] Idem: “A sobra de recursos foi de R$72,7 bilhões em 2005; R$ 53,9 bilhões em 2010; R$ 76,1 bilhões em 2011; R$ 82,8 bilhões em 2012; R$ 76,4 bilhões em 2013; R$ 55,7 bilhões em 2014, e R$11,7 bilhões em 2015.”

[4] O Santander e o Itáu que devem respectivamente R$338 milhões e R$25 bilhões à Receita Federal tiveram suas dívidas perdoadas.

[5] Não existe uma proposta de redução dos altos salários – todos servidores que entraram no serviço público depois de 2013, já estão no teto do regime geral que hoje é de R$ 5.832,00 – pois parte significativa destes, os acima de 10 mil já estão indo para pagar a previdência privada.

[6] O fato de a proposta não conter os militares causou crÍticas mesmo de partidos da suposta base aliada do governo, tais como do presidente do PP, DEM, Podemos e PRB. Os parlamentares consideraram a proposta mais dura do que a enviada por Temer por isso tendem a fazer ajustes – sem perder o fundamental dos ataques – na proposta para torná-la mais palatável. Temas como a igualização da aposentadoria rural para homens e mulheres contidos no BPC os parlamentares consideram difícil de aprovar. Outro ponto polêmico é que no novo sistema a proposta é que pessoas de 60 a 70 anos em condição de extrema pobreza receberiam apenas R$400, apenas a partir de 70 anos o valor do benefício chegaria a um salário mínimo.