ALE KUR
Os Estados Unidos é um país fortemente polarizado. Por um lado, governa Donald Trump, um personagem reacionário, de direita, sexista e racista. Um presidente que avançou nos ataques contra os imigrantes, contra as mulheres, contra a população trabalhadora em geral. Seu governo tem uma importante base social de apoio entre setores da população que têm uma visão igualmente conservadora do mundo, especialmente no interior atrasado do país, longe das grandes metrópoles como Nova York ou dos estados predominantemente progressistas como a Califórnia.
Mas, por outro lado, há também uma ampla oposição popular ao seu governo – especialmente nas principais cidades do país e em suas regiões mais avançadas. Oposição que está se mobilizando maciçamente na rejeição de seus ataques, com milhões de pessoas nas ruas nesses dois anos. E que também busca articular as ferramentas políticas necessárias para derrotar não apenas Trump, mas todo o capitalismo neoliberal norte-americano.
Entre esses setores da oposição, há uma tendência que adquire cada vez mais cobertura da mídia: o crescimento de uma simpatia genérica pelo socialismo – independentemente da definição dada a esse conceito. Esse fenômeno é claramente visto entre as bases do Partido Democrata e entre os jovens americanos em geral. Por exemplo, esses são os dados que uma pesquisa publicada recentemente pela agência Gallup mostra [1]:
1) 51% dos jovens entre 18 e 29 anos têm uma imagem positiva do socialismo, enquanto apenas 45% têm uma imagem positiva do capitalismo.
2) Entre os eleitores ou partidários democratas de todas as idades, a imagem positiva do socialismo é de 57%, enquanto a do capitalismo é de apenas 47%.
Segundo essa pesquisa, em ambos os casos, o que se verifica é uma forte tendência à queda das expectativas no capitalismo em relação aos últimos anos: cada vez menos jovens (e pessoas progressistas em geral) acreditam que esse sistema pode dar uma resposta às suas aspirações. Ao mesmo tempo, a imagem positiva do socialismo permanece estável, por isso não se trata de um pessimismo indiscriminado, mas sim uma consciência bastante nítida da origem dos problemas desta sociedade.
A grande “chamada de atenção” ao público sobre a ascensão do socialismo começou em 2016, com o tão importante sucesso do senador Bernie Sanders nas primárias do Partido Democrata – destinado a nomear o candidato presidencial da formação. Sanders desenvolveu sua campanha eleitoral proclamando-se como um “socialista democrático”, com um perfil de independência das corporações e dirigindo-se aos trabalhadores americanos.
Sua plataforma incluía demandas populares, como um sistema de cobertura de saúde pública universal e gratuito (conhecido como Medicare for All); gratuidade do ensino universitário e superior – como também alívio de dívida para estudantes – baseado no estabelecimento de impostos aos especuladores de Wall Street; salário mínimo de US $ 15 por hora de trabalho e o direito universal à sindicalização dos trabalhadores; um plano de obras públicas federais para garantir o pleno emprego, a expansão dos direitos dos imigrantes e a cessação das deportações; a implementação de medidas de proteção ambiental para combater as mudanças climáticas; a defesa do direito ao aborto e os direitos das pessoas LGBT, entre outras.
Esta campanha eleitoral ganhou enorme apoio entre a população. O senador obteve mais de 13 milhões de votos, ficando abaixo de Hillary Clinton por muito pouca diferença. Além disso, conseguiu grande apoio entre os jovens: foi votado por 2 milhões de pessoas com menos de 30 anos, mais votos do que Trump e Clinton obtiveram nesse mesmo grupo etário [2].
Desde então, o conceito de “socialismo” nos EUA está fortemente associado à figura de Bernie Sanders e ao conjunto de demandas populares que sua campanha promoveu. O “socialismo democrático” é entendido como a luta pela conquista de um Estado de bem-estar social, que fornece a toda a população serviços essenciais de forma pública e gratuita, colocando no centro as necessidades da população trabalhadora e não dos mercados.
Mas a ascensão do “socialismo democrático” não terminou com as eleições primárias de 2016, senão que continua até hoje. Em junho deste ano, esse fenômeno político foi reproduzido com o triunfo eleitoral em Nova York de Alexandria Ocasio Cortez [3], uma jovem latina de 28 anos que ganhou as primárias democratas de seu distrito do candidato do “establishment” partidário. O mais provável é que Ocasio se imponha nas eleições gerais de novembro e deste modo seja eleita à Câmara dos Representantes dos EUA (câmara baixa do Congresso nacional).
Este fenômeno também se repete em outros distritos do país. Vários candidatos que compartilham o programa e o perfil de Sanders também obtiveram vitórias na primária democrata de seus distritos. Este é o caso, por exemplo, de RashidaTlaib, esposa e filha de imigrantes palestinos, que será candidata para a Câmara dos Representantes (ou seja, a mesma posição que Ocasio-Cortez) por seu distrito em Michigan. Ou Ben Jealous, um ativista dos direitos civis que ganhou as primárias democratas para governador do estado de Maryland.
Todavia não se pode dizer que a tendência desses candidatos para ganhar as primárias seja majoritária, mas sim que se repete em mais e mais eleições. Mesmo onde não conseguiram vencer, esses candidatos progressistas e/ou socialistas alcançaram resultados muito bons: por exemplo, Abdul El-Sayed obteve 30% dos votos nas primárias para o governo do estado de Michigan e a mulher afro-americana Cori Bush obteve 37% para o seu distrito congressional no Missouri. A mídia norte-americana não para de dizer que “o socialismo está em ascensão no Partido Democrata”. O establishment partidário (neoliberal e a serviço das grandes corporações imperialistas) também mostra preocupação por esse avanço.
Este fenômeno deve ser tomado essencialmente como um sintoma de que algo está evoluindo na consciência política de amplos setores da população americana, especialmente entre a juventude e o progressismo. O apoio aos candidatos que têm programas muito à esquerda do que é habitual no Partido Democrata, indica que há um fastio com os candidatos do regime, com os políticos neoliberais comprados pelas corporações.
Um processo que, por outro lado, não é puramente eleitoral, mas é combinado com grandes mobilizações nas ruas contra as políticas de Trump e com uma demonstração de ativismo em várias campanhas políticas. É o caso, por exemplo, das campanhas contra as deportações de imigrantes (o que facilitou a ascensão à fama de Ocasio-Cortez, por exemplo), por um sistema público e universal de cobertura de saúde ou pelo salário mínimo de 15 dólares. por hora de trabalho.
No plano organizativo, esse fenômeno também se reflete no enorme crescimento experimentado pela organização dos Socialistas Democráticos da América (DSA por sua sigla em inglês), incorporando mais de 35 mil novos membros contribuintes nos últimos três anos, e praticamente quintuplicando o tamanho da organização.
É, sem dúvida, um fenômeno enormemente progressivo que, para além de seus limites e ingenuidades, aponta a existência – na maior potência mundial – de uma perspectiva muito promissora: a do possível desenvolvimento de um movimento socialista de massas, independente das corporações e de luta. Bastante bom para o país onde o chamado “fim da história” foi decretado!
[1]Newport, Frank (13/8/18). “Democrats More Positive About Socialism Than Capitalism.” Gallup. Recuperado dehttps://news.gallup.com/poll/240725/democrats-positive-socialism-capitalism.aspx
[2]Blake, Aaron (20/6/2016). “More young people voted for Bernie Sanders than Trump and Clinton combined – by a lot.” The Washington Post. Recuperado de https://www.washingtonpost.com/news/the-fix/wp/2016/06/20/more-young-people-voted-for-bernie-sanders-than-trump-and-clinton-combined-by-a-lot/?utm_term=.e1590bf085fe
[3]Ver a respeito o artigo “Terremoto político en Nueva York: se impuso una candidata socialista en las primarias del Partido Demócrata”. Por Ale Kur, SoB 476, 5/7/18. http://www.socialismo-o-barbarie.org/?p=11428
Tradução José Roberto