O avanço do movimento anti-aborto no Brasil
O que está em jogo com o desarquivamento da PEC 29/2015
POR MARINA CIPOLLA
Em fevereiro deste ano, foi desarquivada pelo senador Eduardo Girão (Pode-CE) e está em tramitação no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 29/2015, que coloca a “inviolabilidade da vida desde a concepção”. Se aprovado, o texto pode provocar retrocessos graves nos direitos reprodutivos das mulheres. A medida criminaliza o aborto em casos de estupro e dificulta o procedimento em caso de anencefalia, autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2012.
Mais conhecida como PEC da vida, se for aprovada no Senado e na Câmara, mudará o artigo 5º da Constituição que passará a ter a seguinte redação: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
O retrocesso seria imenso. Hoje, no Brasil, a prática do aborto não é punida quando a gravidez é resultado de um estupro, caso haja risco para a vida da mulher ou no caso de fetos anencéfalos, por que a vida, da mulher e do feto, não é viável após o parto.
Hoje, dentro do próprio Congresso, a bancada anti-aborto tem um enorme peso. A Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família reúne mais de 200 congressistas de diversas religiões que se unem sob a mesma causa. Esse grupo quer se antecipar a uma série de decisões que o STF terá de tomar em breve: uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que permite o término da gestação em casos de mulheress portadoras do zika vírus e também outra ação de autoria do PSOL que libera o aborto em qualquer situação até a 12ª semana de gestação. O objetivo dessa bancada é votar a PEC 29 antes que a Corte se manifeste com relação a estes casos.
Hoje, tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado 35 projetos sobre os direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Segundo reportagem da Agência Pública, existe hoje uma rede de organizações contrárias ao aborto que fazem lobby no Congresso para influenciar os parlamentares a votarem de acordo com seus interesses, essa rede é financiada até por organizações anti-aborto internacionais, além disso, hoje das 13 senadoras mulheres a maioria se coloca a favor da mudança na Constituição e nenhuma delas se declarou a favor das discussões sobre a descriminalização do aborto.
Vivemos um conservadorismo crescente e universal. Este ano 6 estados norte americanos aprovaram ou estão em tramitação com a “lei dos batimentos cardíacos” em que proíbem o aborto em gestações com mais de 16 semanas, momento em que os batimentos cardíacos do feto são detectados. Isso se deve muito a política conservadora que vem sendo pautada pelo atual presidente, Donald Trump.
Como sabemos, a América Latina ainda sofre ampla influência estado-unidense. No Brasil além da bancada religiosa que milita a favor da criminilização em todos os casos, temos um presidente misógino que tem apoiado inúmeros casos de violência contra a mulher publicamente.
Hoje no Caribe e América do Sul, apenas Cuba, Guiana Francesa, Guiana, Porto Rico e Uruguai permitem a interrupção da gestação amplamente, em todo o território. Nos outros países da região, a interrupção voluntária da gravidez ainda é criminalizada, mas pode ser realizada em alguns casos específicos, como risco de vida , estupro e anomalia fetal.
Apesar disso o debate cresce e hoje a Argentina vive uma onda de lenços verdes, símbolo da luta feminista a favor da legalização e colocam em pauta novamente, no senado, a descriminalização do aborto até a 12ª semana. Organizações A favor do aborto legal buscam fazer da questão um dos grandes temas em debate nas eleições gerais de 27 de outubro.
Em agosto de 2018 tivemos uma importante audiência pública em que movimentos sociais e organizações a favor do aborto puderam se pronunciar.
Mulheres de todas as idades, classes e origens fazem abortos. Mas no Brasil a experiência do aborto é mais frequente entre mulheres pobres, negras, indígenas e nordestinas. Elas são também as mulheres mais vulneráveis a procedimentos clandestinos e inseguros.
Aqui, 1 a cada 5 mulheres até 40 anos já fez um aborto e cerca de metade das mulheres que abortam precisam ser internadas.
São 250 mil mulheres a cada ano nos leitos do SUS por abortos inseguros. Com isso, a criminalização gera altos custos para o sistema de saúde. Nos últimos dez anos, 40.348 mulheres quase morreram por aborto dentro dos hospitais brasileiros.
Recorrer a um aborto é permitir que a mulher cuide de sua própria saúde e bem-estar. É papel do Estado viabilizar sua proteção e não condenar mulheres à cadeia ou à morte.
Pelo aborto legal, seguro e gratuito: Lutamos!
Fontes: Jornal El País, Agência Pública, website do senado e Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero