Martín Camacho

“Cloroquina, cloroquina, cloroquina lá do SUS, eu sei que tu me curas, em nome de Jesus”. Ao ritmo da melodia do palhaço Tiririca, o fã clube do presidente Jair Bolsonaro embala o discurso do uso incisivo e inadequado de um medicamento indicado para pacientes diagnosticados com malária, lúpus, artrite e outras doenças autoimunes. Os embalos de um presidente e seu bando negacionista, que quer usar uma droga que não possui nenhuma comprovação “cientifica” eficiente no combate ao novo coronavírus (COVID-19), assemelham-se aos “doutores” da agonia do nazismo. Parece ficção cientifica ou distopia, mas a utilização de humanos como cobaias não é algo novo e não se restringe aos sistemas de extrema-direita.

Entre as décadas de 1930 e 1940, a “ciência” nazista utilizava o povo judeu, ciganos, gays e qualquer outra pessoa que não era considerada “raça pura” como cobaias para os experimentos racistas do regime. Perseguição, tortura e uma ciência macabra fizeram parte do sistema criado por Adolf Hitler. Os laboratórios e enfermarias nazistas eram campos de atrocidades que trancafiavam seres vivos, taxados de Lebensunwertes Leben (vidas indignas de serem vividas), que foram submersos em águas geladas, obrigados a inserir gases tóxicos, amputados sem necessidade, jogados em caldeirões ferventes dentre outras práticas que eram utilizadas como justificativa ideológica.

A união entre governos, cientistas perversos e empresas multinacionais do setor farmacêutico no teste massivo de medicamentos que apresentam efeitos colaterais severos para a humanidade já foi retratada em produções cinematográficas e podem ser pautas novamente em uma sociedade que está vivendo uma nova pandemia. Para quem se interessa sobre o assunto pode assistir os filmes “O Jardineiro Fiel” e “Cobaias”. O primeiro foi baseado em um romance de John Le Carré que denuncia os horrores e experiências feitas na África por multinacionais farmacêuticas. Já o segundo, retrata o terrível experimento que ficou conhecido como “Estudo de Sífilis de Tuskegee”[1], que ocorreu nos Estados Unidos, entre 1932 e 1972.

Entretanto, a realidade está superando a ficção e acrescenta uma dose maior de perversidade quando o capitão reformado receita para todo mundo uma medicação chamada cloroquina e, no mesmo sentido de loucura que marca o século XXI, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, recomenda injetar desinfetante para “combater” o novo vírus. Nenhum dos dois são médicos, nenhum dos dois utilizam os estudos científicos para o bem da humanidade e nenhum dos dois se importam com a vida dos mais pobres. Em prol do genocídio da classe trabalhadora, das mulheres, dos povos originários e da juventude, os novos regimes com intenções bonapartistas disseminam informações falsas e deixam claro a incompetência do governo para enfrentar problemas.

Na Bielorrússia, único país europeu que não adotou isolamento social, o presidente Lukashenko seguiu com as declarações negacionistas sobre a Covid-19, aproveitando para indicar vodca e sauna para os cidadãos como medida preventiva. Anticientífico e inadequado, mas não é tão “grave” como indicar massivamente cloroquina, que provoca manifestações tóxicas relacionadas com efeitos cardiovasculares (hipotensão, vasodilatação, supressão da função miocárdica, arritmias cardíacas, parada cardíaca) e do Sistema Nervoso Central (confusão, convulsões e coma).

Uma pesquisa do Ministério da Saúde estima que 25% da população brasileira é hipertensa. Os idosos com mais de 65 anos são os mais afetados pela hipertensão (60,9%). Os dados mostram ainda que ocorreram 388,7 mortes por dia em 2017. Lembrando que os idosos e portadores de doenças crônicas (diabetes, hipertensão, asma) são mais suscetíveis a complicações do novo coronavírus. Ou seja, a soma entre cloroquina + hipertensão + coronavírus = um coquetel da morte.

Uma pesquisa científica publicada na revista “The Lancet” aponta que a hidroxicloroquina e a cloroquina não apresentam benefícios no tratamento da Covid-19. O estudo foi realizado com 96 mil pacientes e mostra também que não há melhora na recuperação dos infectados, mas existe um risco maior de morte e parada cardíaca durante a hospitalização. Recomendar a droga é de fato uma irresponsabilidade com risco de morte e o governo genocida segue insistindo que a população se automedique.

Esse foi um dos motivos para que o segundo ministro da saúde, Nelson Teich, abandonasse a gestão bolsonarista em menos de um mês após substituir Luiz Henrique Mandetta. Apesar de ter aceitado o cargo, ele é médico e toda idiotice tem um limite. A hora do juízo político pode chegar em qualquer momento e se comprometer com as loucuras do presidente é assinar um atestado de genocida. Receitar um medicamento sem comprovações de melhora é fazer um teste anticientífico, negocida e irrelevante que pode ser encabeçado pelas grandes industriais farmacêuticas em busca de lucro e não de salvar vidas.

Uma coisa está comprovada. Bolsonaro é pior do que o coronavírus, é um incompetente, um irresponsável, um genocida que precisa ser derrubado pela ação popular. É necessário criar uma frente antifascista para combater o bolsonarismo-negacionista-genocida. Não queremos ser ratos de laboratórios, não queremos ser testados. Queremos medidas que de fato salvem vidas!


[1] O experimento médico realizado pelo Serviço Público de Saúde dos Estados Unidos utilizou 600 homens sifilíticos como cobaias, 399 para observar a progressão natural da sífilis sem o uso de medicamentos e outros 201 indivíduos saudáveis, que serviram como base de comparação em relação aos infectados. Nenhum dos envolvidos foram informados sobre o diagnóstico e jamais deram consentimento para participar da experiência. Eles receberam a informação que eram portadores de “sangue ruim”.