A política genocida do governo Witzel contra a população negra

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, adepto da política bolsonarista de militarização e da supremacia branca, contabilizou mais uma vítima no último dia 19/05, um jovem negro da periferia do Rio de janeiro. A exemplo do povo negro do Estados Unidos, é preciso unificar o movimento e organizar a luta nas ruas para combater o racismo estrutural do governo do Rio e de Bolsonaro.

SEVERINO FÉLIX

O jovem João Pedro, de apenas 14, encontrava-se dentro de sua residência com familiares no Complexo do Salgueiro, bairro da região metropolitana de São Gonçalo. O fato ocorreu durante um tiroteio das polícias civil e federal contra traficantes locais.

João gostaria de ser advogado, era bom aluno e centrado nos estudos. Muito provavelmente a área jurídica despertasse um sonho de combater as injustiças cometidas nas periferias no estado do Rio.

Mais um sonho interrompido. Segundo a lógica de exceção do estado do Rio, corpos negros não podem ter direito a sonhar, mas somente sobreviver sob a angústia do espectro da morte a cada dia. Porém, a cena se repete com a mesma frequência de outros assassinatos por parte dos agentes públicos do estado. O cenário social é o mesmo, altera-se apenas o endereço diário de violência policial contra uma população que há décadas encontra-se oprimida pelas milícias, tráfico ou pelo estado.

Durante qualquer operação policial, que resulte em confronto com traficantes, sempre uma vítima jovem inocente tem sua vida interrompida. E não se trata de “acidentes”, essas são ações premeditadas pelo estado para aplicar sua política higienista.

A campanha eleitoral de 2018 tornou-se polarizada no segundo turno entre dois campos: o da defesa da democracia da ordem e os antidemocráticos que flertavam com o fascismo. Ou seja, popularizou-se uma escolha entre o “bem e o mal” na qual nenhuma das opções representava os anseios da população negra e dos explorados e oprimidos em geral.

Candidatos burgueses simpatizantes da política neofacista de Bolsonaro saíram-se vitoriosos e, desta forma, um projeto ultrarreacionário está sendo posto em prática. Desde então, amplia-se a política de governar através da militarização (uso da força) para legitimar a aplicação da necropolítica como política oficial de estado.[1]

Witzel foi eleito através da propaganda de que iria ter uma política mais agressiva (bélica) no confronto contra traficantes. Uma das agitações mais usadas durante a campanha do atual governo é do “abate” de criminosos que portem armas de fogo. Mas do que se trata na verdade é o uso dessa retórica do extermínio para combater a criminalidade para de fato ampliar da violência do estado contra a periferia, negros, trabalhadores e movimentos sociais.

Esta política de extermínio da população pobre (negra) vitimou, de janeiro a julho de 2019, 1.075 pessoas por intervenção de agentes de segurança do estado. Destas vítimas, nenhuma em área de milicianos. Essa ação criminosa chegou a dados alarmantes a um índice cerca de 20% a mais do que no mesmo período do ano de 2018.[2] Ou seja, a política do “abate” de Witzel não é combater realmente a criminalidade.

Segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) publicados no dia 24/04, somente no primeiro trimestre de 2020 o número de mortes por agentes foi de 429, 113 somente no mês de março. Estes são dados estatísticos totalmente inaceitáveis e que se naturalizam a cada dia pelo genocida governo de Witzel.

Governo Witzel de mãos dadas com a milícia

Em áreas dominadas por grupos paramilitares (pessoas ligadas as polícias e forças armadas) não houve intervenções ou confrontos que levassem a números expressivos de vítimas, como ocorreu em áreas onde os concorrentes (traficantes) do braço armado não oficial do estado atua.

Essas milícias para exercerem seu domínio territorial em regiões menos favorecidas pelas políticas oficiais do estado, exercem as mesmas práticas violentas ou elevam o grau de brutalidade contra a população aos olhos do estado.

Em junho passado, durante visita a Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o governador Witzel disse que, “se estivesse em outros lugares do mundo, nós tínhamos autorização para mandar um míssil naquele local e explodir aquelas pessoas”.

A política da morte baseada na questão da raça (negra), inaugurada na Alemanha durante o período nazista contra os judeus, é a mesma política desenvolvida no Brasil pós período da escravidão. O inimigo comum para às autoridades e seu braço armado é sempre a população negra.

Independente de governos de direita ou esquerda, nunca há representatividade da população negra nestes governos, e torna-se mais crítica a situação quando representantes leitos tidos de “esquerda” também não procuram desenvolver uma política para a superação desta desigualdade racial e social.

O governo Witzel tem características fascista e a todo momento tem êxtase em externar sua política violenta, higienista e racista contra as populações pobres e negras do estado do Rio.

Em junho de 2019, alegou com seu sarcasmo de sempre que se estivesse em outro país teria autoridade para disparar um míssil nas regiões pobres do estado com a alegação de exterminar traficantes. Porém, ele não tem uma política agressiva de segurança pública no tocante ao enfrentamento com os crimes cometidos pelas milícias que atuam no estado, que enriquecem coagindo os membros das comunidades e executando traficantes ou qualquer pessoa que discordem de viverem sobre seu controle territorial.

O duplo poder do extermínio contra a população negra

Uma das grandes preocupações das autoridades brancas do nosso país é a destruição material de corpos negros (em sua maioria jovens do sexo masculino), tirando-os o acesso à educação pública, à moradia, à saúde e, principalmente, ao direito de sonhar em superar suas adversidades impostas pelos soberanos.

O número de pessoas negras assassinadas nas regiões mais pobres do país naturaliza-se a cada dia; estamos passando por um processo de desumanização da sociedade brasileira. A população negra brasileira convive com o fantasma da morte diariamente, seja qual for o estado do nosso território, crianças perdem seus pais e vice-versa.

Segundo Focault, o estado cria políticas para definir quem deve viver e quem deve morrer. Desta maneira, é preciso segmentar e rotular a sociedade para legitimar uma divisão biológica do ser humano, neste caso, os marcados para morrer são os negros e periféricos.[3]

O direito para matar baseado na questão da raça não é novidade para ninguém, o nazismo é uma expressão dessa política. Porém, não única, tivemos também o genocídio da população negra na Namíbia entre 1904 a 1907, conhecido com o primeiro holocausto do mundo.[4]

Também temos o caso do genocídio da população negra no Congo pelo Rei Leopoldo II da Bélgica como fruto da partilha do continente africanos pelas potências europeias. Estima-se que cerca de milhões de congoleses tenham morrido durante o governo desse monarca que saciava suas crueldades genocidas com mutilações de mãos, açoitamento e. até. esquartejamento.

Passaram décadas e a população negra ainda é vítima do racismo estrutural que impera em nossa sociedade, a política do abate instalada por Witzel no estado do Rio é a nova política do extermínio. Os casos de João Pedro (14 anos), João Vitor Gomes da Rocha (18 anos), Rodrigo Cerqueira (19 anos), Bianca (22), todas vítimas em apenas uma semana no mês de maio, evidencia essa política.

O cenário que se agravou com a onda ultrarreacionária que levou Bolsonaro e Witzel ao pode foi o de uma população convivendo com a morte promovida pelos agentes de segurança pública do estado e, paralelamente, também por milicianos e traficantes. Estas pessoas estão sendo vitimadas e sob risco iminente de morte devidos às suas condições sociais ou étnicas.

Podemos parafrasear Hanna Arendt dizendo que no Brasil a política para a população negra é a política da morte, principalmente em estados em que a maioria população é negra. Desta forma, precisamos reagir a esta política da morte. A organização do movimento negro é fundamental neste momento. Não podemos ficar apenas nos lamentando e contabilizando as mortes das/os nossas/os irmãs/os, precisamos ir à luta.

É necessário a construção de grandes manifestações em todo o estado brasileiro, principalmente contra a violência cometida por agentes públicos de segurança. É preciso construir uma frente negra nacional e superar a fragmentação do movimento negro, ir além dos micros espaços em que estamos orbitando e criar um movimento ativo e prático de resistência aos genocídios da população negra.


[1] Reportagem do jornal UOL, 21/01/2020.

[2] Reportagem do Jornal Hora do povo -RJ, 22/08/2019.

[3] Ackille Mebembe: Necropolítica. 5° edição. n-1 edições, Fev 2020.

[4] BBC NEWS, 10/01/2017.