POR ANTONIO SOLER
O discurso de abertura da sessão plenária da 49ª edição do Fórum Econômico Mundial[1] – evento não-governamental que serve ao mesmo tempo como vitrine para os investidores e antecipador de tendências mundiais – ficou ao encargo de Jair Bolsonaro.
Na leitura do seu discurso, revisado pelos seus principais assessores para evitar deslizes (para dizer o mínimo) habituais, Bolsonaro utilizou apenas 6 min dos 45 que tinha à sua disposição, o que causou espécie a uma plateia de megainvestidores que esperava algum detalhamento do plano de governo.
Bolsonaro e sua equipe realizam uma tentativa de maquiar sua imagem de liderança de extrema direita que se alinha ao pragmatismo neoliberal em torno de temas como meio, democracia e globalização e, ao mesmo tempo, manter pautas reacionárias. Nessa nota vamos comentar alguns dos principais trechos do discurso.
Uma campanha calcada na mentira e financiada de forma ilegal
Bolsonaro inicia seu discurso dizendo que ganhou a eleição “gastando menos de 1 milhão de dólares e com 8 segundos de tempo de televisão, sendo injustamente atacado”.
Todos sabem que esse valor foi o declarado ao TSE, mas que uma série de denúncias de que foram despejados centenas de milhões de forma ilegal – feito por empresas privadas – em sua campanha na forma de disparos de mensagens via whatsApp com conteúdo, machistas, homofóbico e reacionário de forma geral.
Depois afirma que assumiu o Brasil “em uma profunda crise ética, moral e econômica (…) não aceitando ingerências político-partidárias que, no passado, apenas geraram ineficiência do Estado e corrupção”.
Bolsonaro, como candidato a líder bonapartista vendeu para seus eleitores a imagem de que iria fazer um governo “técnico” mas, na verdade, sua equipe está comprometida com os principais partidos de direita do Congresso Nacional e com ideologias reacionárias em todos os terrenos.
Governo autoritário e inimigo da classe trabalhadora
O tema reformas econômicas foi o menos explorado na fala de Bolsonaro, afirmou que tem “credibilidade (sic) para fazer as reformas de que precisamos e que o mundo espera de todos nós”.
Obviamente se refere principalmente à reforma da previdência – principal contrarreforma da próxima etapa para garantir aos grandes investidores maior remuneração – que está sendo formatada pela equipe econômica que tem como ponto central ampliar a idade mínima para se aposentar de forma que supere 65 anos de idade.
“Reforma” essa que de tão impopular terá dificuldade de passar na integra se as organizações de massas organizarem de fato a resistência pela base em vez de comporem com partidos burgueses para disputar a presidência da Câmara dos Deputados.[2]
Por mais curto e superficial que tenha sido o discurso de Bolsonaro, não deixou de transparecer seu caráter reacionário e antipopular. Para a plateia das altas finanças internacional que estava na sessão plenária afirmou que “vamos investir pesado na segurança para que vocês nos visitem com suas famílias, pois somos um dos países primeiros em belezas naturais”.
O governo promete destinos turísticos “seguros” aos super ricos em vez do necessário combate à desigualdade social – o Brasil está entre os países mais desiguais do mundo – e uma política de segurança que atenda a maioria da população que necessariamente tem que passar por emprego, educação, moradia e saúde. Ou seja, a fala está totalmente em sintonia com sua política de segurança voltada para o extermínio, como foi o recente decreto sobre a posse de armas.[3]
Em relação aos temas econômicos, Bolsonaro como era de se esperar, prometeu reformas para melhorar o “ambiente de negócios”, afirmou que irá “diminuir a carga tributária, simplificar as normas(…)Trabalharemos ela estabilidade macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas”.
Para os megainvestidores internacionais Bolsonaro foi genérico demais, no entanto, o seu discurso deixa clara a linha política que irá seguir com o centro na contrarreforma da previdência, nas privatizações, na redução ainda maior de impostos para os mais ricos – o Brasil é um dos países que menos cobra impostos das grandes fortunas.
Meio, indígenas e quilombolas estão na alça de mira
Para Bolsonaro “somos o país que mais preserva o meio ambiente” e que “nossa missão agora é avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis”.
Na verdade, o Brasil é um dos países que mais desmata no mundo, da sua Mata Atlântica restou pouco mais de 7%, mais de 60% do Cerrado foi extinto, a Floresta Amazônica vem sendo desmatada intensamente pela pecuária e agricultura extensivas e os territórios indígenas e quilombolas são sistematicamente atacados pelo latifúndio.
Para agravar a situação, o Incra (instituto responsável pela reforma agrária) está submetido ao Ministério da Agricultura que é comandado por uma representante do latifúndio, a Funai (órgão responsável pela política indígena) foi submetida ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que é comandado por uma religiosa fundamentalista e o Ministério do Meio Ambiente está sob o comando do “negacionismo” em relação ao aquecimento global.
Quer dizer, será desenvolvida uma política que em nada vai “compatibilizar” o desenvolvimento agrário com o meio, na verdade, os ataques aos territórios e a violência contra indígenas e quilombolas tende a crescer.
Lacaio do imperialismo ianque
No tema relações internacionais foi repetido a cantilena de que será “implementando uma política na qual o viés ideológico deixará de existir”.
Na verdade, Bolsonaro defende uma ideologia de extrema-direita em toda linha. Em relação ao tema internacional não é diferente, está alinhado com o Estado sionista de Israel, com toda a direita latino-americana e com o populista de direita Trump.
Bolsonaro, aliás, foi um dos primeiros governantes, logo após Trump, em reconhecer o presidente autointitulado da Venezuela, Juan Guaidó, em uma tentativa aberta do imperialismo e da direita de não reconhecer a decisão da maioria do povo desse país que nas últimas eleições elegeu Nicolás Maduro.[4]
Reacionarismo é fio condutor
Na parte final do discurso retoma um tema que lhe é caro a Bolsonaro, o reacionarismo dos costumes, afirmando que “vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos; proteger o direito à vida e à propriedade privada(…)”.
Fala que é um claro ataque à diversidade, aos direitos das minorias, dos marginalizados e dos movimentos sociais, como o MST e MTST. Um dos eixos centrais do governo Bolsonaro é impor uma derrota estrutural aos de baixo, uma espécie de (semi) bonapartismo que se baseie na repressão direta aos movimentos sociais para que possa avançar qualitativamente na exploração e opressão.
A fala de Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial, no que pese as generalizações e superficialidades, foi uma síntese do que está sendo e do que pretende ser seu governo. Até agora impôs medidas importantes, como o novo Decreto do Desarmamento, mas em relação a sua capacidade de impor contrarreformas profundas, como a da previdência sem uma importante resistência desde baixo, está por verificar-se.
A máscara começa a cair
Bolsonaro que se elegeu em grande medida sob a promessa que iria “livrar o país da corrupção” vem sofrendo desgaste pelas escolhas na montagem do seu ministério. Mas a pauta bomba tem sido as denúncias de envolvimento de seu filho Flávio Bolsonaro com esquemas de corrupção.
Além do caso do motorista e assessor de Flavio, Fábricio Queiroz, que repassou mais de R$20 mil para a esposa do presidente e está sendo investigado por lavagem de dinheiro, essa semana investigações da Promotoria Pública do Estado podem abrem uma crise importante no governo.
A prisão de chefes da milícia do Rio de Janeiro envolvidos com grilagem de terra, assassinatos, extorsão e outros crimes – dentre eles o possível assassinato de Marielle – têm ligações diretas e orgânicas com Flavio e toda a família Bolsonaro, demonstrando o quão ético é esse “núcleo familiar”.
Processo esse de investigação que já provoca um desgaste do capital político do governo que, a depender da evolução, pode atingir diretamente Bolsonaro e dificultar o processo de contrarreformas que tem que passar pelo Congresso.
Mobilização de massas é fator decisivo
Mas a chave da situação depende da resistência direta, não está nos movimentos da superestrutura.
Nesse sentido, não se pode prever de antemão como será a reação das massas diante dos ataques às suas condições de vida. Pensamos que a tendência é de que aja resistência a cada um dos ataques do governo, mas a questão que sempre se coloca é que é preciso superar a atual fragmentação, as manobras e freios burocráticos.
Nessa conjuntura cumpre papel importante a posição política das organizações independentes, como o PSOL e outros, no sentido fazer uma campanha sistemática desde a base pela unificação das lutas, a começar contra a “reforma” da previdência.
Por outro lado, não podemos perder nenhuma oportunidade de apresentar-nos como alternativa política aos trabalhadores ao lulismo e demais formações burocráticas.
Por essa razão, no debate sobre a Presidência da Câmara dos Deputados, é fundamental manter a candidatura do PSOL, Marcelo Freixo, com um programa de enfrentamento radical aos ataques do governo, de forma que sirva principalmente para impulsionar as lutas de resistência nas ruas.
[1] Evento anual internacional que se notabiliza por reunir Chefes de Estado, Ministros da Economia, políticos internacionais, grandes financistas e empresários e economistas renomados.
[2] Tema que iremos tratar em nota específica.
[3] Veja https://socialismooubarbarie.org/post/com-novo-decreto-bolsonaro-quer-armar-seguidores
[4] Veja https://socialismooubarbarie.org/post/rechacamos-marcha-golpista-em-caracas