ROBERTO SÁENZ
“Para o Washington Post, os brasileiros, cansados das penosas políticas defendidas pelo mercado, que demoram a produzir resultados, parecem ter atingido um ponto de ebulição coletivo” (Folha de São Paulo, 28 de maio de 2018).
Fizemos este editorial [para o periódico argentino Socialismo o Barbarie 471, 31/05/18] no retorno de uma viagem relâmpago a São Paulo. A primeira definição que podemos apresentar é que novamente as conjunturas de ambos os países parecem estar se sincronizando. Temer está em um pantanal e Macri também.
A soma da crise econômica, das políticas aberturistas e a perda acelerada de prestígio de ambos os governos, juntamente com o surgimento de movimentos sociais a partir de baixo, estão moldando uma nova conjuntura, onde em seus desenvolvimentos poderiam ir tanto para a esquerda quanto para a direita, dependendo dos grandes confrontos sociais que estão se colocando na agenda.
É a estes acontecimentos e às responsabilidades da esquerda que dedicaremos este editorial.
Contexto internacional
O primeiro elemento que dá bases ao desenvolvimento comum em ambos os países é a expanão do clima global.
Tanto a Argentina como o Brasil estão mais indefesos do que há anos em face das oscilações econômicas e políticas internacionais, como resultado das orientações neoliberais de ambos os governos.
O aumento do preço do petróleo como resultado da política de Trump para o Oriente Médio, a crise do euro como resultado da eventualidade de um governo populista na Itália, o aumento das taxas de juros nos EUA. e o fortalecimento do dólar, são acontecimentos que colocaram sobre a mesa a fragilidade dos governos de Temer e Macri.
Um ponto em comum é a liberalização indiscriminada do preço da gasolina. Algo particularmente nefasto acontece aqui. De acordo com o critério dos lucros das empresas, tanto Temer quanto Macri cometeram a aberração da liberalização do preço da gasolina; eles simplesmente oscilam no tempo com as altas e baixas dos preços internacionais [1].
A gasolina é um recurso estratégico com impacto direto na economia. A menos que a gasolina seja superabundante no mercado nacional, oscilar seus preços de acordo com o humor do mercado é uma irracionalidade completa e simples [2].
É claro que a questão tem sua lógica: Temer e Macri querem beneficiar as companhias petrolíferas: a Petrobras e a YPF (supostamente “empresas estatais”), que foram colocadas de acordo com critérios de super-lucros, independentemente de qualquer outro fator [3].
Nós insistimos A liberalização do preço responde ao objetivo de que o único critério seja o lucro. Mas o problema é que, por ser um produto tão estratégico, os aumentos introduzem uma brutal instabilidade econômica e social. Esta é a explicação da greve dos caminhoneiros.
Uma política coerente implementaria algum tipo de proteção e/ou subsídio de tal forma que o preço das naftas fosse controlado; uma orientação do protecionismo burguês que nada tem de socialista, mas que questionaria o liberalismo extremo que Macri e Temer procuram impor.
Quando o preço das naftas é liberado, ele é configurado como uma correia de transmissão para a crise da economia internacional. E há também outras formas: a desvalorização do real e do peso como resultado da saída maciça de capital para o exterior em busca de um local de investimento mais seguro, entre outros mecanismos.
Crise política
Vejamos um segundo elemento desta cojuntura: os caminhos das crises políticas nos dois países.
Existem profundas diferenças entre os dois governos. Temer é um governo surgido de uma manobra parlamentar reacionária, que desde o início foi baseada em mecanismos de exceção. Um “governo de transição” para aplicar um ajuste muito difícil com base em uma maioria parlamentar “artificial” (mas maioria enfim), que tem relações de forças mais favoráveis do que Macri.
Macri é um governo burguês mais normal, apoiado em dois triunfos eleitorais, mas que não tem uma maioria parlamentar e que, apesar da unidade burguesa ao seu redor, até agora teve menos sucesso que Temer ao desafiar as relações de forças.
As crises políticas de ambos os governos vêm do seguinte. Temer nunca teve uma grande popularidade; mas agora seus índices estão no chão. Macri desfrutou de dois anos de “blindagem” que o mantiveram em torno de 50%, mas nos últimos meses sua popularidade entrou em colapso.
A natureza da crise política no Brasil tem a ver com o medo não só de não poder sonhar com a reeleição, mas também de que o sistema político é totalmente fragmentado: o principal candidato, Lula, proscrito e na prisão (o que elimina a legitimidade da eleição em seu conjunto), as candidaturas de extrema direita como Bolsonaro (ex-capitão do Exército) ficam em algo em torno de 20%, e ninguém pode realmente saber o que sairá das eleições de outubro próximo: “Usando como título a frase 'Prisão de Lula é algo que contamina a democracia brasileira para as próximas gerações', o jornal espanhol El País entrevistou o banqueiro João Moreira Salles: 'seja qual for o desfecho das eleições, sempre haverá o fantasma que Lula não pode disputá-las … O próximo presidente não terá legitimidade, porque ganhou porque Lula não era candidato (…) “(Folha de São Paulo, idem).
A isso se deve acrescentar a posição provocadora de uma parte das Forças Armadas, com setores da população que até pedem sua intervenção [4].
No caso argentino, a crise política – que muitos setores da esquerda não vêem[5] – ocorre porque a troca acabou colocando um questionamento de conjunto do governo, questão que colocou na agenda a eventualidade de sua saída antecipada [6].
Se esta eventualidade está atualmente inibida, é porque todas as forças políticas e a liderança sindical fecharam fileiras em torno do “Há 2019” e, por conseguinte, o movimento de massas acaba por não irromper como acabamos de assinalar.
De qualquer forma, a indignação com o governo de Macri está crescendo. E se no Brasil um desenlace pela direita não puder ser excluído (um resultado que teria um impacto negativo em nosso país), na Argentina os resultados poderiam vir da esquerda, com a condição, repetimos, de que se produza uma irrupção de massas na crise (algo que juraram impedir tanto a oposição peronista – em todas as suas nuances – quanto a liderança sindical).
En cualquier caso, ambas crisis políticas podrían procesarse por la izquierda o por la derecha a depender del desarrollo de la lucha de clases y, también, de las políticas de la izquierda revolucionaria, que, si no tiene suficiente peso objetivo, tampoco es real que no tenga importancia alguna lo que haga.
Em todo caso, ambas as crises políticas poderiam se processar pela esquerda ou pela direita a depender do desenvolvimento da luta de classes e, também, das políticas da esquerda revolucionária, que, se não tem peso objetivo suficiente, tampouco não é real que não tenha importância alguma o que faça.
Olhando para o outro lado
O crescimento da indignação é um dos componentes centrais da crise política. O caso brasileiro corre o risco de, se as relações de forças forem abertas, muitos trabalhadores rejeitarem a política resultante das repetidas traições do PT e da CUT: perderam a referência de classe (reformista) que conquistaram nos anos 80, no estílo “trabalhador vota em trabalhador”, parte do que está ajudando o crescimento de personagens como Bolsonaro [7].
O que está em jogo no Brasil é de enorme importância. No processo de sua experiência, os trabalhadores devem superar a mediação da burocracia do PT. É que enquanto a burguesia e a direita são forças extra-parlamentares quando lhes convêm, o PT é caracterizado pelo cretinismo institucional mais abjeto (veja-se a rendição sem a resistência de Lula à justiça [8]).
No caso argentino, os acontecimentos são um pouco diferentes. Nós viemos das históricas jornadas de 14 e 18 de dezembro, que mostraram que a experiência do Argentinazo ainda está viva.
O papel do PJ, dos K e da CGT não é menos cretino do que o do PT no Brasil: uma profissão de fé na governabilidade; buscando capitalizar sobre o “custo político” do ajuste de Macri enquanto permite que ele passe; etcetera…
A isto devem se somar os ataques à vanguarda e os golpes reacionárias do governo; a tentativa de impor uma pesada derrota aos companheiros do metrô, bem como a intenção de fazer intervir as Forças Armadas. em tarefas de segurança interna [9].
No entanto, a brutalidade do ajuste e as medidas reacionárias de ambos os governos estão dando origem a uma conflitividade eventualmente explosiva. Temer interveio militarmente no Rio de Janeiro; uma ação dentro da estrutura na qual Marielle Franco, reconhecida vereadora do PSOL da dita cidade, foi assassinada.
Porém, a “resposta” apareceu pelo lado menos imaginado: a paralisação dos caminhoneiros que manteve o Brasil instável por 9 dias. Foi uma medida muito contraditória. Nela estavam tanto os grandes empregadores do setor, como pequenos proprietários de caminhões (autônomos) e os trabalhadores propriamente ditos.
Adiantemos que seus interesses não são os mesmos; a única coisa que permaneceu em disputa foi a capitalização política da greve (a extrema direita tenta representá-los).
No entanto, a tarefa levantada foi o apoio crítico a ela, especialmente desde a última sexta-feira, quando os grandes empresários se retiraram da medida. E isso de acordo com uma razão convincente: o núcleo da paralisação dos caminhoneiros foi o questionamento do aumento indiscriminado do preço do diesel.
Os caminhoneiros puseram em xeque o governo de Temer, que ameaçou mandar as Forças Armadas. para as ruas, paradepois enfiar a viola no saco, cedendo às suas exigências; Ele se apressou em recuar para impedir que eles se unissem aos petroleiros, que estão entrando em greve e são um dos setores mais militantes da classe trabalhadora brasileira.
Na Argentina, um movimento social de igual magnitude ainda não está em desenvolvimento. A CGT está cuidando como uma peste a convocação da greve geral que havia prometido se Macri vetasse tarifas.
A chamada “coalizão de 21-F” (o ato presidido por Moyano naquela data convocou a “votar bem em 2019”), vem de realizar em 25 de maio uma concentração de magnitude no Obelisco contra o FMI.
Qual foi o problema? Simples: não foi um dia de luta, mas um ato político em grande parte inócuo, um feriado para aqueles que lutam, porque Macri continua até o próximo ano.
De qualquer forma, o clima entre os trabalhadores se corta com uma gillette; a indignação é tremenda e, diante de qualquer descuido da burocracia, pode haver uma faisca que desencadeie uma mobilização multitudinária.
Tal cenário pode ocorrer quando o acordo com o FMI for anunciado. É por isso que esteja transcendendo que se lhe daria a conhecer no mesmo dia em que a seleção faz sua primeira partida na copa.
Há que se romper com o rotinismo
Diante da crise, a esquerda está se movendo com um grande rotinismo. No Brasil a coisa é mais complexa porque a esquerda que está à esquerda do PT (erroneamente confundida como “esquerda”), está atrás em protagonismo com respeito à esquerda argentina.
Seu principal representante é o PSOL, um partido eleitoral de esquerda amplo, em campanha com a candidatura de Boulos, um jovem líder do MTST, movimento dos sem-teto que mantinha uma posição bastante independente sob os governos do PT.
É uma candidatura muito progressista, com a condição de se manter independente de Lula e do PT, enquanto formule um programa anticapitalista que vá além do estatismo burguês.
Na Argentina, o lugar da esquerda revolucionária é mais claro. No entanto, um acontecimento particularmente aberrante é que a maioria das forças neste setor não parece ter tomado conhecimento da profundidade da crise em curso.
Para várias de suas forças, “nada acontece”; Não há crise política. É mais: defendem abertamente ou disfarçadamente que “não devemos questionar a governabilidade de Macri” (ver as declarações de Pollo Sobrero no programa de televisão “Animales Sueltos”), um exemplo de adaptação ao regime à velocidade da luz.
A abordagem desses grupos, que até têm a coragem de fazê-lo claramente, parece ligada à ideia de que “a FIT todavia não é uma alternativa”.
Mas essa abordagem é oportunista e idiota porque as correntes revolucionárias só podemos constituirnos como uma alternativa em torno do desenvolvimento de processos revolucionários: os bolcheviques também não eram uma alternativa antes da queda do czar e de tudo o que veio depois!
Não questionar o giro reacionário de Macri; prostrar-se ante a governabilidade; não disputar as bandeiras democráticas com um governo que parece uma “tirania” (que gira 180 graus em suas promessas durante as campanhas eleitorais); Não propor a revogabilidade de Macri ou qualquer mecanismo democrático para que os trabalhadores sejam os que decidam, é uma vergonha para as correntes que se dizem revolucionárias e estão presas nas teias de aranha do Congresso.
Temos que sair a impusionar e impor a greve geral agora. Há que se concretizar um dia nacional de luta pelos camaradas do metrô e aqueles que estão lutando como o Posadas, bem como uma reunião nacional para esse fim. Há que se rejeitar o ajuste gritando IFMI NUNCA MAIS. Há que se lutar para que o povo decida: não se pode esperar até 2019.
Argentina e Brasil estão enfrentando um teste dramático de forças que desafia a esquerda revolucionária a sair do rotinismo.
[1] Temer pretendia que o ajuste dos preços se fizesse diariamente: uma loucura completa na qual ele foi forçado a recuar pela greve dos caminhoneiros.
[2] Se a produção de naftas excede a demanda, o preço é acomodado para baixo. Mas, se for escassa, e for deixada ao livre arbítrio do mercado internacional, a irracionalidade vem da introdução de um tremendo elemento de instabilidade econômica e social, assim como a paralisação de caminhões no Brasil acaba de acontecer. Uma instabilidade que tem sido a mãe de muitas rebeliões populares; ver o caso do Caracazo no ano de 1989.
[3] Isso está explodindo seus lucros na Bolsa de Nova York, mas ao custo de perturbar a economia nacional.
[4] No Brasil, as forças armadas saíram prestigiadas de seu governo “desenvolvimentista” (1964/1984), embora o nível médio de consciência política seja muito menor do que na Argentina.
[5] A adaptação parlamentar está passando a FIT uma conta insuspeita dada a dinâmica acelerada.
[6] Uma possível saída antecipada dependerá da intervenção das massas na crise, algo que não aconteceu até agora. No entanto, o crescimento da indignação contra o governo se acelerou de tal forma, que muitos argumentam que “Macri teria que sair por inépcia” …
[7] Aqui há duas notas de rodapé: uma, que na Argentina não há fenômeno de extrema direita como este; e dois, que não será tão fácil para a campanha de Boulos e para o PSOL capitalizar uma franja em ruptura com o PT produto da perda de prestígio que eledeixou em tudo que tem “cheiro” de esquerda. Em todo caso, isso dependerá – não mecanicamente – dos acontecimentos da luta de classes.
[8] Essa submissão à institucionalidade, enquanto os eventos se tornavam cada vez mais extraparlamentares, é uma das características clássicas que mergulhou a social-democracia alemã nos anos 20 e 30 do século passado.
[9] Sob o Kirchnerismo esta proibição foi legalmente estabelecida; isso aconteceu sob a pressão de “Que se vayan todos” e a tentativa dos K de voltar a legitimar o regime através de concessões democráticas
Tradução: José Roberto Silva