Não tem prestidigitação que possa esconder o caráter oportunista do acordo eleitoral firmado entre PSOL, PC do B e PSTU em Belém
Por Antonio Soler
Parte 1[1]
No final do mês de junho, dia 29, foi firmado o acordo eleitoral em Belém (capital do estado do Pará) entre PSOL, PCdoB e PSTU. É uma coligação eleitoral que visa disputar a eleição municipal em outubro do corrente ano. Nessa composição Edmilson Rodrigues (PSOL) é o candidato a prefeito e Jorge Panzera (PCdoB) é o vice-candidato da chapa. Na disputa para os cargos de vereador foi firmado um acordo entre PSOL e PSTU que irão fazer campanha prioritariamente para dois candidatos, um do PSOL (Marinor Brito) e do PSTU (Cleber Rabelo).
No segundo semestre a situação política nacional estará marcada pelas eleições municipais e tudo o que isso significa: campanha diária na TV e no rádio, debates entre os candidatos com a maior intenção de voto e, claro, as típicas ilusões que o voto dentro da democracia formal pode alterar alguma coisa importante na vida das pessoas. As eleições municipais acabam pautando centralmente os temas locais, não apenas pelo seu âmbito, mas porque não interessa aos candidatos da burguesia chamar a atenção para os grandes dilemas nacionais. A questão é que nas cidades os problemas são semelhantes e só podem ser revolvidos a partir de profundas transformações nacionais.
Mesmo que os sinais de intensificação da luta de classes se mantenham, no segundo semestre as eleições não deixaram de ter sua importância política e efeito polarizador. Mas, a participação nas eleições para os partidos socialistas revolucionários tem como objetivo – aproveitando o momento de maior discussão política entre os trabalhadores – apresentar a critica socialista ao capitalismo e apresentar uma alternativa de sociedade radicalmente oposta à atual.
Porque a coligação eleitoral de Belém merece atenção das organizações revolucionárias e da vanguarda estudantil e operária?
Apesar de não ter influência de massas, o PSTU é tido como referência para alguns setores de vanguarda, principalmente no sindicalismo público e na juventude, por isso a posição que assumiu em Belém e todas as falsificações políticas e teóricas que tenta construir para justificar sua política merecem uma análise crítica.
O PSTU aponta as seguintes possibilidades e objetivos[2] com a coligação: 1) Edmilson Rodrigues canalizaria um “sentimento de oposição de esquerda ao governo federal”. Esta em primeiro lugar nas pesquisas e tem ampla vantagem em relação ao segundo colocado; 2) A campanha potencializaria a agitação de “um programa revolucionário na cidade, o que se expressa hoje em nosso slogan “Belém para os Trabalhadores”; 3) Com a coligação as possibilidades de eleger “um operário socialista e revolucionário para a Câmara de Vereadores”; 4) Que é uma possibilidade de “fortalecer nosso partido, filiando muitos novos operários e trazendo-os para militar conosco. Ou seja, nossos objetivos nessa coligação são os objetivos tradicionais dos revolucionários, quando estes participam do processo eleitoral”[3]
E esses objetivos poderiam ser alcançados, para a direção do PSTU, com o ingresso na frente em Belém pelas seguintes condições políticas:1) Os partidos burgueses, que inicialmente iriam compor a frente, desistiram de participar da mesma, só ficando o PCdoB que é um partido da base do governo, mas não é um partido burguês; 2) Eles deram a batalha para que a frente de esquerda contasse com somente partidos operários, mas perderam a batalha e por isso deveriam fazer uma escolha entre participar ou não; 3) A política revolucionária é extremamente flexível e comporta uma infinidade de táticas e se pode fazer acordos com qualquer um, desde que se mantenha a liberdade política.
Ao se fazer perguntas as respostas já estão postas, em forma de hipóteses ao menos. Assim, para “responder” as críticas em relação coligação em Belém, esse partido levanta as seguintes questões: “teria o PSTU entrado na mesma lógica dos partidos que tanto critica? Seria essa uma aliança sem princípios, como tantas que existem por aí?”[4] A nosso ver todas as respostas para essas perguntas são positivas. A direção do PSTU abandona totalmente o critério de que a política revolucionária se desenvolve em uma faixa muito precisa entre o oportunismo e o sectarismo e, nessa faixa, não se pode esquecer a realidade concreta (sectarismo) e nem os princípios (oportunismo). O problema é que não se trata apenas de esquecimento mas o de fazer a divida síntese entre a realidade política e a “norma”, onde o resultado é a linha política concreta para um determinado momento.
A capitulação eleitoral do PSTU não é um raio em céu aberto, pois o oportunismo eleitoral em Belém foi precedido de vários problemas políticos dessa organização. Para ficar no mais recente e emblemático, podemos citar brevemente a linha que adotaram para o enfrentamento na ocupação urbano do Pinheirinho em São José dos Campos (SP). Nesse episódio ficou evidente a linha corporativista que leva à frente da direção do sindicato dos metalúrgicos (principal sindicato da região) dessa cidade, não foi capaz de mobilizar sua base sindical para apoiar os trabalhadores sem teto. Sem falar no cretinismo jurídico que caracterizou sua linha política, criando ilusões de que um conflito daquele porte poderia ser resolvido com um mandato de segurança.
Os critérios marxistas para se definir uma frente popular
O amalgama político criado pela direção do PSTU para justificar o injustificável é generalizado. Dentre eles encontramos: distorções, falsificações e unilateralidades na “analise” da situação concreta e dos elementos políticos que compõem a coligação eleitoral em Belém. Esse mesmo amalgama, também, foi estendido para o plano dos critérios marxistas para que se possam conformar acordos, alianças e, principalmente, frentes eleitorais.
Ao contrário do que tenta transmitir o PSTU para a militância, particularmente para as novas gerações, existe grande quantidade de material teórico que não deixa sombra de dúvidas para se caracterizar se estamos diante de uma frente eleitoral classista ou uma frente popular. Dentro desta temática a política revolucionária tem balizamentos conceituais bastante consolidados pela prática e reflexão política que remontam a experiência de pelo menos um século de histórica de luta de classes.
Ao contrário do que faz a direção do PSTU, é necessário considerar as organizações e personalidades que a compõe, passando em análise pelos seus programas, perspectivas políticas, táticas concretas que foram utilizadas para responder aos principais problemas da realidade, bem como o balanço político dos envolvidos. Nos escritos sobre a França e o processo político que a levou a uma frente popular na década de 30, Trotsky esclarece que a participação política dos bolcheviques no parlamento (Duma) se dava em circunstâncias muito específicas, formava-se coligações eleitorais – que não eram prioritárias – com os socialistas revolucionários (partido camponês radical).
Essa postura política não tem semelhança alguma com a frente popularque “representa um conglomerado de organizações heterogêneas, uma aliança duradoura de classes diferentes ligadas para todo um período – e que período! – por uma política e um programa comum: por uma política de ostentação, de declaração e de poeira nos olhos”[5] Assim a “frente popular” é uma aliança com setores burgueses ou pró-burgueses que acabam por enfraquecer a disposição de luta e cria ilusões parlamentares (cretinismo parlamentar). Essas alianças nunca são favoráveis para os trabalhadores porque acabam sempre predominando o programa e os interesses dos capitalistas, pois anulam o programa de transformação radical, marcam os eixos programáticos conservadores, fortalecem os preconceitos parlamentares (da democracia formal), que os problemas dos trabalhadores podem ser resolvidos sem a ação direta das massas e arrefecem a disposição e a perspectiva de luta independente dos trabalhadores.
As várias combinações políticas das frentes populares
É importante levar em conta que as frentes populares se estabelecem sem mesmo que haja a participação direta de partidos burgueses em sua composição. Essas frentes podem ser compostas por várias combinações políticas, inclusive sem a participação direta de partidos burgueses tradicionais na composição. Ao descrever e a caracterizar a frente popular espanhola, Trotsky esclarece que a política classista ao contrário do que defendiam os estalinistas – que defendia a participação “ampla” na frente eleitoral – não poderia se balizar apenas pela lógica aritmética simples, ou seja, ao aumentar o número de participantes se aumentaria automaticamente a força política dessa frente.
A lógica política é bem mais complexa. A política de frentes não pode ser compreendida e nem proposta dentro da mera lógica de soma de forças no abstrato, como queriam provar os seus defensores estalinistas. Trotsky explica que a frente popular obedece a operações matemáticas um pouco mais avançadas, onde nem sempre a “agregação de forças” resulta em uma soma positiva, pois a operação de +2-3 não resulta maior do que -1+2. O fundamental dentro da questão é perceber que uma frente popular nem sempre é resultado direto da participação burguesa no seu interior, pois “a Frente Popular espanhola não tinha paralelogramo de forças: o lugar da burguesia estava ocupado por sua sombra. Pela mediação dos estalinistas, socialistas e anarquistas, a burguesia espanhola tem subordinado o proletariado sem nem sequer ter o problema de participar da Frente Popular”[6] Assim, as frentes populares não se constituem apenas com a participação direta dos partidos burgueses. No caso da revolução espanhola da década de 30 foi realizada entre a aliança entre “organizações de esquerda”, não havia a participação direta da burguesia em seu interior. Mas, sua política de capitulação e programa acabou ficando para a história como uma política de traição a revolução devido ao seu programa e táticas levadas – responsabilidade direta das organizações “de esquerda” que dela fizeram parte.
Para Trotsky, “a primeira condição para aplicar a política de frente única é a ruptura total e absoluta com o conciliacionismo sem princípios”[7] A tática frentista de uma organização revolucionária deve estar a serviço dessa estratégia, ou seja, da perspectiva de impulsionar a luta direta dos trabalhadores e a clareza que esses só podem confiar em suas próprias forças. Entre os “clássicos” do marxismo não há separação estanque ou mecânica entre tática e estratégia (a tática sempre esteve a serviço da estratégia), muito menos em relação ao tema participação nas eleições burguesas.
A tática de frente classista, eleitoral ou não, fortalece a posição dos trabalhadores – evidentemente se estabelece determinados acordos com setores reformistas -, a mobilização e contribui para o fortalecimento da posição da vanguarda operária contra o capital. Constituem-se em primeiro lugar como necessidades praticas dos trabalhadores contra os capitalistas, na luta sindical, política ou mesmo dentro do parlamento. Negar-s a realizá-la quando isso pode significar um ponto de apoio na luta direta ou um avanço para na consciência políticas dos trabalhadores não passa de infantilismo político.
As frentes eleitorais classistas têm como perspectiva estratégica fortalecer despertar, impulsionar ou apoiar a atividade política, suas organizações e o desenvolvimento da consciência socialista da classe trabalhadora. Mesmo atuando no âmbito parlamente uma frente classista insiste permanentemente que o âmbito político fundamental – e onde as questões são resolvidas – é o do extraparlamentar, ou seja, o da luta de classes. Ao contrário, as frentes populares só servem para criar ilusões que através do voto se pode resolver problemas fundamentais dos trabalhadores ou mesmo obter alguma conquista significativa sem que a classe seja protagonista.
A composição da frente eleitoral de Belém
Evidentemente que o problema aqui discutido e a crítica à linha política eleitoral do PSTU não é em relação ao objetivo de eleger um vereador ou qualquer outro parlamentar. O espaço no parlamento, utilizado de forma revolucionária, pode ser muito útil e contribuir para a ação política e para a mobilização dos trabalhadores. Pode ser uma “tribuna” para denunciar o sistema, levantar as principais reivindicações; apoiar as lutas e denunciar os limites da democracia burguesa, do processo eleitoral e, além do mais, a necessidade de superá-los.
O problema grave é que o objetivo de eleger um parlamentar para cumprir esse papel não se pode dar a custo de uma política oportunista. Mais concretamente falando, tentando camuflar, como o faz a direção do PSTU, que a coligação eleitoral com a história, programa e organizações que compõem a frente em Belém não passa de uma frente popular e que se colocará, se eleita for para o campo majoritário (prefeito), contra os trabalhadores de Belém.
O PSTU parte da justificativa de que deram a batalha para que a frente fosse classista, sem partidos burgueses ou governistas. Mas, como perderam a batalha deveriam participar do jogo como ele é não como gostariam que fosse. Uma vez que os “partidos burgueses desistiram de participar da frente (…) sobrava mesmo o PCdoB, que não é um partido burguês, mas é um partido da base do governo Dilma, governo este que governa para a burguesia (…) diante do fato consumado de que o PSOL fecharia com o PCdoB, deveríamos definir se permaneceríamos na frente ou se nos retiraríamos dela devido à presença do PCdoB (…) os revolucionários nem sempre escolhem o campo de batalha, e muito menos as condições da luta”[8] O problema incontornável dessa linha é justamente que ao firmarem esse acordo eleitoral fizeram uma escolha que significa uma clara ruptura com a linha marxista revolucionária, ou seja, uma total capitulação ao jogo eleitoral burguês.
O argumento de que como o fato já estava consumado – a frente eleitoral com o PCdoB – haveria que fazer uma escolha e as escolhas não se dão em um campo de luta e em condições das quais escolhemos é totalmente injustificável no contexto concreto da coligação. Claro que não fazemos a luta política em condições que escolhemos, essa é uma premissa básica para os marxistas. As condições são objetivamente postas e temos que atuar diante e sobre elas, disso não podemos escapar. Ter uma política eleitoral dentro do jogo desfavorável das eleições burguesa quando os trabalhadores ainda têm ilusões na democracia formal é uma necessidade objetiva da política revolucionária. Assim, não participar do processo esperando condições mais favoráveis da luta de classes quando se tem a disposição a legalidade para isso significaria puro sectarismo político e idealismo teórico.
Outra coisa bem distinta é fazer uma escolha apenas levando em consideração as possibilidades de eleger um vereador – aproveitando o coeficiente eleitoral da frente -, desprezando o ambiente político em que esta se está inserida, as consequências para os trabalhadores e os objetivos estratégicos dessa participação para os revolucionários. Isso não passa de pragmatismo sem princípio, uma escolha política que desconsidera que ao fazer parte dessa frente se contribui de forma direta para a eleição de um governo que necessariamente se colocará contra os trabalhadores. Essa é uma linha política totalmente contrária ao marxismo revolucionário.
O PCdoB é um partido operário?
Antes de recorrer à tradição marxista revolucionária – para falsificá-la – sobre as alianças e acordos, o PSTU tenta fazer uma manobra “ilusionista” sem a qual teria muito mais dificuldade de defender a aliança firmada em Belém e lhe dar um caráter “ultratático”, mas principista. O faz isso descrevendo o PCdoB mas sem tirar nenhuma conclusão da própria descrição: ”partido da base de apoio do governo Dilma (…) que ajudou a aprovar o famigerado Código Florestal (…) controla com mão de ferro a UNE, entidade ex-estudantil, hoje governista, que nada faz para apoiar a incrível greve de professores e estudantes das universidades federais que está acontecendo no país”.[9]
Mas, apesar de tudo isso, para o PSTU o PCdoB continua sendo um partido operário. Sobre essa questão não se ensaia propositalmente nenhuma hipótese e muitos menos caracterização. O que define o caráter de classe de um partido? Sua composição social, sua direção, seu programa, sua política concreta diante das grandes questões da luta de classes. O PCdoB rompeu com a orientação soviética e passou ao maoísmo no final da década de 70, se transformou em um partido apoiador da ordem e defensor direto dos interesses patronais na década de 80 e hoje é apoiador incondicional e corrupto de um governo burguês. O fato do PCdoB ser parte da base do governo Dilma – um governo burguês atípico -, apoiar todas as medidas antioperárias como o código florestal (cheque em branco para o latifúndio desflorestar), a lei da copa (que dentre outras barbaridades garante o reino dos monopólios e ataca a liberdade política dos trabalhadores), constituir uma das piores burocracias sindicais e estudantis da história do país a frente da CTB e UNE, respectivamente, bem como também esta até a medula envolvido com os esquemas de corrupção do atual governo. Assustadoramente para o PSTU o conjunto desses elementos não muda em nada a sua natureza política do PCdoB, ou seja, continua sendo um partido operário. A nosso ver esse partido perdeu há algum tempo o seu caráter operário, se trata de um partido pequeno-burguês. Abstratamente mantém um programa socialista como puro verniz de uma atuação sindical e estudantil extremamente burocrática, imobilista e de uma política totalmente alinhada com os interesses do grande capital.
O programa da frente esta abaixo do reformismo
Mas, a “análise” da composição da coligação de Belém não para por ai. Outras falsificações são produzidas para tentar esconder o seu real caráter. Tenta afirmar que essa frente tem um caráter progressista e aliado com as lutas sociais, assim para o PSTU a coligação de Belém é “uma frente identificada claramente com as lutas contra a superexploração e a corrupção das obras da Copa e de Belo Monte, em defesa do meio ambiente e contra o Código Florestal, uma frente que recebeu o apoio do Movimento Xingu Vivo etc.”[10].
Para refutar essa possível identificação da coligação com as lutas dos trabalhadores pinçamos duas declarações para ajudar no esclarecimento se o programa realmente é identificado com “as lutas” dos trabalhadores e dos oprimidos. O primeiro é o da candidata a vereadora pela coligação, Marinor Brito, na convenção eleitoral que aprovou a candidatura de Edmilson. Começa exaltando as qualidades do candidato e depois conclama os companheiros a “mais uma jornada de lutas em favor do nosso povo que hoje sofre com as péssimas condições de saúde, saneamento e violência de toda ordem. Vamos percorrer nossa cidade e conclamar o povo para trazer voltar Belém para as mãos do povo! Vamos governar novamente esta cidade e construir o terceiro governo do povo”, disse a ex-senadora”[11]
O outro pronunciamento é do próprio candidato a prefeito. Edmilson disse que pretende realizar “emergencialmente uma verdadeira guerra, no bom sentido, para desobstruir canais e limpar a cidade, declarou. Ao mesmo tempo pretende reativar o programa Bolsa Escola, para ajudar a tirar as crianças das ruas. A saúde, de acordo como candidato, também receberá uma atenção especial”[12] Ou seja, como se pode notar nas falas dos principais candidatos da coligação nada de referência aos trabalhadores, das importantes lutas nas obras de Belo Monte, da luta contra a degradação ambiental, do novo código florestal, da luta contra a exploração ou coisa que o valha.
E não se trata de esquecimento, evidentemente são declarações que refletem o centro programático e do programa de governo dessa coligação. Estamos diante do programa de mais uma frente eleitoral popular que tem por objetivo governar para todo o “povo”, o que significa, em outras palavras, não enfrentar os interesses dos grandes capitalistas da cidade, não se posicionar para que o orçamento sirva para melhorar as condições de vida dos trabalhadores e, muitos menos, uma gestão que se submeta aos conselhos populares e não ao verdadeiro circo do orçamento participativo ao estilo petista.
O PSTU se “esqueceu” dos dois mandatos de Edmilson em Belém
Em um dos textos mais célebres de Lênin, um combate ao ultraesquerdismo e ao oportunismo, o preceito ético-político é claro em relação a como se colocar não apenas em relação a táticas relativas a frentes eleitorais: “tendes a obrigação de não descer ao nível das massas, ao nível das camadas atrasadas da classe, isto é indiscutível. Tendes a obrigação de lhes dizer a amarga verdade. Tendes a obrigação de chamar preconceitos aos seus preconceitos democrático-burgueses e parlamentares”[13] Quando “analisa” as condições políticas da frente eleitoral de Belém e os referenciais teóricos marxistas para se constitui uma frente – eleitoral ou não – a “verdade” dos companheiros assume uma feição totalmente invertida.
Quando no último parágrafo da “nota” o PSTU declara que “dizer toda a verdade aos trabalhadores em alto e bom som, convocá-los à luta, inspirar-lhes confiança em suas próprias forças, disseminar entre eles o ódio de classe: é isso que sempre fizemos e continuaremos a fazer, desta vez em Belém com muito mais força”[14]. Mas, o que fazem na prática com essa política e a sua justificação o oposto disso, pois tentam esconder – como se fosse possível – do que são feitos os partidos e as personalidades que a compõe. O PSTU gasta páginas e mais páginas para esconder os fatos: “os sentimentos dos trabalhadores que acreditam em Edmilson serão frustrados se Edmilson tentar governar para todos. Devemos então combater essa política? (…) combatendo a ideia de um governo ‘para todos”.[15] Companheiros (!), essa experiência os trabalhadores de Belém já tiveram em um passado bem recente, isso não se pode esconder como faz a direção do PSTU.
Se Edmilson for eleito o PSTU, que se postula como partido socialista revolucionário, vai ser um dos responsáveis diretos pela eleição de um governo burguês e não pode resolver essa contradição prática com uma campanha diferenciada como quer fazer crer. Pois, não está colocado apenas como hipótese que um possível governo de Edmilson frustre os trabalhadores que irão votar nele devido à política de um governo “para todos”, isso será inevitável. Querem colocar debaixo do tapete o fato de que os dois mandatos de Edmilson pelo PT se deram dentro do modo petista de governar, ou seja, foram mandatos a serviço da classe dominante que se enfrentou com as greves do funcionalismo público e colocou a gestão pública a serviço dos interesses dos grandes capital, típico de qualquer governo burguês.
Ao querer eleger, a qualquer custo, um vereador na aliança com setores governistas, o PSTU rompe com princípios básicos do marxismo (a independência de classe). Para Trotsky, os acordos para se atingir determinados objetivos práticos não se podem fazer a custo de “silenciar as divergências existentes e de emitir declarações de duplo sentido, que permitem a cada participante interpretá-las a sua maneira”[16] A impaciência com a situação política de ainda pouca atividade política das massas, o momento construtivo do partido e sua pouca influencia sobre as massas pode levar a terríveis desvios políticos ou mesmo a um perfil claramente oportunista.
O PSTU deixa claro em sua tática oportunista que infringe outro preceito básico da política revolucionária: a paciência diante das condições concretas de desenvolvimento partidário, da evolução da luta de classes e da influencia dos revolucionários sobre setores das massas trabalhadoras. No caso da linha ora em questão verifica-se que essa impaciência e o afã de obter um mandato parlamentar levou ao espúrio compromisso com uma aliança eleitoral que conta com todos os “códigos genéticos” de uma frente popular que, se eleita, se colocará contra osinteresses dos trabalhadores.
Ao se caracterizar a frente eleitoral de Belém não se pode desconsiderar o conjunto dos elementos concretos de uma frente popular eleitoral que estão contidos nela (programa de conciliação de classes, partidos com base social heterogênea/governistas). Quando se leva seriamente em consideração as características políticas dos envolvidos nessa coligação eleitoral, bem como o balanço da política levada no passado recente pelo candidato a prefeito, não temos dúvida que a escolha feita pelo PSTU em entrar na coligação é desastrosa.
Fazer parte dessa frente é ligar bandeira, nome, programa e militantes a essa plataforma política de conciliação, avalizar seu programa e os seus candidatos. É exatamente como dizer para os trabalhadores de Belém para esquecerem qual foi a política de Edmilson quando foi prefeito da cidade, para esquecerem como tratou a greve dos professores, para esquecerem que administrou a cidade voltada para os interesses da burguesia, que é possível administrar uma cidade para os trabalhadores sem romper com o capitalismo e sem um processo de mobilização dos trabalhadores de forma independente e à altura dessa tarefa.
Flexibilidade tática não significa romper com os princípios
Não há duvida alguma entre os textos clássicos de qual é a forma revolucionária de abordar os compromissos/acordos políticos. Para os revolucionários são claros os limites para que se possam estabelecer frentes acordos/compromissos sem renunciar aos princípios, a classe trabalhadora, ao papel revolucionário do partido e à educação política das massas para a revolução. Ao contrário do que afirma a direção do PSTU, de que não existe uma teoria e historiografia sobre qual é o limite das manobras táticas em relação às eleições, os textos clássicos do marxismo revolucionário são enfáticos nesse sentido. Para Trotsky a principal regra da política revolucionária, a mais sólida para se aplicar em qualquer manobra – não apenas a eleitoral – é saber manter a organização revolucionária totalmente diferenciada das demais, principalmente quando se trata de organizações/personalidades traidoras.
A “nota” da direção nacional do PSTU recorre a exemplos clássicos para demonstrar que existe grande flexibilidade tática na política revolucionária. Tentam “provar” que dentro do conceito de flexibilidade tática se justificaria um partido revolucionário participar/apoiar frentes eleitorais com a presença de partidos burgueses ou governistas. Perguntam, “qual é o limite da flexibilidade? Como saber se um determinado acordo é admissível ou não? Quais são os princípios que precisam ser observados?” Para “responder” a essas perguntas fingem recorrem seriamente a exemplos históricos amplamente conhecidos e aceitos entre os marxistas sobre como um acordo pode ser benéfico para avançar no processo revolucionário ou para resistir a uma ofensiva fascista.
O primeiro exemplo utilizado pela direção do PSTU sobre flexibilidade tática é o da famosa chegada de Lênin a Rússia através do trem alemão, isso foi possível naquele momento por um acordo com o governo alemão. Como os bolcheviques eram contra a guerra, o governo alemão acreditada que a chegada de Lênin iria fortalecer sua posição na guerra. É claro que essa manobra foi necessária e correta porque possibilitou que o principal dirigente da revolução russa pudesse assumir sua posição in loco e cumprisse o papel decisivo que a história demonstrou. Esse acordo nada implicou na linha de independência de classes dos bolcheviques, não criou ilusões ou muito menos fortaleceu o governo alemão. Então, não há nada que possa desabonar essa manobra.
A “nota” distorce o texto de Lênin intitulado Sobre os compromissos. Nesse texto Lênin define qual é a posição dos bolcheviques em relação aos compromissos, afirma que “a tarefa de um partido verdadeiramente revolucionário não consiste em proclamar impossível a renúncia a quaisquer compromissos, mas em saber permanecer fiel, através de todos os compromissos, na medida em que eles são inevitáveis, aos seus princípios, à sua classe, à sua missão revolucionária, à sua tarefa de preparação da revolução e de educação das massas do povo para a vitória da revolução”[17] O problema é que nos exemplos utilizados pela direção do PSTU se esconde que o que se pretendia com as manobras – enquanto método subordinado aos métodos básicos da luta revolucionária e que não os podem substituir e nem garantir resultados em longo prazo – era ganhar tempo e melhores condições para a ofensiva revolucionária enquanto dispunha ainda de forças insuficientes para tal. Mas, “e impossível escapar das dificuldades fundamentais por meio de manobras”[18] Note-se que em nenhum dos casos se estabelece uma aliança permanente ou frente com organizações burguesas ou traidoras.
“Flexibilidade tática” para justificar políticas de capitulação
Trotsky nos escritos de 1930-1940 sobre o processo que desembocou na ascensão do fascismo na Alemanha – por conta, inclusive, da política estalinista – assevera que a questão da unidade de ação é uma necessidade das massas na luta contra o capital, mas que é necessário tomar cuidado com dois tipos básicos de equívocos em torno do tema da unidade.
O primeiro é lançar palavras de ordem que, apesar de serem radicais, não estabelecem correspondência com a consciência das massas. A outro equivoco é para Trotsky o mais “fatal”, pois “a política de frente única se transformou para a direção estalinista em uma conquista de aliados, ganhos ao preço da independência do Partido Comunista”[19] A única grande estratégia da burocracia estalinista era defender os próprios interesses enquanto casta dirigente da URSS, para isso se apoiava “teoria” de que era possível construir o socialismo em um só país. As suas táticas não respondiam às necessidades da luta de classes, mas à defesa pura e simples do status dessa burocracia que ia do extremo sectarismo (Alemanha) ao oportunismo político (China), o que levou a orientações desastrosas para a luta dos trabalhadores na década de 30 e em todo o século XX. A experiência histórica na China e Espanha demonstrou que Trotsky tinha total razão ao criticar essa política de frente única com a burguesia, pois essa foi decisiva para a derrota dos processos revolucionários nesses países. Ou seja ,Trotsky criticou sistematicamente o stalinismo que sempre teve como única estratégia a defesa do próprio poder e tentou transformar as manobras e a “flexibilidade tática” no principio básico da política marxista.
Outro exemplo de flexibilidade tática principista e totalmente desvirtuado pela “nota” esta descrito no texto já citado de Lênin Sobre os compromissos. Frente ao acirramento da luta de classes em 1917 na Rússia e a insustentabilidade do governo provisório de kerensky a linha de Lênin foi propor um compromisso não com a burguesia, mas com os partidos pequeno burgueses (socialistas revolucionários e mencheviques) que “como bloco governamental, concordariam (…) em formar um governo inteira e exclusivamente responsável perante os Sovietes, com a transmissão para as mãos dos Sovietes de todo o poder, incluindo o local (…) confiando em que uma efetivamente completa liberdade de agitação e a imediata realização de uma nova democracia na composição dos Sovietes (sua reeleição) e no seu funcionamento, garantiriam por si mesmas um movimento pacífico da revolução para frente e a superação pacífica das lutas partidárias no seio dos Sovietes”[20] Para os bolcheviques essa proposta de acordo significava um recuo tático em sua agitação política, mas proporcionava a estratégia de depor o governo provisório e uma transição pacífica ao poder soviético sem a luta armada.
O compromisso proposto por Lênin naquele momento consistia em que os bolcheviques renunciassem à apresentação imediata da reivindicação da passagem direta do poder para o proletariado e dos métodos revolucionários de luta por esta reivindicação. “A condição, por si mesmo evidente e não nova para os socialistas-revolucionários e mencheviques, seria a plena liberdade de agitação e a convocação da Assembleia Constituinte sem novos adiamentos, ou mesmo num prazo mais breve”[21] Claro que ai havia uma tática política de exposição direta dos partidos pequeno-burgueses às massas para que a experiência com esses pudesse ser feita de maneira direta sem a mediação da burguesia, como acontecia com kerensky à frente do governo, o que possibilitaria ganhar o conjunto da massa operária para as posições bolcheviques. Então não se tratava apenas de uma proposta de “compromisso”, mas de uma combinação tática entre compromisso e manobra política que visava avançar no processo de experiência das massas com os dirigentes capituladores, experiência que no final das contas só poderia mesmo interessar aos bolcheviques e ao avanço do processo revolucionário.
Na tradição marxista revolucionária não existe meias verdades, o balanço político é realizado por completo, pois “o acordo em função de um objetivo pratico não se deve pagar, em nenhum caso, a preço de concepções de principio, de silenciar as divergências existentes e de emitir declarações de duplo sentido, que permitem a cada participante interpretá-las a sua maneira”[22] Ao citar Trotsky acabam se traindo, pois a direção nacional do PSTU utiliza uma passagem que vai contra a própria linha de argumentação: “você nunca deve se atrever a fundir, misturar ou combinar sua própria organização partidária com uma estranha, mesmo que esta pareça muito 'simpática' hoje. Não assumir tais passos que levem direta ou indiretamente, aberta ou mascaradamente, seu partido à subordinação a outros partidos ou organizações de outras classes, ou que restrinjam sua liberdade de ação, ou que o torne responsável, mesmo que em parte, pela linha política de outros partidos”[23]
Logo após essa citação a nota conclui, absurdamente, que “para Trotsky e para Lênin o decisivo não é se o partido faz ou não faz acordos, e com quem são esses acordos, mas sim se o partido mantém ou não sua independência política, sua liberdade de ação, se mostra seu próprio programa ou não, se levanta suas próprias consignas ou não, se tem seus próprios materiais ou não” [24]. Aqui a referencia é a luta contra a ascensão fascista na Alemanha no final da década de 20 que na previsão de Trotsky redundaria na derrota não só política mas também física do movimento operário. As cartas e artigos de Trotsky são feitos em um tom quase que desespero para que o partido comunista alemão rompa com a teoria stalinista do “social-fascismo” (que defendia que não havia diferenças significativas entre os fascistas e os socialdemocratas), rompesse com essa orientação sectária e fizesse acordos para enfrentar o fascismo na luta política e nas ruas.
Os exemplos do apoio a Lula em 1989, dado pela “nota” não se pode tomar como parâmetro sério de polêmica, pois esse deu-se em um contexto totalmente distinto do atual. Acabávamos de sair da ditadura militar, era a primeira eleição presidencial pós-ditadura, o programa de lula continha elementos progressivos, como reforma agrária e não pagamento da dívida externa e não havia se consumado nenhuma experiência política importante com o PT. O apoio crítico a candidatura Lula mesmo com Bisol (representante de PSB) como vice-presidente na chapa de Lula era uma tática aceitável. Diferente é o apoio no segundo turno dado a Lula pelo PSTU em 2002, nessa ocasião se configurou uma posição claramente oportunista. Na “nota” dizem que “diante da polarização política em toda a sociedade, acompanhamos a experiência dos trabalhadores com Lula e chamamos a votar nele no 2º turno”[25]Desde 1989 já havia se passado mais de uma década de traições do PT e de Lula, sem falar na Carta ao Povo Brasileiro nas eleições de 2002 onde o PT deixa claro qual iria ser a sua política frente ao governo. Desta forma, a política correta no segundo turno seria chamar o voto nulo e não apoiar Lula como fez o PSTU
Ao contrário do que tenta demonstrar a direção do PSTU, citando Trotsky, a flexibilidade não é a principal característica dos revolucionários, mas sim a sua dureza em relação aos princípios. “Não o “otimismo” abençoado, mas a intransigência, a vigilância e a desconfiança revolucionária e a luta por cada pedaço de independência – esses são os traços essenciais do bolchevismo”[26] A resposta dos companheiros do porquê fazer o acordo em Belém é: “porque este acordo não amarra em nada nossas mãos, não diminui em nada a crítica que faremos ao governo Dilma, não nos obriga a baixar nem um pouco o tom crítico ao próprio PSOL ou Edmilson, sempre que considerarmos que sua política está errada”[27]
Maior cinismo político é difícil de conceber! Como manter as mãos livres enquanto parte orgânica de uma frente popular e com candidatos que tem o balanço político de Edmilson ou em figuras públicas de um partido (PCdoB) da base de sustentação de um governo burguês que se utiliza de métodos gangsteristas no movimento sindical e estudantil e que é envolvido até a medula em corrupção? Com uma simples leitura das obras clássicas citadas e não citadas pode-se facilmente verificar que não se encontra sequer uminha referência que possa justificar essa linha política. Daí a necessidade de não avaliar concretamente os partidos envolvidos, o programa e as personalidades que compõe a coligação de Belém.
Nem Moreno consegue salvar PSTU da tática oportunista adotada em Belém
Como não encontra apoio entre os “clássicos”, o PSTU recorre ao seu teórico mor (Nahuel Moreno) para encontrar desesperadamente uma “teoria” que justifique seu oportunismo político ao participar da frente popular eleitoral de Belém. Utiliza citações escondendo descaradamente qual é o seu contexto com o objetivo de criar a ilusão de que a sua linha esta de acordo com a referência citada, puro ilusionismo analítico. Encontramos na “nota” a seguinte citação: “traição é apoiar eleitoralmente uma frente popular ou um movimento nacionalista burguês sem denunciar que sua existência é uma traição ao movimento operário. Ou seja, o voto em si é para nós um problema tático e não principista; o que é principista é a política, e esta deve ser de denúncia implacável de qualquer frente popular ou nacionalista onde a classe operária esteja, como uma traição dos partidos operários reformistas que a promovem” e que “voltamos ao início, sobretudo ao que diz Moreno: votar ou não, participar ou não de uma frente que combatemos – isso é tático. O princípio é a política, a denúncia, a verdade dita em alto e bom som. É aí que mora o perigo, mas também o mérito e a correção da tática revolucionária.”[28]
O incrível é que querem se sustentar politicamente em uma citação que justamente faz uma condenação ao apoio e permanência no interior de uma frente popular (não o contrário), como querem fazer crer. Realizam um exercício de prestidigitação política e desonestidade intelectual sem igual. É necessário esclarecer que se tratava de uma polêmica de Moreno com a maioria do Secretariado Unificado da Quarta Internacional, pois a maioria caracterizava como traidora a política de participar da frente eleitoral no Uruguai no início da década de 70. Nessa polêmica, Moreno considera que a postura do partido Uruguaio – como a do partido Francês que não é criticado pela maioria – era um equívoco político e não uma traição. Então, tratar da citação acima como se fosse um preceito positivo diante da participação orgânica em uma frente popular, como é caso de Belém, é desonesto até com a própria história política da corrente desse partido.
Àqueles (as) que tiverem a paciência para ler na integra a polêmica verão que ela se inicia com a resposta à critica de que a política eleitoral do PST argentino havia sido oportunista ao propor ao peronismo de esquerda que realizasse uma campanha para que 80% dos candidatos a eleição fossem operários eleitos pela base e que fosse elaborado um programa de luta. Mas, o que interessa aqui é que essa polêmica se estende a tática eleitoral das seções francesas e uruguaia da quarta internacional. Nos dois casos a posição de Moreno foi de uma clara condenação política a essas táticas pelo fato de chamarem o voto (seção francesa) ou de ficar no interior da frente (seção uruguaia). Inclusive o texto afirma que “quando os camaradas franceses caracterizaram que a Frente de Esquerda não era uma frente popular porque havia nela poucos burgueses, cometeram um gravíssimo erro, que os conduziram logo a outro pior: caíram no oportunismo e fizeram o jogo e a política frente populista do estalinismo Frances”[29] Para se ter uma política correta nas eleições não basta manter uma independência programática frente às eleições, por si só isso não garante o principismo, como afirma Moreno.
É necessário dizer claramente a que serviu e a que serve uma frente popular, não apenas a partir da farta historiografia traidora das frentes populares nas décadas de 30 na França e na Espanha, mas também com exemplos mais atuais, inclusive em relação aos dois governos de Edmilsom pelo PT. Mas, mesmo Moreno condena como equívocos o fato de se manter ou chamar o voto em uma frente popular. É necessário se manter totalmente independente. “Os camaradas uruguaios cometerem seu erro no âmbito que lhes foi imposto a disjuntiva de permanecer na frente e votar nos candidatos no mesmo (orientação equivocada) ou verse obrigados a sair da mesma fazendo um grande escândalo (a orientação correta)” Já na França “não estávamos constrangidos por exigências táticas de nenhum tipo, nem estávamos praticando entrismo em nenhum partido reformista (…) Não votando nos candidatos burgueses estava tudo solucionado. Apesar disso votamos na Frente de Esquerda”[30]
Moreno no debate com Germain faz a distinção entre capitulação oportunista e traição, pois “são graves erros, de nenhuma maneira uma traição”, para ele “traição é apoiar eleitoralmente uma frente popular ou um movimento nacionalista burguês sem denunciar que sua existência é uma traição ao movimento operário (…) o voto em si é para nos um problema tático e não principista”[31] Claro que esse raciocínio reducionista é perigoso, pois mesmo o voto sendo tático ele pode significar uma grave capitulação, principalmente quando se chama o voto em partidos/personagens marcados bom uma história de posturas concretas contra os trabalhadores, como é o caso de Belém. Não se pode ser ao mesmo tempo principista e oportunista, não temos acordo com essa e nem com outras caracterizações de Moreno[32]. Cria uma confusão, pois como se pode ser ao mesmo tempo principista e ter uma política oportunista nas eleições, sendo que o oportunismo é justamente a ultrapassagem da linha de classes?
De qualquer maneira, não existe referencial político/teórico revolucionário, mesmo dentro do “morenismo”, de que se integrando/apoiando uma frente popular eleitoral, como é o caso de Belém, se garanta uma política correta ou principista. É necessário deixar claro que o sentido da polêmica de Moreno contra a maioria da quarta internacional é o de condenar as duas políticas como equivocadas (não traidoras). Tanto a política da seção francesa, que chamou o voto e não denunciou a frente popular, quanto a Uruguaia, que apesar de denunciar a frente popular não soube romper com ele se mantendo em seu interior.
Ao citar de forma totalmente leviana um fragmento dessa polêmica da década de 70, os companheiros da direção do PSTU, mais uma vez, tentam criar uma cortina de fumaça, mas que não resiste a um assopro e se desfaz. A sua política é claramente oportunista e seria condenada mesmo dentro da linha argumentativa exposta por Moreno na polêmica citada, pois não está apenas chamando o voto na frente popular que – diante do balanço político do seu candidato a prefeito (Edmilson), dos ataques que este realizou conta os trabalhadores, e da política burguesa dessa frente – já significaria uma capitulação oportunista. Além disso, vergonhosamente, é parte orgânica da mesma, responsável por seu programa, seus métodos e serão responsabilizados politicamente, também, pelos ataques aos trabalhadores se a coligação eleita for e repetir – o que é o mais provável – a linha dos dois mandatos de Edmilson frente à prefeitura de Belém.
A “lei” em relação às frentes eleitorais é a da total independência, nenhuma plataforma política comum com os partidos burgueses ou pró-burgueses, nenhuma participação carnal nessas frentes eleitorais populares, denuncia das frentes eleitorais que iludem os trabalhadores com um verniz de “esquerda”, mas que só objetivam anular suas forças e eleger novos governos a serviço da classe dominante e que, necessariamente, vão se enfrentar no âmbito extraparlamentar os trabalhadores e suas lutas. De alguma forma a direção do PSTU sabe que não pode encontrar justificativa plausível para essa tática escandalosa, por isso realiza uma série de manipulações que muitas vezes esbarram no ridículo. Utilizando citações fora do contexto, análises superficiais/unilaterais e caracterizações distorcidas impõe à sua base essa linha escandalosamente oportunista travestida de principista.
Como os revolucionários devem se postular nas próximas eleições?
Em primeiro lugar apresentar campanhas com um claro perfil independente. As candidaturas/frentes devem se constituir como instrumentos políticos dos trabalhadores contra os capitalistas e servir como catalisadoras dos processos de luta (contra o governo e contra os patrões) que estão a se desenvolver pelo país, a exemplo da luta dos funcionários públicos federais, dos caminhoneiros, da juventude radicalizada contra a opressão e contra o sistema, dos trabalhadores da GM, da luta contra o latifúndio e por teto.
Apesar das ilusões das massas no processo eleitoral é necessário denunciar o papel reacionário que cumpre as eleições no regime burguês. Também não pode ficar de fora a denúncia de que nesse sistema político os trabalhadores só podem participar de quatro em quatro anos e os representantes (na maioria financiada pelos capitalistas para votarem leis contra os trabalhadores) não podem ser depostos por quem os eles, ou seja, é um sistema montado para conspirar cotidianamente contra os interesses dos trabalhadores.
É necessário que as candidaturas operárias se diferenciem em primeiro lugar do governo Dilma, principal responsável pelos pacotes anticíclicos (que transferem bilhões para os grandes capitalistas e retiram os mesmos bilhões dos serviços públicos), pelo pagamento dos juros da dívida interna e externa (que retira a cada ano algo como 48% do orçamento da união) e pelas políticas que só aumentam a exploração e a opressão sobre os trabalhadores que, além mais, estão enfrentando uma situação política com fortes elementos reacionários o que significa dentre outras coisas uma política generalizada de criminalização das lutas.
Nas eleições do segundo semestre estamos dispostos a nos integrar de forma militante às candidaturas classistas e independentes que assumam um programa de denúncia cabal ao sistema e que tenham por objetivo ligarem-se aos processos de luta que estão em curso. Nesse sentido, chamamos o PSTU para que rompa imediatamente com a orientação oportunistas posta em prática em Belém e passe a caminhar no sentido da construção de frentes de esquerda (sem patrões, burocratas e traidores) que sejam instrumentos políticos de aglutinação da vanguarda que não encontra espaço para coordenar e unificar as suas lutas. Por isso, o espaço do radio e TV, apesar de curtos, para os partidos operários com legalidade, e as demais atividades de campanha devem servir com uma tribuna desse nascente processo de mobilização nacional em que vivemos.
[1]Esse texto será completado na próxima semana por um complemento que conterá uma avaliação sobre as posição de outras correntes políticas que também se dedicaram a criticar a posição do PSTU em relação à coligação eleitoral em Belém.
[2] Por que estamos em uma frente com o PSOL e o PCdoB em Belém? Nota pública do PSTU sobre a frente eleitoral na capital paraense.
[3]Ídem.
[4]Ídem.
[5] Leon Trotsky. Aonde vai a França?Ed Desafio, 1994, p. 134.
[6] Leon Trotsky. España revolucionária. Escritos 1930-1940. Colección Clasicos. Ed Antidoto, p 297-298 s/a.
[7] León Trotsky. Revolución e fascismo em Alemania. Escritos 1930-1933. Coleccion Clasicos. Editora Antídoto, p.252.
[8]Por que estamos em uma frente com o PSOL e o PCdoB em Belém? Nota pública do PSTU sobre a frente eleitoral na capital paraense.
[9]Idem.
[10] Por que estamos em uma frente com o PSOL e o PCdoB em Belém? Nota pública do PSTU sobre a frente eleitoral na capital paraense. http://www.pstu.org.br.
[12] http://somostodosedmilson.blogspot.com.br
[13] V.I. Lénini. Obras escolhidas. A doença infantil do “esquerdismo” no comunismo, T 3, p. 306. Edições Avante, 1979.
[14]Por que estamos em uma frente com o PSOL e o PCdoB em Belém? Nota pública do PSTU sobre a frente eleitoral na capital paraense.
[15]Por que estamos em uma frente com o PSOL e o PCdoB em Belém? Nota pública do PSTU sobre a frente eleitoral na capital paraense.
[16] León Trotsky. Revolución e fascismo em Alemania. Escritos 1930-1933. Coleccion Vlasicos. Editora Antídoto, p 255, s/a
[17] V.I.Lénini. Obras Escolhidas. Tomo 2. Sobre os compromissos. Edições Avante, Lisboa, 1981, p 155.
[18] Leon Trotsky. Stalin, o grande organizador de derrotas. Ed instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2010, p 192 -193.
[19] León Trotsky. Revolución e fascismo em Alemania. Escritos 1930-1933. Coleccion Clasicos. Editora Antídoto, p 118.
[20] V.I.Lénini. Obras Escolhidas. Tomo 2. Sobre os compromissos. Edições Avante, Lisboa, 1981, p 156.
[21] Ídem.
[22]León Trotsky. Revolución e fascismo em Alemania. Escritos 1930-1933. Coleccion Clasicos. Editora Antídoto, p 255, s/a.
[23]Por que estamos em uma frente com o PSOL e o PCdoB em Belém? Nota pública do PSTU sobre a frente eleitoral na capital paraense. http://www.pstu.org.br.
[24]Idem.
[25] Por que estamos em uma frente com o PSOL e o PCdoB em Belém? Nota pública do PSTU sobre a frente eleitoral na capital paraense. http://www.pstu.org.br.
[26] León Trotsky. Stalin, o grande organizador de derrotas. Ed instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2010, p 196.
[27]Por que estamos em uma frente com o PSOL e o PCdoB em Belém? Nota pública do PSTU sobre a frente eleitoral na capital paraense. http://www.pstu.org.br.
[29] Nahuel Moreno. El Partido y la revolucion. Ed Antidoto. B.A., 1999, p 126.
[30]Idem, p 127.
[31] Ídem, p 128.
[32]Ver artigos teórico e políticos da Revista Internacional Socialismo o Barbárie.