Intervenção de Roberto Sáenz, dirigente do Nuevo MAS, partido argentino, e da Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie, na Mesa “O anticapitalismo percorre o mundo”. Essa palestra foi realizada durante o Terceiro Acampamento Anticapitalista ¡Ya Basta!, atividade em que estiveram presentes jovens brasileiros (e de outros países) integrantes do Socialismo ou Barbárie (SoB) Brasil e do Já Basta! – juventude ligada ao SoB Brasil.
ROBERTO SÁENZ
Olá a todos, como estão? Lindo painel, lindo acampamento. Vou levar um pouco mais de tempo talvez do que meus companheiros, para fazer uma espécie de reflexão sobre tudo o que foi dito, a fim de colocá-lo em contexto, sem fazer uma palestra à parte.
Primeiro, uma questão que é a seguinte: entender que existem muitos momentos diferentes do capitalismo. O capitalismo é explorador, é opressivo, mas, sob certas condições, e sobretudo sob as pressões da luta de classes, o capitalismo pode “abraçar” mais, pode ser mais “carinhoso”. Ou, por outro lado, o capitalismo pode tirar todo esse carinho de você. E na realidade estamos em uma fase em que o capitalismo não tem carinho para dar. É um estágio em que o capitalismo é uma porcaria. Talvez você diga: “mas o capitalismo é sempre uma porcaria”. Isso porque você é muito jovem, e é possível que percam de vista o fato de que, embora o capitalismo seja realmente explorador, mas como ele não existe no “ar” social, mas existe dentro das condições da luta de classes, revoluções e rebeliões, é como que inversamente proporcional ao nível da luta de classes. Quanto maior o nível da luta de classes, mais o capitalismo é forçado a “mimá-lo”. E quando o nível da luta de classes é incipiente, como ainda está no início da experiência (onde o “fantasma” da revolução não é tão claro, embora existam outros fantasmas) o capitalismo retira de você qualquer tipo de carinho. Te mantém os espelhos coloridos: consumismo se você pode consumir, viagens se você pode viajar, certos atrativos que na verdade são bastante abstratos, como as redes sociais (que são uma conquista, mas também um problema).
O que une a condição comum de todos os setores explorados e oprimidos com a juventude em todos os cantos do planeta é que o capitalismo está em uma etapa super agressiva. Está liberada à sua louca lógica irracional de lucro e exploração. Inclusive gerando abstrações, o que é um elemento novo: a abstração de que você é um empreendedor, de que você é seu próprio patrão, e de que seu patrão é um algoritmo: não há escritórios onde reclamar. Isto talvez seja mais conceitual, não tenho tempo para desenvolvê-lo aqui, mas o capitalismo também desenvolve formas abstratas de exploração, nas quais é mais difícil identificar o inimigo. Assim como também tem suas formas abstratas de produzir lucro, com todas as ferramentas financeiras e assim por diante.
Assim, basicamente o que acontece em todos os lugares é que o capitalismo, muito agressivamente, retira conquistas, ou tenta ir para a ofensiva em todos os níveis. Este é um lado da realidade, mas há outro lado. Deixe-me ver se posso desenvolvê-lo bem: o capitalismo sem “mimos” é ilegítimo; ou seja, não gera consenso, não gera atratividade. É quase um consenso negativo: porque não há nenhuma alternativa. Mas não “apaixona” ninguém. Obviamente, não faz as pessoas se apaixonarem porque não faz concessões, e ao não fazer concessões e ao não fazer as pessoas se apaixonarem, se produz uma terrível contradição. Conceitualmente, diz-se que ela “gera pouca legitimidade”.
Quando viajamos ao Peru, Manu (NT: Manuela Castañeira, dirigente e figura pública do Nuevo MAS) disse na mídia: o golpe de Estado no Peru pode ser legal porque o parlamento pode retirar os presidentes do cargo, mas não é legítimo. Porque Castillo, com todas as suas limitações, era um cholo (NT: pertencente à população originária), um professor rural do interior do país, e as pessoas não são idiotas, como alguém disse muito bem hoje. Se derrubam um homem popular (mesmo que seja capitalista) e colocam um burguês como Boluarte, o povo se rebela.
Portanto, é como se houvesse três caras. Capitalismo agressivo, uma. Mas sem legitimidade, duas. E três: ele gera condições materiais para a revolução. Que revolução? Por enquanto, vou lhes dizer conceitualmente: novas revoluções no século XXI. Por quê? Porque o capitalismo opera em um corpo vivo, não em um corpo inerte. Ele opera sobre a sociedade humana explorada e oprimida. A sociedade explorada pode ter um nível de consciência relativamente baixo, mas o povo não é idiota. Essa é a primeira ideia que une tudo: um capitalismo que tem a contradição de que levando ao limite a exploração, sem fazer concessões, cria as condições para uma rebelião permanente, pois é muito agressivo.
Logicamente, também temos que ver sob quais condições a rebelião opera, o que seria o segundo elemento. Opera com ‘contras’ e com ‘prós’, o digo assim, em contraposição. Qual é o “contra”? O que opera quase em uma ruptura da experiência histórica das novas gerações com as anteriores. Opera na base de que ainda não existem porções mais ou menos importantes de vanguarda de massas ou de massas que têm consciência socialista, anticapitalista. É também por isso que a palavra anticapitalismo “alfineta” tanto.
E aí vêm os “prós”: quando há uma crescente consciência de que as coisas estão erradas, e que isto é sistêmico. Por exemplo, com a ecologia, porque não há como culpar um indivíduo pelos problemas da ecologia. O limite que tem isso que está apenas começando é o limite pela positiva: o anticapitalismo… e depois? Essa consciência histórica na classe operária e na juventude nos momentos mais dinâmicos do século 20 estava presente. A ideia coletiva, massiva, de que havia uma alternativa ao capitalismo, que era o socialismo.
Mas o que é significativo hoje é que isso que ainda não está presente não significa que na cabeça não há nada. Te coloca em um momento intermediário que precisa ser desenvolvido, que é a percepção crescente de que as coisas não estão certas, e que as razões pelas quais não estão certas são sistêmicas. Não é apenas uma coisa parcial, é eventualmente uma coisa global. É também por isso que o anticapitalismo gera tanta reação entre os fachos, porque coloca um elemento totalizante.
Portanto, primeira definição: estamos em um capitalismo muito agressivo, sem concessões. E a segunda definição: estamos em uma situação intermediária, para ser objetivos, onde ainda não há perspectiva socialista, mas tampouco é que não haja nada. Há uma tendência anticapitalista incipiente, mas crescente, e há uma mudança geracional. Há uma nova geração, que pode ser vista claramente aqui e com todos os camaradas da corrente: é óbvio que há uma mudança geracional. E esta mudança não são apenas ideias, é material: quando fazemos propaganda dizendo “não nos roubem o futuro”, estamos falando de um problema real, e da sensação de que as coisas não estão indo bem. Esta geração vai ser a protagonista de tudo o que está por vir no século XXI.
Esta ideia está em diálogo com outra, a terceira: há golpes e contragolpes. Há um golpe de Estado no Peru, mas há um movimento de massas nas ruas, com toda sua desigualdade. Na França, há uma nova tentativa de Macron de fazer passar um aumento da idade da aposentadoria. Até mesmo coisas loucas: o Parlamento no Peru votou a favor da aposentadoria aos 75 anos. Infelizmente, ainda não há consciência para fazer com que uma ação de terror vermelho seja bem compreendida por esses ratos imundos. 75 anos é uma provocação total! É como dizer que a aposentadoria deveria ser completamente abolida, não votando a idade de aposentadoria, mas eliminando a aposentadoria como tal. Se você votar a favor na França, eles queimaram a Torre Eiffel. Mesmo na Argentina não se pode votar a favor disso.
Retomando, o capitalismo sem concessões gera uma dinâmica de golpes e contragolpes. Isto também nos permite compreender a nuance: os contragolpes são rebeliões, não ainda revoluções. É uma matéria prima que está acumulando uma experiência muito rica, e que em alguns casos tende a se radicalizar, sobretudo do ponto de vista dos métodos, mas não na consciência. Mas é muito característico que eles não saem de cena, mesmo que ainda não sejam revoluções.
Finalmente, um quarto elemento, que tem a ver com o momento do partido e da corrente internacional: é este acampamento. Pode-se resumir da seguinte forma: para que serve uma corrente revolucionária? Ela serve não apenas para forjar toda uma nova geração de revolucionários, mas fazer o belo painel que há nesta mesa; mas também para plantar uma bandeira, por exemplo, no primeiro Encontro Internacional de Trabalhadores por Aplicativo, em Los Angeles. Isso é uma loucura, tem um valor muito grande, nós plantamos uma bandeira com o slogan: “entregadores por aplicativo de todos os países, unamo-nos”, como o slogan de Marx na Primeira Internacional!
Isso tem um valor enorme, é como um diálogo com a experiência da Primeira Internacional, que também expressa seu alcance e seus limites: não é a Terceira Internacional, fundada para fazer a revolução, ainda não se pode fazer isso. Dialoga com a Primeira Internacional no sentido de que é algo fundacional, e isso é profundo. Pode ser que os ritmos sejam diferentes, mas sim, ela dialoga com esse slogan. Se fôssemos a um Encontro com cinquenta mil homens e mulheres entregadores, bem, isso seria outra coisa. Mas não, se vai a uma reunião de natureza fundacional. E isso reflete que, pela positiva, as tarefas são refundacionais, o que era algo que costumávamos dizer há 20, 30 anos: “refundação do movimento operário e da juventude”. Agora o dizemos com mais nuances: a refundação da experiência histórica.
Isto fundamentalmente porque a luta de classes é um alvo móvel, é uma revolução permanente. A transformação social te coloca permanentemente em novas tarefas, além do fato de que a linha entre capital e trabalho é móvel: há momentos em que o trabalho avança e empurra o capital para trás (até expropria-lo), e há momentos em que o capital avança. Entre estas duas linhas móveis está o Volume I do Capital de Marx, que remete à ideia de que, além das condições históricas de exploração, as relações capital/trabalho são relações de forças. Portanto, não é só o capitalismo que deve ser eliminado, mas também as condições que compõem o “reino da necessidade”, a luta pela subsistência, de ver o outro como um inimigo.
Para nós, ainda sendo uma corrente internacional incipiente, o passo de realizar um Encontro Internacional em Los Angeles é uma pequena contribuição objetiva. Obviamente, uma de vanguarda. Mal fizemos o primeiro e já estamos pensando em organizar o segundo, com a ideia de que o primeiro é fundacional, mas sai mais afirmado. Foi assim também a fundação das Internacionais.
Vou lhes dizer algumas coisas mais. Uma delas é uma reflexão sobre como o “anticapitalismo” gera reações. É uma loucura, é apenas uma palavra. É preciso tentar entendê-la, é um problema político. Porque poderíamos dizer que somos a revolução intergaláctica e isso não desafiaria ninguém. Mas o “anticapitalismo” gera uma reação terrível. Há uma espécie de dupla tendência: no polo do capitalismo voraz, há um apelo à irracionalidade. Isso é uma novidade, apelar para o irracional, mobilizar os sentimentos mais baixos, mais retrógrados. É tão conservador que questiona até mesmo as conquistas das revoluções burguesas. Por exemplo, no Brasil, muitas pessoas têm que perguntar ao padre em quem votar. Você entendeu? Isso é pré-Revolução Francesa. É como se não tivesse atingido o número de igrejas que foram queimadas durante a revolução.
E tudo isso convive com outra tendência, uma tendência extraordinária e revolucionária, que é a tendência à liberdade nas relações humanas: casamento igualitário, exigências LGBT, direitos ao aborto, e assim por diante. Estas são situações muito polares. Coisas que poderiam ser meras concessões do capitalismo assumem uma dinâmica mais profunda porque o capitalismo está em uma fase de reação. É muito polar entre o irracional e a perspectiva socialista humanamente racional em que se estabelece um choque de tendências muito grande.
Por isso também é criminoso que as correntes cegas, surdas e mudas frente à tarefa de refundar a consciência histórica falem apenas do reivindicativo. Porque em suas cabeças não há nenhum sujeito, nenhuma subjetividade, nenhuma emancipação etc. Se não fizermos alguma propaganda, se não forjarmos alguma consciência, fica muito difícil, é necessário ter um mínimo universo mental de que existe uma perspectiva alternativa. Na forja do movimento socialista em sua era dourada, primeiro houve a ação – que era reformista – dos partidos socialistas, que forjou uma consciência socialista de massa na classe operária europeia. E como elemento que saiu disso, houve o bolchevismo, Rosa Luxemburgo, etc.
Isso vai ser igual agora? Não, não sabemos como vai ser, ninguém pode dizer. Mas há uma combinação muito rica de necessidades, lutas e consciência, onde o partido também entra. É uma combinação muito complexa, onde todos os elementos são essenciais. Mas não está claro como será a nova “composição química” do surgimento de um novo movimento revolucionário internacional.
Sim, internacional: este acampamento e a corrente refletem o internacionalismo que está no ar. Há o reconhecimento de condições de exploração comuns com outros setores, há elementos de coordenação, estamos numa fase de máxima globalização do capitalismo, há mais entrelaçamento, o mundo está mais inter-relacionado do que nunca. O internacionalismo tira você do localismo e do regionalismo, abre tua cabeça, permite que você veja as grandes perspectivas.
Termino com o seguinte: temos que estudar. Além da militância e de obviamente construir o partido e a corrente, há que estudar. Sempre há que fazê-lo, mas pelas características do período histórico, onde a experiência das gerações anteriores foi cortada, e porque também há pressões, “espelhos coloridos” que são vendidos aos jovens; em resumo, há que estudar o marxismo. É como disse Jean Paul Sartre, um filósofo existencialista francês pequeno burguês: “O marxismo é o horizonte intransponível de nosso tempo“. Como definição geral, é correto. O marxismo é uma das mais altas expressões do pensamento humano, não apenas do ponto de vista da classe operária, mas da humanidade como um todo. Se você não quer perder este imenso universo teórico, político e estratégico, você tem que estudar, o que implica não só em cursos partidários, mas também em esforço individual.
Traduzido por José Roberto Silva do original espanhol em https://izquierdaweb.com/roberto-saenz-esta-generacion-va-a-ser-la-protagonista-de-que-esta-por-delante-en-el-siglo-xxi/