Rumo a um mundo em chamas
Primeiras impressões sobre o triunfo do Partido Republicano nas eleições dos Estados Unidos
Por Roberto Sáenz
Dá a impressão de que ocorreu um fenômeno semelhante ao que se passou no Brasil e também na Argentina. Ou seja, houve uma contradição, um contraste entre o elemento econômico ligado à inflação, que é baixa nos Estados Unidos, mas muito alta para seus padrões, especialmente nos dois primeiros anos da presidência de Biden por conta da pandemia, e do problema do voto democrático do outro lado, onde houve uma recuperação na campanha democrata, semelhante aos elementos de remontada que houve na Argentina diante do primeiro turno em outubro de 2023 e também no Brasil com o #Elenão, uma grande marcha das mulheres e juventude contra Bolsonaro, mas que não foi suficiente.
Nos Estados Unidos houve um voto econômico versus um voto democrático, e o voto econômico acaba vencendo, além de todo o atraso brutal e o ataque à razão (para lembrarmos da elaboração de Luckács) por parte dos eleitores de todas essas figuras de extrema direita. Trump vence não só no voto popular, não só no Colégio Eleitoral, mas ganhou o Senado e também pode estar ganhando a Câmara dos Deputados, além do fato de também ter maioria na Suprema Corte de Justiça, o que avança fortes traços bonapartistas não vistos nas últimas décadas nos Estados Unidos.
No voto popular, a diferença, com 87% apurados, é de quatro pontos, o que é importante, 51% a 47%, mais de 5 milhões de votos a favor de Trump. É um triunfo ultrarreacionário, uma campanha retrógrada, embora com alguns acordes que também podem ter atingido o eleitorado. Por exemplo, Trump promete acabar com as guerras, apresenta-se como um protecionista da indústria e do emprego dos trabalhadores. Sua lógica é parar de apoiar a Ucrânia: “Não me importa Zelensky, que saia e entregue as áreas ocupadas pelos russos”. Isso significaria uma guerra a menos para os Estados Unidos no caso da Ucrânia, onde Zelensky certamente não está comemorando.
É muito diferente no caso de Netanyahu, que comemora a quatro mãos. É um genocídio apoiado por outro hipergenocida. Se Joe Biden foi “Joe genocida” – ele é um cínico -, Trump não tem cinismo, ele é “Trump genocida até o talo”. O que é certo é que os conflitos com a China vão aumentar. A geopolítica com o gigante asiático vai polarizar-se num contexto em que o resultado destes desenvolvimentos é incerto e, sendo assim, os aliados da União Europeia e da OTAN vão sofrer.
Ao mesmo tempo em que parece que o voto latino foi dividido, devemos terminar de entender esse fenômeno, dado o discurso ultrarreacionário de Trump em relação aos imigrantes. O voto negro foi obviamente expresso ao lado de Kamala Harris, e houve um fenômeno que pode não ser expresso em grandes números eleitorais de repúdio a Kamala entre a juventude estudantil e a população de origem árabe pelo genocídio do povo palestino. Ainda é uma eleição muito polarizada que agrava a disfuncionalidade do imperialismo ianque, embora tenha sido finalmente resolvida com uma diferença bastante clara a favor de Trump.
O mundo vindouro é aquele que temos vindo a analisar a partir da nossa corrente: uma nova etapa de guerras, crises, revoluções, barbárie e reação. É óbvio que a situação internacional é super reacionária: Trump conseguiu a “façanha eleitoral” de ter perdido a última eleição e ainda ter vencido esta. Ele foi presidente, depois perdeu e fez um escândalo de semi-golpe no Capitólio, e agora é eleito presidente novamente, um segundo mandato que tem poucos precedentes na forma como foi dado (geralmente os mandatos de reeleição são sucessivos e os candidatos que perdem a primeira reeleição deixam a vida política).
Os céticos e os derrotistas vão chorar daqui para a eternidade. Não subestimamos nem exageramos o resultado eleitoral: o triunfo de Trump em uma eleição que concentrou o olhar do mundo é de extrema importância. Sem dúvida, reforça a continuidade da onda reacionária em nível internacional, reforça todos os monstros, o “assalto à razão”.
Trump termina por ser um fator de desequilíbrio em si mesmo, com o qual vai sacudir todas as tendências à polarização, à ruptura dos equilíbrios, à crise no centro político e levar os desenvolvimentos ao extremo. Não há dúvida sobre isso. Ele vai gerar uma reação por esquerda, também não há dúvida sobre isso, porque Trump é um provocador profissional. O clima de polarização nos Estados Unidos será e já está sendo sem precedentes históricos na memória viva.
Essa polarização, diante da impotência de tudo ser processado apenas no parlamento e nas eleições em que os republicanos parecem ser maioria, pode ser transferida para as ruas. Isso porque começa a ser feita uma experiência de que com a democracia burguesa, com as instituições clássicas da democracia imperialista estadunidense, o governo é entregue de bandeja à extrema direita. A perspectiva revolucionária é que essa experiência colabore com um setor da vanguarda de massas e das próprias massas a chegar à conclusão de que não há escolha a não ser sair às ruas, o que seria extraordinário.
As instituições, o regime político ianque está dando poder à extrema direita; não é por acaso que ao lado de Trump estava Elon Musk, dono da Tesla e que administra a rede X. Estão entregando o governo a uma extrema direita parlamentar, mas também extraparlamentar, sob o olhar impotente de um centro político imperialista covarde que, no mesmo estilo do “reformismo” em todo o mundo, capitula e entrega o poder e a governabilidade de bandeja. Isso também não tem precedentes desde os anos 30 do século passado, embora hoje tudo seja processado -até agora- de forma mais light.
A perspectiva é que um processo de questionamento da globalização neoliberal está chegando, mais protecionismo, mais imperialismo nacional e também mais contradições, um aumento das contradições interimperialistas e, sobretudo, enormes choques de classes.
Entre amplos setores das massas, elementos de uma consciência reacionária são fortalecidos diante da crise do mundo capitalista, mas, ao mesmo tempo, a perspectiva da tendência à radicalização por esquerda é reforçada em meio à abertura de uma etapa de crise, guerras, revoluções, reação e barbárie. Vamos, sem sobra de dúvidas, para um choque colossal. Novas revoluções socialistas estão no futuro e temos que nos preparar para elas.