Essa é uma catástrofe típica da nova época geológica fundada pela lógica do capital que traz desafios inauditos para a esquerda e para os explorados e oprimidos.[1] De um lado, temos uma barbárie socioambiental planetária prefigurada e, de outro, a possibilidade de, a partir da luta que se pode organizar diante do sofrimento causado por essa e outras catástrofes, reacender a luta anticapitalista e socialista no interior do movimento de massas.

ANTONIO SOLER

“Com esse nível de aquecimento, os limites de adaptação serão atingidos no que concerne aos sistemas urbanos de abastecimento de água, às pessoas mais sensíveis ao calor, à produtividade agrícola e à segurança alimentar. Além disso, o potencial de adaptação em caso de conflito por propriedades de terras diminuirá significativamente, o risco de insegurança alimentar (África e Ásia) e desnutrição (África, Ásia Central e do Sul) será alto e muito alto, e o risco de enchentes se tornará mais comum na Ásia e nas Américas Central, do Sul e do Norte” (United Nations Framework Convertion on Climate Change. Citado em Enfrentando o antropoceno por Ian Angus, p.117)

 “A ruptura metabólica refere-se, assim, a uma ruptura no metabolismo de todo o sistema ecológico, incluindo, a parte humana desse sistema. O conceito é construído em torno da ideia de que a lógica de acumulação rompe os processos básicos de reprodução natural, levando à deterioração do meio ambiente e da sustentabilidade ecológica e interrompendo as operações básicas da natureza. Ela captura perfeitamente a falta de equilíbrio entre ‘despesas e receitas’ no metabolismo da Terra sob o sistema capitalista.” (Del Weston, Political Economy of Global Warming: The Terminal Crisis. Idem, p. 135)

As cheias atingiram todos os aspectos da vida no Rio Grande do Sul (RS). Não se pode desconsiderar que, devido à magnitude das chuvas que atingem todo o estado, aspectos atmosféricos, morfológicos, antropização e políticas públicas, esse é um fenômeno extremamente amplo, complexo e dinâmico. Por isso, o conjunto dessas variáveis não permite ainda uma visão nítida da profundidade e amplitude do fenômeno, o que exige cuidados em relação à tomada de dados e conclusões.

Quando fechamos a edição dessa nota, de acordo com órgãos oficiais, a catástrofe socioambiental havia deixado um rastro de 473 municípios atingidos, 39.595 pessoas em abrigos, 580.111 desalojadas, 169 mortas, 44 desaparecidas e 2.347.664 afetadas. A infraestrutura do estado foi largamente afetada com mais de 440 mil pontos sem energia elétrica e 750 mil casas sem água potável.

Em Porto Alegre (Capital), cinco das seis estações de tratamento de água colapsaram ficaram inoperantes, com isso 85% da Capital do estado e dos municípios da região metropolitana ficaram sem abastecimento. O Aeroporto Internacional Salgado Filho, que ainda está alagado, ficou sem condições de operação, cerca de 124 rodovias foram interditadas, 191 mil pontos ficaram sem energia elétrica e mais de mil escolas afetadas. Levando em consideração apenas a rede estadual de ensino, a Secretaria da Educação da conta que das 2.338 escolas estaduais, 1.058 foram afetadas em sua infraestrutura, transporte ou acesso, o que atingiu 248 municípios.

Como parte dos aspectos mais dramáticos da catástrofe, 4 cidades que ficam nas calhas dos rios cercadas por morros, foram duramente atingidas por enchentes e deslizamentos; com essa cheia, algumas já sofreram de dois a quatro desastres em um período de cerca de um ano. São as cidades de Muçum, Roca Sales, Barra Azul e Cruzeiro do Sul. Um caso emblemático é o da cidade de Muçum, que fica no Vale do Taquari. Essa cidade foi uma das que sofreram com a terceira cheia em menos de um ano, mas dessa vez a cheia atingiu um nível muito maior e foi acompanhada de deslizamentos. 

Cidades que ficam em outras morfologias, como Eldorado do Sul (12km de Porto Alegre), margeada pelo rio Jacuí e pelo Guaíba e que tem 39,5 mil habitantes, teve cerca de 80% da população, 50% dos estabelecimentos agropecuários, 75% das escolas e 80% dos equipamentos de saúde impactados pela cheia. Além disso, ocorreram seis mortes e 16 estão desaparecidas em virtude das inundações. A maior parte da população se abrigou em municípios vizinhos, na sede da prefeitura e em barracas improvisadas na rodovia federal. Esse foi o retrato de dezenas de outros municípios.

Na maior parte dessas cidades, população, empresas e poder público (responsável por medidas para garantir a ocupação em áreas seguras) foram cada vez mais ocupando calhas de inundação e margens dos rios. Agora, essas cidades já discutem projetos de deslocamento a partir das cotas de inundação dessa enchente; porém, não se impedirá novas catástrofes como essa com medidas isoladas, todo um processo de transformação da relação metabólica do homem com a natureza terá que ser realizado e isso não é possível sem um projeto local, estadual e nacional discutido desde baixo de enfrentamento radical ao capitalismo e seus representantes no poder político.

Capitalismo eclodiu época de catástrofes

Como parte da corrente internacional Socialismo ou Barbárie, caracterizamos que entramos em uma nova etapa histórica, etapa que traz em seu bojo uma combinação de crises estruturais. Estamos em uma situação que, além de reenergizar a época de guerras, crises e revoluções, coloca uma crise ambiental marcada pela emergência de uma nova época geológica, o que se tem chamado de “Antropoceno”. Como resultado, temos um processo de aceleração provocado pelo capitalismo de mudanças em todo o sistema terra que se manifesta pelo aquecimento global da atmosfera e dos oceanos, extinção em massa de espécies, perda de água potável, erosão dos solos, elevação do nível dos oceanos e fenômenos climáticos – como os vistos no RS – devastadores.

Essa crise só pode se resolver com a ruptura da ruptura – superação da ruptura metabólica entre o homem e a natureza produzida pelo capitalismo – que vem produzindo crises socioambientais cada vez mais catastróficas. Assim, esse é um aspecto da crise estrutural do capitalismo sobre o qual devemos nos debruçar cada vez mais para o compreender e intervir nesses processos de forma efetiva.

Desde o relatório do painel intergovernamental sobre mudanças climáticas de 2007 (na verdade as previsões de mudanças são anteriores a essa data), existem alertas sobre aumento de eventos extremos, como chuvas e cheias mais intensas. Dentro desse cenário, para ensaiar uma explicação sobre as fortes chuvas no RS, podemos dizer que o aquecimento global fez com que o ar do planeta fosse elevado em 1º devido a emissão de gases de efeito estufa faz com que haja maior evaporação e, ao mesmo tempo, maior velocidade de circulação desse vapor e intensificação das massas de ar quente e frias.

Outro fator global que entra na equação do desastre é o fenômeno natural El Niño que, apesar de mais enfraquecido pelo final do seu ciclo, leva ao aquecimento das águas do Oceano Pacífico. Devido à extensão desse fenômeno, existem impactos em várias áreas da América do Sul, levou à seca na Amazônia e a fortes chuvas no Sul.[2] Nessa dinâmica que está se acelerando e que pode dar um salto de qualidade para uma dinâmica climática globalmente devastadora, a depender das movimentações atmosféricas, da temperatura das águas dos oceanos e continentes e da topografia de cada região, em alguns lugares as secas são muito mais intensas e em outros as chuvas devastadoras – é um quadro exatamente com esses contornos que estamos assistindo no RS.

Assim, as fortes chuvas no RS, que podem ser recorrentes, principalmente no sul da América do Sul segundo uma série de especialistas, ocorreram por uma combinação entre uma grande quantidade de massas úmidas vinda da Amazônia, pelo fenômeno El Niño, que traz umidade do Sul, e pela formação de uma zona de alta pressão sobre o centro-oeste e sudeste do Brasil, que bloqueou a distribuição de toda essa umidade pelo restante do país. Esse processo atmosférico se combinou, ainda, com um relevo serrano que em contato com as massas de ar úmidas favoreceu as fortes chuvas no norte do estado, devastando cidades inteiras na região serrana, como é o caso de Muçum, e mantendo várias cidades e bairros ainda inundados.

Essas águas são distribuídas pelas bacias hidrográficas de quatro grandes rios (Taquari, Caí, Sinos e Gravataí) que desaguam no delta do Jacuí para ingressaram no Lago Guaíba. O deslocamento natural desse volume hídrico passa pela Laguna dos Patos que deságua, finalmente, no oceano Atlântico no sul estado. Porém, fortes o grande volume, fortes chuvas, ventos sul e maré alta foram a combinação que fez com que cidades que são margeadas pela laguna tivessem cheias prolongadas. 

Mas, outro fator que se combina com clima e relevo é o desmatamento causado pelo uso do solo rural e urbano. Dados dão conta de que, pelo desmatamento e a monocultura mais ao norte do estado, restou apenas 7% da cobertura original da Mata Atlântica, já na região sul, devido à pecuária extensiva e monocultura os pampas, foram devastados em 50% dos pampas. Esse desflorestamento e desmatamento da vegetação nativa leva a um intenso processo de erosão, assoreamento e perda de capacidade de reter a água das chuvas, o que, diante das altas pluviosidades e características morfológicas do estado, concorre para provocar enchentes devastadoras no norte e longos alagamentos – não menos destruidores – na região central e no sul do estado. Certamente que, diante dos altos índices pluviométricos devido ao aquecimento global da atmosfera e topografia da região, ocorreriam enchentes no estado, porém, a devastação da vegetação e a impermeabilização do solo nas cidades são importantes fatores que agravaram o fenômeno.

O agronegócio, que no Brasil é o maior emissor de gases de efeito estufa, é duplamente responsável pelas catástrofes ambientais: desmatamento e queimadas. Ou seja, causa impacto nas duas pontas do processo. Os representantes do agronegócio não podem reconhecer as mudanças climáticas, pois reconhecer isso levaria diretamente ao reconhecimento do impacto socioambiental causado pelas atividades desse setor, o que deixaria um flanco aberto de punições e medidas de proteção. Essa é a base material da ideologia negacionista que só pode ser enfrentada pela mobilização direta e independente dos patrões e dos governos. 

A catástrofe não é natural

Agora, cabe a discussão de qual tem sido o papel do poder diante da emergência climática. Em primeiro lugar, temos que falar da política de desregulação ambiental levada pelos últimos governos. Perdoem o trocadilho, mas a tragédia atual não é um raio em céu aberto, acontece depois de 8 meses do ciclone extratropical que atingiu o RS em setembro de 2023. De lá para cá, nenhuma política efetiva foi desenvolvida para redução de riscos ambientais.

É evidente a desigualdade entre os agentes do poder público – Eduardo Leite certamente está no centro da responsabilidade política pela tragédia -, mas o caráter burguês de todas as esferas de poder e governos faz com que a responsabilidade sobre a tragédia seja compartilhada entre todos eles. Mas, para irmos descendo a escala, comecemos pelo papel da direita e da extrema direita quando esteve no governo federal e atualmente no Congresso Nacional.

A extrema-direita, além de fomentar fake News em massa, o que diante da situação é criminoso e só serve para agravar ainda mais a crise humanitária, através do governo Bolsonaro tomou uma série de medidas para dificultar a fiscalização e a punição aos crimes ambientais. Agora, quer flexibilizar a Lei de Licenciamento Ambiental, reduzir a reserva legal da Amazônia e os territórios indígenas, argumentando que a legislação ambiental atrapalha o “desenvolvimento econômico”.

Lula, em que pese que não seja um negacionista e tenha revogado leis anti ambientais aprovadas no governo Bolsonaro, fez corpo mole no processo de votação do Marco Temporal e é tíbio no combate ao desmatamento, queimadas e mineração em áreas protegidas e investe pesado no agronegócio (Lula destinou R$ 7,6 bilhões esse ano ao setor). Além disso, com o seu subdesenvolvimentismo anacrônico, redobra a aposta na extração e refino de petróleo, ou seja, em mais emissão de CO2 na atmosfera no meio de uma situação em que fartos dados demonstram que estamos em meio a um cenário de drásticas e perigosas mudanças climáticas planetárias. Em relação ao auxílio para mitigar os efeitos das catástrofes, o governo federal também não está à altura dos desafios, depois do ciclone que atingiu RS em setembro do ano passado, por exemplo, o governo federal atrás do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional destinou apenas R$ 82 milhões para o Estado e R$ 243 milhões para os municípios gaúchos para lidar com a crise.

Mesmo com as previsões dos institutos de meteorologia de que teríamos chuvas mais intensas, o governador Leite flexibilizou a legislação e o código ambiental do estado, foram cerca de 500 normas legais modificadas.[3] Para tentar parecer moderno – como é típico do ultraliberalismo em voga, Leite afirma cinicamente que as mudanças foram feitas para preservar o ambiente e garantir o desenvolvimento econômico, como se não houvesse uma oposição intransponível entre economia capitalista (particularmente quando se tratar de indústrias extrativistas, monocultura e grande indústria a serviço do monopólio) e preservação ambiental. Além do desmonte das leis de proteção ambiental, Leite investiu pífios R$115 milhões – 0,2% do orçamento do estado – para o combate às catástrofes e R$50 mil à Defesa Civil estadual para reparos e compras de equipamentos. Já o prefeito bolsonarista de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), não destinou um tostão para a prevenção de enchentes, o que tornou o sistema de contenção de cheias de Porto Alegre – que segue com bairros periféricos sob águas – totalmente ineficiente, o resultado já se sabe.

Fazendo o caminho inverso das ações diante das enchentes, podemos dizer que o prefeito Melo (não gastou um tostão com a manutenção dos diques e das bombas de drenagem dos sistema de contenção do Lago Guaíba, é responsável direto pela enchente histórica em Porto Alegre, que devastou os bairros mais empobrecidos da capital gaúcha) e o governador Leite (desregulamentou quase 500 normas de proteção ambiental e investiu uma quantidade ínfima de verbas para a defesa civil sem nenhuma intervenção para conter uma onda que se registrava crescente de chuvas) continuam totalmente inaptos diante da tragédia. Além de pedir ajuda externa a outros poderes, tomaram pouquíssimas medidas efetivas para minorar o sofrimento de milhões de pessoas. Melo, que é amplamente criticado pela população porto alegrense, além de anunciar a suspensão das aulas e o fechamento das comportas do Guaíba – as mesmas que ele negligenciou manutenção – não tomou nenhuma medida. Leite, diante de perda de vidas, residências, automóveis, pequenos negócios, sem falar em todo o profundo trauma psicossocial, não vai além de criar secretarias e comitês e uma ajuda ínfima de R$ 2,5 por família inscritas do Cadastro Único.

O governo Lula toma algumas medidas, mas totalmente dentro de um orçamento asfixiado pelo teto de gastos, pelo pagamento da dívida pública e não taxação sobre as grandes fortunas e capital financeiro. O aporte federal privilegia o empresariado em detrimento das famílias, são de R$5 mil a 200 mil famílias (cerca de R$ 1 bilhão) e a inclusão de 20 mil famílias no programa minha casa minha vida. Para grandes empresários, haverá uma transferência direta de R$4,5 bilhões e empréstimos federais a juros de 1% ao ano. Ou seja, para quem tem reservas bilionárias o governo transfere mais de quatro vezes do que para as famílias que perderam absolutamente tudo.

Reafirmando cabalmente o seu caráter de governo burguês liberal-social, o governo Lula enviou projeto de lei que foi aprovado no Congresso congelando o pagamento da dívida do RS – cerca de R$ 98 bilhões – por 3 anos, o que significa um aporte de mais de R$ 12 bilhões se a dívida fosse mantida. Obviamente que os representantes da burguesia foram a favor dessa medida parcial porque os maiores beneficiados desse aporte de receitas na lógica estabelecida serão os grandes capitalistas. Porém, acompanhando o governo e o restante dos partidos da ordem, o PSOL votou contra anistiar a dívida do RS com a Federação. Postura que, diante da realidade e da luta histórica contra a dívida pública, significa uma traição, pois o pagamento da dívida pública somado a outras regras fiscais rentistas, como o teto de gastos, impossibilita os investimentos necessários em todas as áreas sociais do país.

Logicamente que a anistia da dívida do RS e demais estados em calamidade pública deve ser parte do não pagamento da dívida pública do governo aos grandes investidores. Diante da catástrofe socioambiental no RS, essa traição do PSOL – apenas uma deputada votou pela anistia da dívida do estado – e do conjunto da esquerda da ordem fica ainda mais evidente, a suspensão da dívida do RS permitiria o aporte de um volume de recursos a altura da necessidade da reconstrução total do estado. 

Anticapitalismo e mobilização para enfrentar barbárie

Esse cataclismo climático-ambiental produzido pelo sistema capitalismo globalmente, como já se sabe, no RS não é um fato isolado e irá se repetir. Da mesma forma que outras catástrofes que o capitalismo está produzindo em outros campos da vida, não se pode enfrentar de forma superficial apenas as consequências destrutivas do irracionalismo da acumulação capitalista. Estamos, sim, impelidos a enfrentar suas causas mais profundas, ou seja, através de medidas anticapitalistas levadas pela luta dos explorados e oprimidos.

Em primeiro lugar, um plano de recuperação, que sirva aos trabalhadores e aos oprimidos – que não recoloque as mesmas condições socioambientais que geraram essa situação – passa por uma luta que vai do enfrentamento ao teto de gastos de Lula ao não pagamento da dívida pública aos grandes financistas (o que consome cerca de 50% do orçamento federal), sem deixar de passar pela taxação do lucro e das grandes fortunas. 

Depois de mais de 30 dias de cheias em várias cidades, as águas começam a baixar e um quadro mais nítido de toda a devastação começa a ser pintado.[2] Enquanto isso os governos estão oferecendo aos desabrigados tendas em verdadeiros campos de refugiados para os atingidos pela catástrofe. Contraditoriamente, o Censo do IBGE de 2022 traz o dado que em Porto Alegre existe um total 101.012 locais vagos e 27.250 em uso ocasional, isso é mais do que suficiente para acomodar as 77.202 pessoas que estão desabrigadas na Capital. Assim, a luta para que todos os imóveis destinados à especulação imobiliária sejam expropriados e colocados à disposição da população atingida pelas cheias é o primeiro passo.

A tragédia atingiu 473 municípios do estado que representam 95% dos empregos no estado como um todo. Como o RS tem um total de 3,2 milhões de empregos, a perda ou precarização é da ordem de cerca de 3 milhões. Um número que no padrão capitalista em que vivemos irá demorar sabe lá quantos anos ou décadas para se restabelecer. Tal situação exige muito mais do que a ajuda de R$5 mil reais. Aos que perderam o emprego por causa da catástrofe a ajuda de ao menos um salário-mínimo do Dieese por família. Além disso, a questão da redução da jornada de trabalho se coloca como fundamental e, para que todos tenham emprego, é necessário que emergencialmente se reduza a jornada de trabalho para 20 horas.

O latifúndio e a indústria são as principais causas das catástrofes climáticas que estamos vivendo no Brasil e no mundo. Assim, deve pagar pela tragédia através de uma reforma agrária que estatize o latifúndio monocultor. Da mesma forma, as grandes indústrias que provocam demissões devem ser expropriadas e colocadas sob controle democrático dos trabalhadores. Essas medidas são fundamentais para garantir emprego, alimento e combater as mudanças climáticas.

Além disso, é preciso uma política desde a esquerda para responsabilizar de fato o governo do estado e os prefeitos que não tomaram nenhuma medida preventiva para evitar essa catástrofe. Baixando a poeira – as águas, melhor dizendo -, é necessário a partir da luta e organização operária, estudantil e popular construir uma campanha pelo Fora Leite e Melo e pela revogação de toda a desregulamentação das leis ambientais no RS. Ao mesmo tempo que se luta pelas demais medidas, deve-se construir conselhos populares unitários para ligar todas as demandas e forças.

Esse é um conjunto de medidas que, obviamente, não se faz sem uma luta nacional articulada diretamente ao movimento operário e social gaúcho. O que só é possível com uma linha política de luta direta independente dos patrões e dos governos e construindo frentes únicas para lutar contra a devastação ambiental e frentes políticas que sejam alternativas à conciliação de classes. De um lado, temos correntes políticas do PSOL (como a Resistência) e do PT que apenas justificam a política do governo Lula. Não propõem sequer uma medida anticapitalista para enfrentar a catástrofe que vive o estado e a sua população trabalhadora. Por outro, temos correntes como o PSTU que fazem exigências ao governo liberal-social de Lula por fora de qualquer política de mobilização de massas. O comum entre ambas é que, como apontado no parágrafo anterior, não levantam nenhuma proposta global de poder e de unificação da luta estadual e nacionalmente.

A situação de barbárie provocada pelo capitalismo no RS coloca em carne viva todas as contradições da forma capitalista de produzir e de se relacionar com a natureza. Por um lado, o que acontece hoje no estado é uma janela distópica para o futuro e, por outro, uma possibilidade de levantarmos uma luta nacional pela reconstrução do estado sob novas bases, bases anticapitalistas e socialistas. Precisamos, para além de fundamental mobilização social que tem feito organizações sindicais e partidárias para ajuda imediata às vítimas, em articulação com a classe trabalhadora gaúcha construir um processo de mobilização política nacional independente que levante um plano de reconstrução anticapitalista do RS.

É preciso que os responsáveis por essa hecatombe ambiental – grandes empresários e governos burgueses de todas as cores – sejam punidos e que o poder público e as empresas financiem a reconstrução com base a um projeto elaborado desde baixo e que seja humana e ambientalmente sustentável, o que só pode ser feito com a luta direta por medidas anticapitalistas e de reversão da relação metabólica entre o homem e a natureza – o que significa mudar toda a lógica de ocupação do solo, de produção industrial e agropecuária – imposto pelo capital monopolista e financeiro.

A população dos bairros periféricos do RS, diante do total abandono do poder público, tem realizado protestos que contam com o fechamento de rodovias. Nesse sentido, além de dar todo o apoio às lutas que estão ocorrendo nesse exato momento, é fundamental articular nos próximos meses as lutas que ocorrem no RS através de um encontro nacional de lutadores de base que se realize em Porto Alegre. Essa é uma tarefa que seria fundamental para que desde o lócus da catástrofe se construa um programa independente dos patrões e dos governos para enfrentar as causas e os efeitos dessa e das demais catástrofes socioambientais que seguem sem resposta pelo Brasil.

[1] Em relação ao debate científico sobre a emergência de uma nova época geológica, a superação do Holoceno e a entrada em cena do “Antropoceno”, os impactos (desiguais) do aquecimento global sobre Sistema Terra e as sociedades humanas, bem como a necessárias saídas anticapitalista, Enfrentando o Antropoceno de Ian Angus é um livro que faz uma revista extremamente bem documentada sobre o tema.

[2] Para entender as causas das secas prolongadas na Amazônia, o papel do agronegócio, dos mineradores e da extrema direita e as tarefas do ponto de vista da classe trabalhadora, leia o artigo de Victor Artávia em https://esquerdaweb.com/seca-historica-na-amazonia-um-crime-do-capitalismo-ecocida.

[3] O novo código ambiental do estado aprovado em 2019 com o apoio do todos os partidos da direita e da extrema-direita, significou um retrocesso histórico de mais de quatro décadas que retira investimentos públicos em pesquisa, afrouxa o licenciamento ambiental, permite a derrubada de florestas e vegetação nativa, privatiza e terceiriza os serviços ambientais etc. De forma resumida, como novo código pôr fim a medidas de proteção de áreas adjacentes às unidades de conservação, deixa de reconhecer áreas de reservas da biosfera, com mecanismos de apoio financeiro do estado para pesquisas, afrouxa o licenciamento ambiental permitindo que empresários instaurem operações, baseadas em auto declaração, privatiza os serviços ambientais permitindo a contratação de pessoas jurídicas, desmonta o código florestal retirando a proteção contra a coleta, transporte e industrialização de espécimes  da flora gaúcha, retira artigo que proíbe o uso de fogo nas florestas e demais vegetações, retira artigo que reconhece a fauna como bem de interesse comum, retira a proibição  de corte de árvores e comercialização de florestas nativas, inclusive das espécies em via de extinção.

 

Referências:

Angus, Ian. Enfrentando o antropoceno: o capitalismo fóssil e a crise do sistema terrestre. Boitempo, 2023.

https://izquierdaweb.com/tragedia-climatica-en-brasil-las-consecuencias-del-ajuste-y-el-negacionismo-de-la-ultraderecha

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/07/enchentes-no-rs-aguas-baixam-no-vale-do-taquari-e-revelam-cenario-de-devastacao.ghtml

https://brasildefato.com.br/2024/05/11/chuvas-no-rio-grande-do-sul-foram-intensificadas-pelas-mudancas-climaticas-mostra-estudo

https://estado.rs.gov.br/confira-o-balanco-das-acoes-do-governo-em-resposta-as-cheias-que-atingem-o-rs-desta-quinta-feira-2

https://correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/ap%C3%B3s-24-dias-de-inunda%C3%A7%C3%A3o-manifestantes-trancam-faixas-da-br-290-em-protesto-na-zona-norte-de-porto-alegre-1.1498089

https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/lula-afaga-o-agro-anuncia-76-bi-para-a-safra-e-diz-que-a-eleicao-acabou#google_vignette

https://brasildefato.com.br/2024/05/22/porto-alegre-tem-muita-casa-sem-gente-e-muita-gente-sem-casa

https://esquerdaonline.com.br/2024/05/13/solidariedade-versus-fake-news-no-rs

https://opiniaosocialista.com.br/catastrofe-no-sul-expoe-a-ganancia-criminosa-dos-capitalistas-e-seus-governos

https://esquerdaweb.com/seca-historica-na-amazonia-um-crime-do-capitalismo-ecocida