A prisão de Lula

A prisão de Lula*

ROBERTO SÁENZ

“Ter uma justiça independente é fundamental, e isso é o que se tem no Brasil hoje (…) sonhamos com que alguma vez, com as reformas que estamos fazendo, através do plano Justiça 2020, tenhamos um sistema judicial mais sólido e com credibilidade” (Macri, La Nación, 11/04/18).

O ex-presidente Lula, dirigente incontestável do PT, se encontra preso desde o dia 7, sábado passado. Com a mais alta intenção de voto, algo em torno de 35%, fato que possibilitaria a ele facilmente ganhar as eleições.

Porém ao estar preso, com o recurso de habeas corpus negado, Lula ficaria fora das eleições presidenciais deste ano. O concreto é que a burguesia brasileira não quer nem saber de uma possibilidade de retorno do PT ao governo, mesmo contando durante 13 anos com enormes favores do partido. Se trata então de uma prisão política, isto é, o principal candidato às eleições deste ano é preso por supostamente ter recebido bens materiais (acusações sem qualquer prova formal) em troca de favores para empresas. Tal situação é lamentável e recorrente em todos os governos da patronal [1]. A então arbitrária prisão do ex-presidente confirma que o Brasil entrou, pelas mãos de Michel Temer, na dinâmica de um “governo de exceção” (estrutura na qual se violam direitos da democracia patronal).

Cambiemos (partido liderado pelo presidente argentino Mauricio Macri) festejou a prisão de Lula: uma medida de evidente impacto na Argentina. Traz também tendências mais reacionária aos nossos vizinhos e indiretamente suaviza as pressões que vinham sendo colocadas ao governo de Macri.

A batalha pela liberdade de Lula, para que o povo brasileiro que decida se vota ou não em Lula, é uma luta democrática elementar; uma luta que devemos levar adiante sem deixar de lado nossas gigantescas diferenças políticas com o Partido dos Trabalhadores.

“Golpe parlamentar”

A prisão de Lula radicaliza ainda mais o cenário reacionário no Brasil. Essa ofensiva começou há dois anos com o impeachment de Dilma Rousseff; um impedimento realizado com a desculpa de uma série de manobras fiscais chamadas ” pedaladas “.

O que são as pedaladas? Registrar os gastos fiscais do ano em curso durante o próximo; manobrar para que os números do atual governo fechem. Todo governo burguês faz manobras deste tipo; são extremamente recorrentes aqui no Brasil.

Entretanto, formalmente, não deixam de configurar como crime. Tampouco a corrupção, a acumulação de bens públicos de forma privada, seja algo específico do PT, porém isto seja muito mais condenável para um partido que se diz dos “trabalhadores” [2].

Fundada numa desculpa trivial para os cânones burgueses, o julgamento político à Dilma foi uma manobra reacionária, retirando o PT do poder sem que o mesmo expressasse qualquer tipo de resistência massiva nas ruas: um “golpe parlamentário” (sem a intervenção das forças armadas).

O procedimento do julgamento político de 2016 é formalmente legal. Porém na prática significou reorganizar e impor as formas tradicionais da democracia burguesa patronal: um governo eleito com mais de 50% dos votos, foi substituído por outro em que ninguém votou.

Temer colocou um intenso giro à direita, radicalizando a ofensiva sobre os trabalhadores (vale ressaltar que Dilma já havia começado os ajustes demandados pelo mercado do capital). A PEC do teto dos gastos, que congela o investimento público em vinte anos foi aprovada e também aprovada a reforma trabalhista, algo que deixa a patronal argentina invejada.

Simultaneamente se operou um giro reacionário no regime politico. A mais contundente expressão disso é a intervenção militar na cidade do Rio de Janeiro, o assassinato da companheira Marielle Franco e seu motorista Anderson e o posicionamento político de generais para pressionar o STF.

“O Brasil é hoje uma democracia supervisionada, na qual os uniformizados não governam, mas têm poder de veto” (Andrés Malamúd, La Nación, 11/04/18).

Ocorreu um deslocamento para a direita das correlações de força das classes. A burguesia se unificou em torno de Temer. As classes medias e altas giraram à direita comprando todo o discurso sobre a corrupção. A classe trabalhadora ficou feita um sanduíche entre a ofensiva reacionária e o sentimento justo de que o PT já era insustentável.

A base atual do PT são setores de vanguarda de massas e das classes medias progressistas; setores importantes, porém que não possuem forças para reverter este processo. O ampliado setor de massas assiste essa dinâmica de fora; não se mobilizaram contra a prisão de Lula.

O PT se dedicou a sabotar os avances em uma consciência de classe reformista conquistados nos anos 80; para amplos setores que “repudiam a política”, esquerda e direita “são o mesmo” (discurso propagado da extrema direita com Bolsonaro). 

A institucionalidade na frente

A ordem de prisão de Lula chegou na sexta 6; o PT não esperava (cretinismo institucional, os chamam). Lá começou uma guerra de nervos com Lula atrincheirando-se no sindicato metalúrgico de São Bernardo, um lugar histórico onde trinta anos atrás havia sido preso em protagonizar uma greve não menos histórica.

Uma imensa expectativa foi criada: Lula resistiria à prisão. A resposta popular começou devagar. Mas à medida que as horas passaram, as dinâmicas iam se polarizando. Milhares cercaram o sindicato; embora eles não fossem majoritariamente metalúrgicos, agrupavam uma multidão que ia crescendo, um setor com a disposição de jogar contra a prisão do líder. A polícia não ousava se aproximar por medo de confrontos e da criação de fatos políticos

Conforme passavam as horas, se multiplicavam as mobilizações por todo o país. Começavam os cortes de estradas e queima de pneus. A tensão aumentava; o país se mantinha com expectativa.

Lula não tomou a palavra esse dia, o fez num sábado depois de um ato religioso em memória da sua falecida esposa. Sobre o final de um discurso “combativo”, anunciou que se “apresentaria perante a justiça”. Lula seguia sendo Lula (reformista, conciliador).

Passadas algumas horas, quando a polícia finalmente apareceu para cumprir a ordem de prisão, setores da base petista se opuseram. Desde o caminhão de som a direção do PT (Gleisi Hoffman, sua secretária geral e presidente do partido), discursou para pedir que “deixassem que Lula fosse preso”, afirmando que, se não cumprissem a ordem, “seria pior”, despertando expectativas em um enésimo recurso judicial.

As direções do PT e da CUT (Central Única dos Trabalhadores), não conseguiram desafiar a prisão. Qualificaram de “histórica” a resistência (parcialmente pactuada com o juiz Moro), e nada além disso.

Existem setores da esquerda que erroneamente justificam Lula, afirmando que “não havia condições para uma paralização geral”. Erram no branco porque esse não é o ponto chave do assunto. Poderia ter convocado as paralizações civis, ao bloqueio de estradas e avenidas, a jornadas nacionais de luta ou o que seja. A disposição para sair às ruas era crescente em muitos setores.

A chave de tudo está na aposta do PT à institucionalização; jamais rompe-la. Fazer um pouco de “show” para esconder-se, mas sempre embaixo da desculpa de “respeitar a justiça” (às instituições).

No Brasil é uma obrigação o combate unitário e democrático conta as medidas de exceção; contra as emergentes correntes de extrema direita; contra as formações “pós-fascistas” [3]. Um combate que deve fazer-se levando adiante a mais ampla unidade de ação, e, inclusive, formas de frente única (claro que sempre preservando a independência política e a liberdade da crítica dos revolucionários). Um combate irrenunciável que grupos como o PSTU se enchem de vergonha ao se colocarem de costas para isso.

Mas, simultaneamente é muito perigoso esquecer-se de um ensinamento universal: a crítica para a adaptação passiva à institucionalidade por parte da social democracia. O fetiche de uma “legalidade”, que não só servia para conter as forças da classe trabalhadora, mas que impulsiona as forças reacionárias brasileiras.

Nada disto significa promover loucuras sem sentido. Mas quando se coloca em jogo a arbitrária prisão de um líder popular, quando as coisas começam a se radicalizar, quando tem-se a presença de um setor real que está disposto a defender Lula fisicamente, entregar-se sem sequer esboçar uma resistência, nos demonstra que preferiu-se o caminho da institucionalidade.

Lula cometeu mais uma capitulação ao entregar-se. O fez com a expectativa de que rapidamente poderia ser liberado. De momento, segue preso. E o perigo é desmoralizar a própria base social.

Enquanto defendemos incondicionalmente a liberdade de Lula, jamais devemos perder nossa liberdade de crítica. Relembrar sempre que o PT é um organizador de derrotas; uma burocracia que inclusive quando dirige a luta por seu líder, acaba por se preocupar com a radicalização das bases; tendência que os levam sempre a fazer acordos com os inimigos da classe trabalhadora.

Vamos pelo 1 de maio unificado

Macri manteve um perfil baixo mas festejou de mão cheia a prisão de Lula. Elogiou a “justiça independente” do Brasil… uma farsa que nada mais é do que uma arbitrariedade à serviço da patronal.

A prisão de Lula o fortalece. As ingênuas veleidades dos K, de que haveria “2019”, ficam ao nada. Isso porque a situação na Argentina e na região não está estabilizada de forma alguma. Pode girar-se para a esquerda assim como pode reafirmar e concretizar o avanço reacionário da direita. 

A leitura dos k e da CGT pela governabilidade, estagnou a conjuntura: deixaram passar março sem fazer qualquer tipo de mobilização. O governo assim se recuperou, retomou a iniciativa, deixou o debate sobre o aborto, mas, simultaneamente, decretou outro aumento de tarifas e agora prepara uma nova ofensiva para junho: levar para o Congresso a postergada reforma trabalhista.

Enquanto isso a CGT segue apagada com a desculpa que estaria se reorganizando e a nível da vanguarda e a nível da vanguarda, as autoridades de Posadas anunciaram que despedirão a todo o ativismo nos próximos meses; uma verdadeira provocação e uma luta enorme que deve começar a ser preparada agora mesmo.

A eterna trégua das direções sindicais, a duras lutas isoladas como as dos mineiros de Rio Turbio, o INTI e o Posadas; o avanço reacionário aqui no Brasil e a necessidade de defender uma perspectiva de independência política dos trabalhadores, nos coloca a tarefa, para todos os setores da esquerda, de construir o primeiro de maio em um ato unificado.

Nós da Izquierda al Frente mandamos à FIT uma carta formal que, todavia, não responderam e onde foi escutado de sua militância de que a unidade já está, são eles mesmos.

Isso nada mais é do que uma idiotice. Todos sabemos que a esquerda está dividida, que possuem várias lideranças e figuras e muitas expressões na luta dos trabalhadores, na juventude e no movimento de mulheres.

Achar que o FIT é a “unidade da esquerda” é construir um caminho de derrotas. Isso não passa de uma autoproclamação de uma seita covarde.

A conjuntura coloca que é preciso construir um ato unificado. A militância do nuevo MAS vai a fundo nessa perspectiva e há tempos que sustenta a luta pela defesa dos conflitos em curso e pelo aborto legal.

[1] não há nenhuma dúvida de que Lula recebeu propinas, favores e regalias ao longo dos seus anos de mandato. Na administração do Estado burguês, venha de onde venha, seja da cor que seja, se sucumbe a estas práticas. O que é específico aqui é a judicialização de uma circunstância não em função de qualquer critério de “justiça”, senão do evidente objetivo político de proibir Lula para a próxima eleição.

[2] O patrimonialismo se refere precisamente ao que estamos apontando: a apropriação privada de bens públicos.

[3] Existe todo um debate que requer “sutileza” na análise que aqui não podemos fazer, mas que escolhe não pecar nem por defeito, nem por excesso. Em todo o caso, apontamos que Enzo Traverso define genericamente formações como as de Bolsonaro no Brasil, como pós-facistas, no sentido que sequer contém as condições históricas que deram lugar ao verdadeiro fascismo, o que não quer dizer que as atuais expressões da extrema direita não sejam um perigo; procura apenas medir as coisas.  

 

*Tradução de Renato Assad