Há 70 anos da revolução operária de 52 na Bolívia, apresentamos um artigo de nossa corrente que aborda como a perda da independência de classe pode nos levar a uma política que atrasa/desvia/derrota o processo revolucionário. A teoria campista, construída pelo stalinismo, defende que a luta de classes seria feita de dois campos em enfrentamento apenas, ou seja, que a classe trabalhadora tem que estar no “campo progressista com a burguesia” versus o “campo reacionário”, e não construir um campo político próprio com os demeais explorados e oprimidos, como manda corretamente a tradição revolucionária dos bolcheviques, de Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo e Gramsci. Dentro do campismo, podemos estabelecer alianças eleitorais/estratégicas ou governos com setores “progressistas” da classe dominante sem terríveis consequências estratégicas. A aplicação dessa pseudo teoria pelo partido trotskista boliviano, que contribuiu para a derrota da Revolução Boliviana e de outros processos durante o século XX, é exatamente a mesma que está seguindo a direção do PSOL com o apoio de parte da sua ala esquerda – MES, a Resistência e a Insurgência – ao defender a federação com a Rede e o ingresso na chapa Lula-Alckmin.

Uma revolução operária na contramão das tendências do período

“As classes aprendem as dimensões de seu poder e a eficiência de seu poder não a partir de análises prévias, que são todas incompletas ou presunçosas ou totalmente inexistentes, como consequência desses limites cognitivos de tais sociedades no momento de quietude, mas a partir da prática; o que elas podem e o que não é o que são”. (Zavaleta Mercado, Clases sociales y conocimiento)

Após as eleições “frustradas” de 1951, nas quais o POR chama voto nulo, as contradições já estavam bem avançadas. Apesar de um eleitorado restrito de pouco mais de 105.000 eleitores em um universo pré-estabelecido de 211.000 eleitores em 1951, com uma população de mais de 3 milhões de habitantes, o MNR, com seu candidato Paz Estenssoro, obteve 54.000 votos contra o segundo colocado PURS, que obteve pouco menos de 40.000 (E. de Oliveira Andrade, La revolución boliviana).

O que esta eleição representa é que o MNR tinha uma base nos grandes centros urbanos; isto se refletirá posteriormente em seu desejo de ganhar o governo nacional, quando a classe trabalhadora faz o trabalho de destruir o exército.

O MNR já vinha trabalhando há algum tempo sobre como tomar o poder por meio de uma estratégia conspiratória e elitista, separada dos confrontos diretos ou da mobilização de massa. É por isso que trabalha oportunistamente quando no ano de 52, após o primeiro dia de combate, se retirou da luta porque acreditava que a tentativa conspiratória havia falhado.

Por outro lado, o POR, após o 3º congresso da Quarta Internacional, realizado entre agosto e setembro de 1951 em Paris, tomará uma das piores decisões para o movimento operário boliviano e também para o internacional. A direção da Quarta Internacional liderada por Pablo e Mandel determinou que o mundo estava se preparando para uma terceira guerra mundial que iria separar o mundo em dois “campos”. Com esta justificação, a Quarta Internacional se alinharia com a burocracia estalinista.

O que a Internacional determinou foi que todos os grupos trotskistas deveriam realizar o “entrismo” nos PCs ou nos partidos nacionalistas de massa no Terceiro Mundo. Embora houvesse discussões por parte da seção francesa, a posição majoritária era dissolver os núcleos da jovem organização internacional nas formações burocráticas ou reformistas.

É neste ponto que as divisões dentro da Internacional começaram. Este curso escandalosamente oportunista teria consequências trágicas em todo o mundo e em particular e imediatamente na Bolívia. O POR levaria à letra o que a liderança internacional havia proposto. Isto significava deixar todo o campo aberto para o MNR.

Isto é demonstrado pelas resoluções do Congresso dedicadas à América Latina: “Intervir energicamente na América Latina com o objetivo de promover o mais fortemente possível a tomada do poder pelo MNR, com base em um programa progressista de frente única anti-imperialista”.

Foi assim que a POR mudou vergonhosamente sua política em relação à classe trabalhadora. Sob a influência das orientações da Internacional, eles se desviam de um curso de independência de classe e começam a ver o MNR como aquele que deveria liderar o proletariado, e não o partido revolucionário.

A grande tragédia do proletariado na Bolívia é que quando mais precisava da liderança revolucionária, esta havia abandonado a perspectiva independente e cedido ao partido pequeno burguês, que tentaria no momento oportuno apropriar-se da revolução como uma “revolução nacionalista” e não uma revolução operária e socialista, como teria sido construída e para a qual existiam tantas condições.

Tradução: José Roberto Silva

Publicado originalmente em https://izquierdaweb.com/una-revolucion-obrera-a-contramano-de-las-tendencias-del-periodo/