Apresentamos abaixo o décimo segundo artigo da SÉRIE PARTIDO: O trabalho no movimento operário, de Roberto Sáenz. Para compreender as dificuldades do necessário trabalho orgânico no interior da classe operária, o autor começa seu artigo explicando as dificuldades histórico-sociais do acesso à classe operária pela correntes revolucionárias após a burocratização da Revolução Russa. No entanto, com a restauração capitalista dos Estados burocráticos, novos processos de organização e mobilização começam a passar por fora do controle da burocracia. Agora, no atual momento de tendência mundial à polarização e ao desequilíbrio em todas as esferas da vida, e à medida em que nossas organizações vão ganhando mais corpo, ter iniciativas para fazer ingressar quadros jovens nas grandes concentrações operárias é fundamental. Pois, novos compas podem adquirir a insubstituível experiência junto à classe operária, nossas organizações ganham capilaridade e podem compreender as dinâmicas politicas com “termômetros” diretos no seio da sociedade e, aos poucos e sem autoproclamação, vamos contribuindo para dotar a classe de uma direção à altura dos seus desafios históricos. Boa leitura!
Redação
O trabalho no movimento operário
ROBERTO SÁENZ
“É necessário saber como enfrentar tudo, estar pronto para fazer todos os sacrifícios e até mesmo – se necessário – recorrer a vários estratagemas, astúcias e procedimentos ilegais, evasões e subterfúgios, a fim de entrar nos sindicatos, permanecer neles e realizar o trabalho comunista lá, custe o que custar” (Lênin, “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”).
As condições gerais
A primeira coisa a ser estabelecida são as condições gerais de nosso trabalho dentro da classe operária. Em comparação com um século atrás, essas condições mudaram em mais de um aspecto. No início dos anos 1900, o movimento socialista era massivo entre a classe operária dos países europeus. As correntes reformistas eram a maioria; até mesmo em alguns países o anarquismo era a maioria. Mas os socialistas revolucionários tinham seu peso entre amplas seções da própria classe operária. Em alguns casos organizados em um partido (Lênin), em outros não (Rosa Luxemburgo), mas em qualquer caso com acesso direto aos meios da classe operária[1].
Entretanto, após a burocratização da URSS, isso mudou radicalmente. A socialdemocracia e o stalinismo passaram a monopolizar de forma quase absoluta a representação política e sindical da classe operária europeia e, nos países do “terceiro mundo”, surgiram correntes nacionalistas burguesas de massa; o trotskismo permaneceu, em sua maior parte, “externo” aos batalhões centrais da classe operária, uma minoria extrema[2].
Com o colapso do stalinismo, o trotskismo tendeu a se dispersar, assim como a socialdemocracia passou por um processo de conversão em um partido burguês, embora ambas as correntes, assim como os partidos “nacionalistas”, como o peronismo, mantivessem suas raízes entre grandes parcelas dos trabalhadores.
Concomitantemente a isso, um processo lento, mas profundo, de recomposição operária teve início no plano internacional; um lento acúmulo de experiências que vem abrindo maiores possibilidades para que as correntes do socialismo revolucionário ganhem espaço entre os trabalhadores. Entretanto, como contrapeso a isso, há a questão de que o processo de recomposição operária é mais “sindical” ou “antiburocrático”, mais ligado à experiência de luta e à democracia de base, do que a expressão de uma radicalização política.
Isso é verdade, mesmo que a novidade seja que em vários países estejam começando a se manifestar “reflexos políticos” importantes no campo eleitoral, mas que ainda não constituem um fenômeno orgânico em direção à esquerda de amplas camadas de trabalhadores.
A recomposição operária no século XXI
Destacamos algumas das condições históricas dessa “externalidade” inicial. Esse é um fato que tem alguma regularidade e que se torna evidente quando se entende que as correntes de massa que dirigiram os batalhões pesados da classe operária mundial durante décadas foram a socialdemocracia, os partidos comunistas e os nacionalistas burgueses do tipo peronista. Diante desses imensos aparatos de massa, o trotskismo teve uma existência como corrente minoritária e de vanguarda que o obrigou a dar a si mesmo uma orientação “especial” para se firmar na classe operária, algo que os bolcheviques não precisaram fazer da mesma forma[3].
É verdade que a descrição que estamos apontando é muito geral e que, nas circunstâncias do surgimento das lutas da classe operária, esses “diques de contenção” estabelecidos por essas organizações e suas burocracias em torno da classe operária tenderam a ceder e o classismo e a esquerda revolucionária a ganhar posições não apenas nos sindicatos, mas, o que é mais difícil e ainda mais importante, politicamente.[4] Isso aconteceu na Argentina no início da década de 1970 com o surgimento do chamado classismo, mas não apenas aqui. Uma experiência semelhante foi vivida em outros países latinoamericanos ou na França, entre outros casos europeus.
No entanto, a derrota subsequente desse processo de luta fez as coisas retrocederem, de tal forma que a questão do avanço da esquerda revolucionária dentro da classe operária teve de ser recolocada várias vezes.
Sem ir mais longe, e depois da derrota das experiências um tanto “sindicalistas” do velho MAS na década de 1980, é fato que com o Argentinazo de 2001 começou um novo ciclo dessa experiência, e hoje estamos vivendo o que chamamos de processo de recomposição operária de uma ampla vanguarda que, a essa altura, já desperta preocupação na burocracia sindical em todas as suas expressões, e isso foi reforçado pelo recente voto da esquerda. Esse medo tem nome e sobrenome e é chamado de “preocupação com o avanço do trotskismo nas organizações de base da classe operária“.
Proletarização
O fato de o fenômeno de recomposição operária acima estar ocorrendo não significa que as condições de nossa ação entre os trabalhadores tenham mudado completamente. Se o voto da esquerda indicou que algo revolucionário está acontecendo nas mentes de setores da classe trabalhadora, a realidade é que esse processo ainda não expressa uma radicalização política em direção à esquerda, nem o surgimento de correntes operárias independentes que, de maneira objetiva, voltem-se para a esquerda de uma forma mais global. Esse processo pode ser um prenúncio, mas ainda não é a tônica.
A tônica é o acúmulo de novas experiências e lutas organizacionais que expressam um tipo de reinício histórico do qual a esquerda revolucionária tem o desafio de fazer parte e encabeçar para que se concretize; um processo que ainda é mais antiburocrático e “sindicalista” do que político.
Em suma, as condições acima são as que estabelecem as regras do jogo para nossa ação. E aquelas que dão atualidade a uma orientação que é clássica e que tem a ver com os primeiros passos para “desembarcar” na classe operária industrial: a proletarização de companheiros de origem mais ou menos estudantil.
Historicamente, essa proletarização se referia precisamente à dificuldade causada por esse “desenraizamento” entre o partido e sua própria classe criado pelas circunstâncias históricas, e que tornava (e ainda torna) muito difícil progredir dentro da classe com base no trabalho político realizado estritamente “de fora” da inserção física e social nos grandes contingentes operários.
É claro que esse trabalho político de ir às fábricas e se voltar para as lutas é a primeira grande tarefa clássica do trabalho operário da esquerda revolucionária, por assim dizer; é por isso que trataremos dele a seguir. Mas, em geral, e como disse um camarada recentemente proletarizado do nosso partido, a dificuldade continua sendo que, se você está fora do local de trabalho, não pode estar lá desde o início de um processo de luta ou reorganização – um processo que é sempre molecular e, de fora, “inobservável” em seu início -, mas apenas a partir do momento em que começa, o que dá uma enorme vantagem aos nossos adversários burocráticos, que têm inserção em massa e sempre se alimentam dessas novas gerações com sua ingenuidade inicial[5].
Entre outras coisas, é isso que a inserção de companheiros para trabalhar na fábrica pretende resolver: que um grupo de militantes comece a vivenciar sua classe a partir do próprio coração do local de trabalho, a partir do início de um processo de luta e recomposição.
Se no passado, além disso, essa orientação era característica dos companheiros provenientes do meio estudantil, hoje isso é ratificado (porque não devemos perder de vista o fato de que a esquerda revolucionária, historicamente, é alimentada em primeiro lugar pelo meio estudantil), ao mesmo tempo em que adquire uma certa nuance: é que até mesmo os companheiros provenientes da classe trabalhadora hoje vão para as escolas e universidades; é possível que lá eles se conectem com a esquerda, e que a partir do partido nós os encorajamos a ir trabalhar não apenas em qualquer lugar, mas nas maiores fábricas de sua região.
É claro que ninguém poderá supor que os bolcheviques tivessem algum problema de “proletarização”. Isso era “outro mundo” e, no “Que fazer?”, Lênin incentivou a retirada de qualquer companheiro que se destacasse da fábrica para profissionalizá-lo. Mas nenhuma direção de partido em sã consciência hoje pensaria em tal absurdo; pelo menos não até que nós, correntes revolucionárias, realmente adquiramos uma ampla influência entre as massas operárias.
Trabalho clandestino
A proletarização dos companheiros em particular e o progresso do partido no trabalho operário em geral são seguidos por outra condição para a existência dessa atividade: seu caráter clandestino inicial. Isso ocorre porque o “regime político” que prevalece nos locais de trabalho, especialmente nas fábricas (não é assim no caso do emprego estatal), é o de uma ditadura, nem mesmo de uma democracia burguesa. Ou seja, geralmente as decisões da empresa são executadas, não são discutidas: os patrões são donos dos meios de produção e fazem e desfazem o que bem entendem, evidentemente sem consultar os trabalhadores[6].
Isso tem uma derivação extremamente importante, que é o papel da burocracia sindical, formalmente representativa dos operários. Historicamente, essa burocracia se tornou o cão de guarda da empresa dentro da classe operária. O controle dos patrões sobre os trabalhadores significa que eles são capazes de detectar a tempo os “dissidentes”, aqueles que questionam o estado das coisas, o grau de exploração do trabalho, os baixos salários, o pagamento insuficiente de “prêmios” e assim por diante. A burocracia sindical, que tem sua razão de ser na manutenção do controle da base operária e que deixa de ser útil ao sistema quando é superada de baixo para cima, tem o mesmo interesse que a empresa em “descartar” e expulsar os companheiros que se destacam por suas opiniões, por sua vivacidade, por seu nível cultural. Em suma, por sua amplitude de visão além do mero salário diário, com uma visão que não é apenas “economicista”, mas que questiona – de uma forma ou de outra – a exploração como tal e a falta de tempo livre, a falta de controle sobre suas próprias vidas, a prisão e o confinamento na fábrica[7].
É por isso que o trabalho consciente dos revolucionários dentro da classe operária e dos sindicatos deve sempre começar e ter como um de seus atributos a clandestinidade. O que isso significa? Que não deve ser feito “às claras”, que não deve ser “descoberto”; é uma questão de entender que se está sob uma ditadura e não sob alguma forma de “democracia” (como eventualmente prevalece no resto do país) pela qual se poderia proclamar sua identidade sem maiores problemas. Saiba, também, que a maioria dos companheiros não entende isso; que na classe há muitos elementos de ingenuidade e que, assim que eles veem que um companheiro se destaca, é muito comum que digam ao militante – sem qualquer malícia -: “ei, você é de esquerda, o que você acha de fulano de tal”… O suficiente para que a burocracia ou os chefes marquem o companheiro imediatamente e o coloquem “na rua no dia seguinte”!
É claro que essas condições de clandestinidade – ou parte delas, uma vez que sempre deve haver um aspecto clandestino em nosso trabalho na fábrica – variam quando surge uma luta aberta contra os patrões ou um processo antiburocrático; ou quando são conquistadas posições de representação sindical, como órgãos de delegados, comissões internas, seccionais ou, sem mencionar, sindicatos nacionais. Aqui já é o próprio processo de organização que “protege” e defende os companheiros que se destacam, os quais, de qualquer forma, estarão sempre sob o cerco da burocracia patronal, pois são considerados inimigos da estabilidade da exploração capitalista.
Em suma, esse trabalho clandestino em particular, e o trabalho operário no sentido mais amplo do termo em geral, são uma imensa escola para a militância revolucionária. A escola mais importante que as novas gerações do partido podem receber e que as faz “aterrissar” politicamente, tornar-se materialistas dialéticos, tornar-se concretas ao lidar com as duras condições da luta de classes, superando o mero “romantismo” inicial e, acima de tudo, a tremenda ingenuidade que nos desarma e nos torna “idiotas” diante do inimigo de classe.
Trabalho político de fora e voltado para as lutas
Como acabamos de salientar, juntamente com a proletarização dos companheiros, outra alavanca tradicional de nosso trabalho no movimento operário é o trabalho político e sindical fora do local de trabalho. Esse é um complemento essencial para a orientação de proletarização dos companheiros, que também deve fazer parte da atividade diária de qualquer partido que pretenda ser revolucionário e não apenas uma seita estudantil.
Indo ainda mais longe, não podemos nos cansar de enfatizar a importância estratégica dessa orientação para o partido; e em um duplo sentido. Em primeiro lugar, embora as condições mais gerais sejam as descritas acima, não pode haver nada de esquemático em nosso trabalho dentro da classe operária. Todos sabem (Lênin insistiu nisso repetidas vezes) que a classe operária aprende, em primeiro lugar, por meio de sua própria experiência; e que essa experiência nunca avança a não ser no curso de suas lutas, que trazem seus inimigos de classe, sejam eles os patrões, o governo, a burocracia, o Ministério do Trabalho, a Igreja e assim por diante, para ver sua realidade. É por isso que o momento da luta é o momento de romper os esquemas nas cabeças dos companheiros, e onde as organizações de esquerda podem se firmar nessa luta e entre os trabalhadores.
Como se aplica igualmente às revoluções e a toda luta real operária, os trabalhadores aprendem mais em poucos dias do que em anos. O ritmo de sua experiência política se acelera, eles rompem com o ritmo cansativo de sempre, e a realidade como ela é aparece para eles despida de seus antigos véus, como uma “revelação”, mas não uma revelação mística ou religiosa, e sim uma revelação obtida a partir de sua própria experiência de luta.
Isso, no entanto, não enfraquece a importância decisiva do trabalho “quantitativo” anterior de acumulação: o imenso significado do trabalho regular com o jornal no portão da fábrica; e como uma organização que realiza esse trabalho regularmente ganha a confiança de seus companheiros de trabalho: mais de uma experiência de construção revolucionária dentro da classe operária foi realizada, ou cimentada, dessa forma[8].
É evidente que essa confiança só se constrói com o tempo, por meio de atividades regulares que, na superfície, parecem “rotineiras” e quantitativas, mas que, como subproduto do esforço regular, realizado dia após dia sem pestanejar, pode levar a resultados qualitativos quando uma grande luta eclode, tornando o trabalho do partido um salto revolucionário.
Agora, isso não tem nada a ver com a ideia fácil de que, pelo fato de a esquerda estar ” conquistando votos”, acontece que, de fora, sem um esforço sistemático de trabalho dentro da classe, poderia haver progresso qualitativo. Essa é uma maneira rasteira de abordar o problema, que se esquece de que entre os trabalhadores há instituições muito fortes que agem diariamente na direção oposta aos revolucionários. É por isso que falamos da necessidade de a esquerda avançar em seu trabalho orgânico; porque os companheiros podem votar em nós na cabine de votação, mas o dia a dia nos locais de trabalho, o controle da empresa, aquele exercido pela burocracia, sua “tomada” dos sindicatos operários e assim por diante, é outra coisa completamente diferente. Não senhor: sem um esforço específico, pela mera “arte mágica” do voto ou da influência eleitoral, não será possível avançar um centímetro dentro da classe operária, embora essa influência geral possa ajudar muito se “arregaçarmos as mangas” para fazer o trabalho diário que precisa ser feito.
A educação do partido
Há uma última determinação que gostaríamos de mencionar brevemente aqui e que tem características estratégicas para os partidos revolucionários, especialmente quando se trata de organizações de vanguarda e de base juvenil. Trata-se da importância educacional que o trabalho dentro da classe operária tem para a militância.
Um partido que não realiza esse trabalho é “abstrato”, “ideológico” no sentido ruim da palavra, não reflete a classe e seus problemas, a maneira dos trabalhadores lidarem com as questões, sua vida cotidiana. Em suma, ele nem sequer sabe como “falar” com os trabalhadores em seu próprio idioma, o que é um pré-requisito para tentar levá-los “mais longe”.
Essa falta de experiência em “falar” a língua dos operários é conatural às novas gerações militantes, que nunca poderiam ser formadas por “geração espontânea”; não há necessidade de nenhum sectarismo ridículo a esse respeito. Portanto, essa “conexão” com a classe operária, com suas vicissitudes e lutas diárias, com seus locais de trabalho e moradia, a fusão, até certo ponto, com a mesma classe, como Lênin exigia, é de importância estratégica para a formação de qualquer partido revolucionário de vanguarda que aspire a ser tal, deixando de ser uma mera liga de propaganda. Essa é uma responsabilidade das lideranças de tal partido, que nunca poderia ser resolvida de maneira sectária e ultimatista, mas que deve estar entre seus primeiros deveres, e essa “tensão” na vida do partido deve ser levada adiante como um trabalho constante.
Notas:
1 Com a tomada do poder em outubro de 1917 e o estabelecimento da Terceira Internacional, o bolchevismo tendeu a se tornar uma corrente de massa que liderou o primeiro estado operário da história, e não em qualquer país, mas em uma potência – abrangente e completa – na Europa e na Ásia. Isso não significa que, nos países da Europa Ocidental, o bolchevismo tenha se tornado a principal força da classe trabalhadora; o reformismo permaneceu assim em grande parte. O stalinismo foi diferente, ele se consolidou como uma força de massa até a queda do Muro de Berlim; mas isso aconteceu com base em “outras leis”, beneficiando-se do controle do aparato de vários estados onde a burguesia havia sido expropriada e tocando “acordes” conservadores que “sintonizavam” a consciência de demandas da classe trabalhadora na ausência de condições revolucionárias.
2. Isso não excluiu as enormes experiências do trotskismo entre os trabalhadores nos mais diversos países (EUA, França, Argentina, Vietnã e um longo etc.), mas que não conseguiram superar seu caráter em grande parte fragmentário ou “episódico” na disputa pela liderança da classe trabalhadora.
3. Lênin fez um grande esforço no Esquerdismo para fazer com que os partidos comunistas minoritários do Ocidente se estabelecessem nos sindicatos dos trabalhadores para disputar a liderança da classe trabalhadora contra a social-democracia. Entretanto, o ponto de partida do bolchevismo naquele momento histórico em suas relações com a classe trabalhadora era um “piso” qualitativamente mais alto do que o trotskismo teve de pisar desde o segundo pós-guerra. No entanto, essa retomada histórica da experiência da classe trabalhadora no novo século parece estar criando as condições para nos colocar em um patamar mais elevado.
4. Por causa do peso do peronismo, lembramos aqui como Nahuel Moreno insistiu que, devido à sua tradição de luta, a classe trabalhadora argentina havia criado organismos de base potencialmente revolucionários, como as comissões internas, e como a esquerda revolucionária conseguiu assumir o controle de várias delas. Mas o problema era que, politicamente, os trabalhadores seguiam a liderança burguesa tradicional. Hoje isso mudou muito, a identidade peronista foi esvaziada, especialmente entre as novas gerações. O que permanece, entretanto, é que a consciência média dos trabalhadores é vingativa e não diretamente política: não é uma verdadeira consciência política de classe e, portanto, socialista. Portanto, o trabalho político é muito mais difícil do que o trabalho sindical, mesmo que seja um fato que as “fronteiras” entre os dois estejam começando a ceder, como foi expresso de forma eleitoral. Veremos a continuidade desse processo revolucionário na cabeça dos trabalhadores, o que dependerá de um salto na luta de classes.
5. Nesse ponto, não devemos ser sectários. Foi em nosso país, e com a recuperação do emprego na última década, que uma nova geração entrou no mercado de trabalho e, em sua inexperiência política e baixo grau de politização inicial, alimentou – até mesmo, na maioria das vezes, ingenuamente – as fileiras da burocracia. Como contraponto, há o “aguilhão” permanente das desigualdades sociais e das condições de exploração na fábrica sob as quais essas novas gerações vivem, o que lhes dá uma espécie de “reação espontânea” a essas injustiças, levando ao descontentamento, aos protestos e à luta, fazendo com que muitos dos membros dessas novas gerações tendam a se organizar com a esquerda.
6. É claro que isso muda quando há “condições revolucionárias” na fábrica ou no sindicato, quando há uma liderança nova e bem reconhecida que consegue impor limites aos patrões ou, ainda mais, quando algum tipo de controle da produção pelos trabalhadores é formalizado. Há um tipo de poder duplo que não pode durar muito tempo, pois, por definição, no capitalismo, é a classe burguesa que detém os meios de produção e controla o processo de trabalho.
7. Esta última é outra enorme determinação do trabalho fabril, especialmente da proletarização: a experiência da perda do próprio tempo e a entrega dele aos patrões que controlam o “tempo de vida” dos trabalhadores. É também por isso que as fábricas são vistas como “instituições de confinamento”, onde a vida dos trabalhadores é consumida dentro delas, “prisioneiros” nelas. Especialmente, além disso, quando as horas extras levam ao extremo a completa falta de tempo livre dos trabalhadores; tempo livre que para Marx – e Lênin no caso da democracia socialista sob a ditadura do proletariado – era a medida ou o grau de emancipação da classe operária do trabalho, o aumento ou a diminuição do grau geral de exploração.
8. Aqui nos lembramos de um exemplo de stalinismo que, para todos os fins práticos, corresponde às mesmas leis. Trata-se da década de 1930 na Costa Rica e de como o Partido Comunista daquele país ganhou espaço entre a classe trabalhadora bananeira e se transformou em uma força de massa, a partir de um trabalho inicial sistemático com o jornal. É claro que isso foi mais tarde vinculado a um aumento nas lutas do que era então o núcleo principal da classe trabalhadora da Costa Rica, mas, de qualquer forma, isso nos mostra o caráter revolucionário que o trabalho político realizado sistematicamente fora do local de trabalho pode ter.
Ilustração da Capa: Leon Trotsky no mural de Diego Rivera “Man at the Crossroads” (Homem na Encruzilhada) ou “Man, Controller of the Universe” (Homem, Controlador do Universo), feito em 1934, Palácio de Belas Artes, Cidade do México, México.