Eleições 2018: polarização, crise e instabilidade

Lutar pelo direito do povo decidir nessas eleições 

ANTONIO SOLER

A crise econômica aberta em 2008, a rebelião juvenil de junho de 2013, o impeachment de 2016 e a ofensiva reacionária desde então criaram um cenário crônico de crise de representatividade, de instabilidade e polarização política que, além de outros efeitos, reconfigurou o mapa da disputa político-eleitoral. Hoje quem está disparado à frente nas pesquisas está preso sem provas, e no segundo lugar temos a presença de um neofascista, o que coloca uma polarização político-eleitoral inaudita e tremendos desafios para os trabalhadores e para a esquerda socialista.

Um cenário de indefinição eleitoral

Nas pesquisas de intenção de votos para a Presidência da República realizadas após 15 de agosto, último prazo para inscrição de frentes eleitorais, confirmou-se o cenário de polarização política entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PSL). A pesquisa do instituto DataFolha traz o seguinte quadro[1]: Lula está com 39% das intenções de voto, seguido por Bolsonaro (PSL) com 22%, Marina Silva (Rede) com 8%, Geraldo Alckmin (PSDB) com 6% e Ciro Gomes (PDT) com 5%. Nesta pesquisa, os demais candidatos aparecem com 1% ou nem chegam a pontuar.[2] 

Quando a pergunta é espontânea – nenhum nome é sugerido ao eleitor -, Lula dobra seu índice em relação a última pesquisa, passando sua intenção de votos espontâneos de 10% para 20%, Bolsonaro passa de 12% para 15% e os demais candidatos não apresentam variação significativa, ficando entre 1% e 2% dos votos espontâneos dos eleitores.[3]

No cenário em que Lula não dispute a eleição – visto que é condenado em segunda instância provavelmente terá o seu registro eleitoral cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, segundo a Lei da Ficha Limpa – e tendo Fernando Haddad como candidato oficial pelo PT, Bolsonaro assume a dianteira disparada da corrida eleitoral com 22% das intenções de voto; é seguido nesse cenário por Marina (16%), Ciro (10%), Alckmin (9%), Álvaro Dias (4%) e Haddad (4%). No segundo turno desta configuração, Haddad perde para qualquer candidato. Na permanência de Lula, este ganharia com folga de qualquer um dos demais candidatos. [4]

Com Lula fora do processo, uma das questões eleitorais mais importantes e que pode decidir a eleição presidencial, é sobre a sua capacidade de transferência de votos. Nesse sentido, segundo a pesquisa que estamos analisando, 48% dos entrevistados não votaria num candidato indicado por Lula, 31% votariam e 18% “talvez”, o que colocaria hipoteticamente o candidato do PT em uma situação melhor.

No corte por região, Bolsonaro tem a preferência de 30% dos votos na região Sul, seguido por Dias com 13% e Alckmin com 6%. No Sudeste, maior colégio eleitoral do país, Bolsonaro aparece com 22%, Marina tem 19% e Alckmin tem 12%. Em relação ao critério rejeição, Bolsonaro ocupa o primeiro lugar da pesquisa com 39%, é seguido por Lula com 34%, Alckmin com 26%, Marina com 25% e Ciro com 23%.

É interessante notar que em relação ao corte de gênero, a intenção eleitoral de alguma forma demonstra o dinamismo do movimento de mulheres. Há grande rechaço às posições misóginas de Bolsonaro entre as mulheres, pois entre elas ele teria 13%  dos votos, já entre os homens 30%. Então, na ausência de Lula na disputa, o neofascista Bolsonaro toma a dianteira com 22%, colocando-se na partida no 1º lugar da corrida presidencial com 7% à frente da segunda colocada (Marina).[5]Apesar da sua forte rejeição geral e entre segmentos-chave da população, como é o caso das mulheres, esse é um candidato que assume o papel do AntiLula em importantes segmentos da população e regiões, o que apesar, do pouco tempo de TV que dispõe, pode garantir o atual patamar na disputa e até mesmo ampliar seu percentual de intenção de votos.

O candidato preferido do grande capital, Alckmin, aparece em quarto lugar na corrida eleitoral com 9% das intenções de votos, um patamar deveras baixo para quem quer chegar ao segundo turno. Mas, conseguiu amealhar o apoio da maior parte das agremiações fisiológicas, o chamado “Centrão”, o que lhe confere o maior fundo partidário, ampla estrutura partidária e maior tempo de Rádio e TV. Porém, coloca-o para baixo a ligação do seu nome com o de Temer, denúncias de envolvimento em esquemas de corrupção, seguidos governos estaduais com forte cariz neoliberal e antipopular, pouco carisma para se projetar a nível nacional e a perda de eleitorado para Bolsonaro.

O candidato do PT, Haddad, parte de um patamar de intenção eleitoral baixo (4%); o seu partido tem sido alvo preferencial das denúncias de corrupção e sofreu uma derrota eleitoral ao tentar se reeleger a prefeito de São Paulo em 2016. Mas terá um importante aporte dos votos de Lula que pode estar crescendo na opção do eleitorado além dos 39% registrados. Segundo a pesquisa Data Folha, 31% dos que votariam em Lula também voltariam em um candidato apoiado por ele, o que ser for levado a prática dá uma vantagem de cerca de 14% a mais para o candidato do PT. Além disso, tem baixa rejeição (21%).[6]

Já Marina e Ciro partem de uma posição mais favorável de intenção de votos: terão uma parte do espólio eleitoral de Lula, não estão envolvidos nos esquemas de corrupção e contam com a simpatia de diversos setores. Mas estão isolados do ponto de vista das alianças partidárias, assim terão bem menos tempo de TV, fraca estrutura partidária e baixo financiamento para colocar a campanha na rua.

O que mais interessa nesse cenário é a polarização eleitoral inaudita, ao menos desde o processo de redemocratização na década de 1980, entre um candidato de caris social liberal e um candidato neofastista. Note-se que a experiência dos últimos anos de ofensiva reacionária e das contrarreformas políticas e econômicas de Temer fez com que a maioria do eleitorado, com um forte corte social, regional e de gênero se inclinasse para a candidatura de Lula como uma alternativa eleitoral. 

Visto que entre importantes setores de massas Lula é uma espécie de mito que em qualquer situação pode usar sua capacidade de negociação, articulação e direção para solucionar os problemas nacionais essa é uma reação “natural” em um cenário em que a luta direta entre as classes cedeu lugar para as eleições. De outro lado, parte importante do eleitorado, marcadamente o que vive na região sul e sudeste, homens brancos, de classe média e com alta escolaridade, setores que votavam nos tucanos do PSDB, têm encontrado em Bolsonaro a solução ultrarreacionária para a crise crônica em que vivemos.  Ou seja, como dizem alguns analistas, Bolsonaro tem assumido o papel de antiLula que coube tradicionalmente aos tucanos do PSDB.

Hoje por hoje, é impossível prever com alguma exatidão a evolução das candidaturas. O que parece seguro afirmar é que a polarização apresentada acima tende a se manter ao menos enquanto Lula estiver colocado com candidato oficial. Quando começarem a operar a campanha de forma mais efetiva com tempo de TV e confrontos mais diretos entre as candidaturas teremos mais clareza da dinâmica eleitoral, além do mais, fatores imprevisíveis, como foi o caso da morte de Eduardo Campos, candidato do PSB a presidente em 2014, podem mudar a situação de um momento para outro.

As massas têm o direito de decidir

Como vimos acima, neste processo eleitoral temos grandes contradições. Aqui queremos apontar as que consideramos mais relevantes:

  1. O candidato que tem disparadamente a maior intenção de votos (Lula), que personifica de maneira distorcida um descontentamento pela esquerda e que ganharia de todos os demais candidatos, foi condenado à prisão sem provas e por isso muito provavelmente não poderá disputar a eleição;

  2. Na ausência de Lula do páreo quem assume a liderança da corrida eleitoral é um candidato abertamente neofascista (Bolsonaro) que, se consolidado, significa um perigo tremendo para a organização dos trabalhadores;
  3. E, como os dados demonstram, os candidaturas da esquerda socialista estão extremamente emparedadas, sem uma tática eleitoral clara e não conseguiram até o momento aparecer como alternativa de política ao lulismo para nenhum setor de massas.

Não se pode perder de vista que, apesar de sermos inimigos mortais do lulismo, a prisão de Lula e sua inelegibilidade constitui um importante capítulo da ofensiva reacionária. Essa medida, que produz uma fraude eleitoral e ataca a soberania popular, tem por objeto criar as condições para fazer avançar de forma muito mais brutal os ajustes e ataques a todo e qualquer direito. Por isso, precisamos combater seriamente a supressão do direito democráticos de escolher livremente o/a próximo/a presidente. Combate que o PT não dá de forma consequente, uma vez que sistematicamente aposta na saída institucional em detrimento da luta direta e da auto-organização dos trabalhadores.

Por outro lado, a questão do crescimento vertiginoso de posições neofascistas no Brasil não é menor. Ao contrário, deve ser colocada no centro da nossa ação política no atual momento. O ambiente reacionário polariza as posições e cria o caldo de cultura para o crescimento de teses de extrema-direita marcadamente populistas. Mas não se trata de uma situação local: o giro à direita que vem acontecendo no mundo e ultimamente se exacerbando na América Latina, tem levado na Europa ao crescimento eleitoral de partidos deste matiz (França e Alemanha, principalmente). Nos EUA, ainda que não faça uma administração que possa ser chamada de fascista, Trump se elegeu com posições misóginas e racistas e mantém com o forte apoio dos setores vinculados à ideia da supremacia racial branca e da defesa do armamento da “população de bem”.

É consenso que Bolsonaro é uma representação política de extrema direita, uma figura neofascista com todas as letras, que tende a manter elevada intenção de votos (cerca de 20%) até o final da campanha eleitoral e, portanto, consolidar a construção de um movimento em torno de si de viés protofascita que dispute efetivamente a consciência e a organização de importantes setores, tal como foi demonstrado na greve dos caminhoneiro.[7] Mesmo se for derrotado na eleição, Bolsonaro tende a se manter durante o pleito com um alto patamar de intenção de votos, manter sua popularidade no período pós-eleitoral e continuar sendo um galvanizador das demandas populares a partir de uma perspectiva neofascista. Configura-se como uma força real no Brasil e que irá potencializar o processo da polarização política pós-eleitoral. Por isso, não podemos pensar apenas no enfrentamento da candidatura de Bolsonaro no âmbito da denúncia política geral, é preciso estar abertos para todas as formas de luta, teórica, política e física.

Voltando a questão da inelegibilidade de Lula, por mais que o direito ao sufrágio universal seja limitado, que precise ser superado pela luta e organização política direta dos trabalhadores para que se possa transformar efetivamente a realidade, a inelegibilidade de Lula é um golpe a soberania popular e constitui, na prática, uma fraude eleitoral. Pois, a prisão do ex-presidente ocorreu sem provas concretas, baseia-se em suposições, não foi decidida por todas instâncias do judiciário e está a serviço de criar melhores condições para fazer avançar os ataques à classe trabalhadora.  

Desta forma, essa prisão é parte política da ofensiva reacionária que está a serviço da imposição de mais exploração e opressão a partir de outubro de 2018. Para a estratégia da classe dominante – impor definitivamente uma situação reacionária no Brasil -, impedir que as massas possam decidir pelo voto quem será o presidente é um passo decisivo, uma vez que suprime a mínima democracia existente e, de antemão, impõe um/a presidente totalmente alinhado com as contrarreformas em curso e com as forças mais reacionárias.[8]

Mesmo o processo eleitoral constituindo uma distorção da efetiva luta de classes, ser fator de legitimação do poder da classe dominante e não ter por si só a capacidade de mudar a realidade política, desconsiderar os fenômenos de resistência política das massas através de candidaturas é um equívoco total em momento no qual o voto e a eleição é o único processo totalizador que temos a mão para medir os deslocamentos, as inclinações e as expectativas políticas das massas.

Nesse sentido, os 39% – número que pode estar aumentando – da população que declara votar em Lula, marcadamente a mais pobre, periférica e feminina, fez a experiência com o governo reacionário de Temer, busca uma saída alternativa ao reacionarismo e sinaliza mesmo que de forma distorcida que quer mudanças. Tal dinâmica também não se dá apenas em nível local: o movimento em defesa do plebiscito de independência da Catalunha na Espanha; a vitória de várias candidaturas dos Socialistas Democráticos da América (em inglês: Democratic Socialists of America, DSA) nas primárias do Partido Democrata, em vários estados; as jornadas de dezembro na Argentina; o movimento latino-americano feminista pelo aborto, são exemplos da bipolaridade instalada no mundo, em que a classe trabalhadora vem reagindo ao ambiente reacionário geral, que se ainda não se manifestou de forma contundente por aqui, tem deixado pistas de possibilidades de forte entrada na luta de classes de forma mais direta.

Essa é uma realidade que não podemos desconsiderar, pois apesar de ainda não se traduzir em luta nas ruas para que que Lula possa participar das eleições, o crescimento de intenção de votos em Lula, de forma combinada com o impedimento pela justiça é um fenômeno que, tem grande potencial político. No episódio de sua prisão em 7 de abril não houve uma afluência de massas em sua defesa porque a vergonhosa rendição de Lula não propiciou uma comoção mais ampla, o que demonstrou uma relativa desconexão entre a intenção de votos no candidato e a disposição de ações efetivas para garantir sua liberdade. No entanto, estamos em meio de um processo de crescimento quantitativo da intenção de votos que, somado à polarização político-eleitoral, pode gerar um salto de qualidade, e o que era apenas expectativa eleitoral pode se transformar em ações de rua e resistência. É nisso que precisamos apostar

Fragmentação, sectarismo e oportunismo

Apesar do avanço do reacionarismo, a classe trabalhadora no Brasil não está derrotada e tem fortes reservas de combatividade. Assim, a tendência é de aprofundamento da crise crônica após as eleições até que um desfecho mais categórico se imponha.

Da mesma forma que na luta em defesa dos direitos democráticos e contra o desenvolvimento do neofascismo, precisamos encarar as dificuldades políticas apresentadas até aqui para que a esquerda radical alcance um auditório político-eleitoral mais amplo do que o 1% de intenção de votos medido pelas pesquisas até o momento. Essa situação pode ser explicada em parte pelo fato de que a dinâmica da luta de classes nos últimos anos não favoreceu que as expressões da esquerda radical adquirissem vulto de massas. Por um lado, o impeachment cortou ao meio a experiência com o governo Dilma e o lulismo e, por outro, as traições das burocracias impediram que a classe trabalhadora avançasse a partir da sua própria experiência na luta de classes para uma perspectiva político-eleitoral mais à esquerda e independente como solução para a crise estrutural em que vivemos.

Mas também existem fatores de ordem mais subjetiva, de decisão estratégica e tática que, combinadas com os elementos objetivos, anteriormente apontados, impediram que a esquerda emergisse como força política alternativa para além de um setor minoritário da vanguarda dos movimentos sociais, sindicais e juvenis. Uma combinação de posições sectárias e oportunistas, passando por burocratismo e economicismo, marcadamente desde a rebelião de junho de 2013, vem dificultando o acesso da esquerda a setores mais amplos dos trabalhadores, das mulheres e da juventude. Escolhas políticas que combinadas às dificuldades objetivas, traduz-se em uma situação eleitoral muito difícil para PSOL, PSTU e PCB, as três agremiações políticas com legalidade que podemos considerar como representação da esquerda radical.

O primeiro problema que podemos apontar nesse sentido é a estratégia de seita (que acomete vários setores, das menores às maiores organizações) que impediu a unificação da esquerda socialista em um momento tão crucial para combater o avanço das forças reacionárias. A aliança com o PSTU foi dificultada porque existe uma perda total de coordenada política dessa organização em relação a dinâmica mais geral da luta de classes.[9] O estranhamento causado por suas posições foi tamanho que fez com que essa organização rachasse ao meio e a isolasse ainda mais do conjunto da esquerda socialista.

Nas eleições passadas ainda houve alguma discussão sobre a possiblidade de retomar uma frente de esquerda para as eleições, mas o sectarismo e a incompreensão dos desafios estratégicos impediram tal aliança. No atual processo eleitoral, a involução política ainda maior do PSTU e a linha da direção do PSOL – de realizar uma aliança com o MTST costurando por cima os acordos com o MTST, sem debater claramente a tática eleitoral com a base do partido e com a esquerda em geral  – tornaram a possiblidade de uma aliança eleitoral ainda mais remota.

Apesar do seu enfraquecimento orgânico, pela forte ruptura há dois anos, e político, pela sua desastrosa linha, é uma organização que poderia contribuir para a construção de uma frente de esquerda eleitoral mais ampla que empolgasse mais setores. Essa linha que aposta na fragmentação não atenta para o fato de que a dinâmica da luta de classes coloca dois desafios dramáticos para os trabalhadores: de um lado a necessidade da luta à morte para conter a ofensiva reacionária que está impondo mais um duro golpe com essa farsa eleitoral e, de outro, aproveitar política e organizativamente o espaço estratégico que se abre para a esquerda socialista diante da evidencia cada vez maior de que o lulismo não pode oferecer uma alternativa efetivamente viável para os trabalhadores. Isso mesmo eleitoralmente na atual conjuntura Lula estar representando os anseios de um parte importante da população, pois em setores cada vez mais amplos de vanguarda começa a se chegar a conclusão de que é necessário construir outra direção histórica para a classe trabalhadora no Brasil.

Mobilizar contra a prisão de Lula, sem se confundir com o lulismo

Devido à responsabilidade que tem o PSOL e sua aliança eleitoral contra a ofensiva reacionária, os ataques aos direitos democráticos e na construção de uma alternativa política para os trabalhadores, pensamos que é preciso reorientar a linha da campanha eleitoral para que possamos disputar pela esquerda o descontentamento popular para além do lulismo. Ou seja, é necessário operar urgentemente mudanças táticas na campanha eleitoral da Coligação Sem medo de mudar o Brasil para que possamos enfrentar o perigoso processo de fechamento do regime, de fortalecimento da extrema direita e de emparedamento político-eleitoral da esquerda radical, com uma política independente

Como dissemos acima, a saída para os problemas reais via candidatura de Lula é uma fantasia que precisamos combater sistematicamente, denunciando as traições, os limites e a inviabilidade do lulismo para de fato resistir e construir uma alternativa dos trabalhadores diante da crise. Mas não podemos desconsiderar o potencial para a mobilização que tem esse fenômeno de crescimento massivo da intenção de votos em Lula para que nos apoiemos nele é façamos um chamado a ação, quer dizer, exigências de que a burocracia lulista mobilize efetivamente contra a prisão e inelegibilidade.

Nesse sentido, é um tremendo erro sectário considerar que o único problema da prisão de Lula é que a justiça está sendo seletiva e temos é que lutar para que todos sejam presos e agitar que “se prendam todos”, como faz o PSTU e alguns satélites, o que impede que tenham política efetiva para atuar no cenário atual, assim, sua agitação acaba sendo unicamente para consumo interno – o que apenas reforça o caráter de seita dessa organização.[10]

Por outro lado, a direção do PSOL e da candidatura de Boulos atua com uma política não menos equivocada; apesar de acertar na linha de unidade de ação contra a prisão de Lula, não a desenvolve de maneira independente da burocracia lulista, pois nenhuma exigência e denúncia é feita. Entendemos que a nossa política de unidade de ação durante as eleições não pode se limitar a um “boa noite presidente”, como nosso candidato fez no Debate da Band, ou na defesa de que o púlpito de Lula esteja presente, posição no debate da Rede TV.

Diante do real potencial de mobilização contra o brutal ataque ao direito de votar em qualquer um dos candidatos, é necessário que Boulos, os demais candidatos e toda a militância nos debates eleitorais, nos posts do facebook, nas entrevistas de rádio e televisão, nos discursos em praça pública, não percam a oportunidade de denunciar a prisão de Lula como um ataque direto aos direitos democráticos – o que esta sendo feito – e de exigir que a burocracia chame mobilizações concretas contra a prisão e os demais ataques políticos e econômicos aos trabalhadores. Mas isso deve ser feito sem nunca perder a oportunidade de se diferenciar do lullismo e de sua estratégia de conciliação.[11]

Desse modo, o chamado a unidade de ação, não pode prescindir da diferenciação não menos sistemática com o lulismo. Sem isso contribuímos com as ilusões em Lula e no PT, por um lado, e não podemos apresentamos uma alternativa político-eleitoral estratégica, por outro. Desta forma, a luta comum em defesa da liberdade de Lula só ganhará corações e mentes de toda a militância se feita for a partir da demonstração sistemática de políticas distintas entre PSOL e PT.

Em uma situação de crescimento da polatização política que está gerando a prisão e ilegibilidade de Lula não é um delírio que se possa abrir a possibilidade para a construção de processos amplos de mobilização. Processos que devem concatenar um sistema de reivindicações; sistema que parta da luta contra a prisão de Lula inclua Justiça para Marielle Franco, reversão de todas as contrarreformas, emprego, moradia e terra, além de garantir todos os direitos democráticos  das mulheres, dos negros e da juventude.

Dinâmica de luta que se for colocada de fato em ação abriria espaço para avançar na luta por direitos e democratizar de fato o país. Em um ambiente como esse, a imposição desde baixo, a partir da mobilização, de uma Constituinte Soberana e Democrática poderia unificar as demandas dos explorados e oprimidos, reverter as contrarreformas e resolver as históricas demandas democráticas não resolvidas no Brasil.    

Para finalizar, temos que exigir constantemente no sentido de que a burocracia chame a luta contra os ataques aos direitos democráticos. Nessas lutas temos que estar na primeira linha, com nossas bandeiras, colunas, informativos e política própria. A ausência da diferenciação, que vimos presenciando na linha da direção do PSOL e da campanha, faz com que a correta luta contra o terrível ataque que tira da maioria do povo (a classe trabalhadora) o poder de escolher de fato nas próximas eleições, reforça a hegemonia lulista. Assim, se quisermos de fato construir uma alternativa, a mais ampla unidade para lutar contra a ofensiva reacionária não pode, em hipótese alguma, ser desenvolvida sem uma denúncia e diferenciação política sistemática dessa burocracia.

 

[1]www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/lula-chega-a-39-aponta-datafolha-sem-ele-bolsonaro-lidera.shtml.

[2] Henrique Meirelles (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Cabo Daciolo (Patriota) e Vera (PSTU) aparecem com 1% de intenção e votos, já João Goulart Filho (PPL) e Eymael (DC) com 0%.

[3] Outro dado relevante é que com Lula no páreo os votos brancos e nulos somam 11% e os indecisos 3%, sem Lula no páreo os índices sobem para 22% e 6%, respectivamente.

[4] Nos cenários sem Lula, Alckmin vence Bolsonaro por 38% a 32% e Ciro por 37% a 31%. Marina ganha de Alckmin por 41% a 32% e de Haddad por 43% a 20%. Haddad perde para Bolsonaro de 38% a 29%.

[5] Bolsonaro vem se consolidando como o “anti-Lula”. Entre os que nunca votariam em Lula, Bolsonaro tem o dobro das intenções de voto que tem na média do eleitorado (42%), Alckmin e Mariana teriam 11%.

[6] Apenas 59% já ouviram falar em Haddad. Comparando com Lula, conhecido de 99% dos ouvidos, Marina, 93% e Alckmin, 88%, é um patamar baixo.

[7] Vivemos uma tendência extremamente perigosa na luta de classes, pois por mais que a classe dominante e a política mais geral apontem para uma saída mediada para as eleições de outubro, tal como o reacionário Alckmin por ora, estamos diante do surgimento de um movimento protofascista organizado que dispute a consciência de amplos setores de massas, intervém nos conflitos e tem capilaridade nacional. Esse é um fenômeno de massas não visto no Brasil há muitas décadas e que coloca para os trabalhadores e para a esquerda outro patamar de polarização da luta de classes. 

[8] Não temos nenhuma ilusão de que se eleito Lula iria governar para os trabalhadores, já vimos esse filme antes e sabemos que entre a governabilidade, a institucionalidade, a conciliação de classes e as massas, Lula nunca fica até o final com as últimas. Mas esse operativo de impedimento visa alijar as massas da decisão de eleger o próximo presidente para ao ficarem  fora do processo não criem expectativas, não aprendam com suas experiências – mesmo as eleitorais são importantes para o avanço da consciência das massas -, não avancem politicamente para alternativas mais radicais e não resistam aos ataques vindouros.                

[9] É uma corrente impressionista que não distingue o sentido das mobilizações, chamam toda e qualquer luta de revolução e de não conseguem distinguir uma situação política da outra. No Brasil não viram que a situação política girou a direita após 2014, que o impeachment e as mobilizações que o defendiam eram claramente reacionárias, e que existe um ataque em várias frentes aos direitos democráticos que devem ser combatidos em unidade de ação e ao mesmo tempo enfrentamento com a burocracia. Essas posições levam o PSTU a uma política morta que os marginaliza dos processos reais da luta de classes.

[10] Por outro lado, apostar apenas na luta jurídica contra o impedimento de participação de Lula nas eleições, é um erro oposto, que comete o MRT, pois na verdade desconsidera que se trata de uma questão de princípio a luta em defesa da soberania popular e o potencial mobilizador que tem o fato de que o primeiro colocado nas eleições não poderá participar por estar preso sem provas. Essa é uma contradição que está colocando cada vez mais pressão na conjuntura e precisa encontrar uma saída que passe pela mobilização para ser efetiva, não apenas por iniciativas jurídica, como propõe o MRT.

[11] Da mesma forma que com o tema da prisão e ilegibilidade de Lula, é preciso construir a mais ampla unidade contra a candidatura de Bolsonaro e a toda ação efetiva de cunho neofascista, mesmo em meio ao processo eleitoral, pois a história demonstrou reiteradas vezes que o não enfrentamento desse tipo de expressão política pode levar a terríveis derrotas dos trabalhadores e da esquerda, particularmente da esquerda radical. A denúncia contra o neofascista Bolsonaro – tão fundamental e que tem sido feita de forma correta por Boulos – ganhará mais força, autenticidade e penetração com uma campanha que em nada se confunda com essa horrenda burocracia.