Após a catástrofe, foram denunciados 13 milhões de edifícios como não cumprindo as normas anti-sísmicas. As responsabilidades de Erdogan e das empresas de construção civil na tragédia que custou mais de 30.000 vidas.
Por Augustin Sena
É bem conhecido que terremotos, sismos ou tremores de terra têm ameaçado as populações desde seu aparecimento neste planeta. A humanidade não pode fazer nada para impedir o movimento das placas tectônicas. Mas ao longo da história, foram feitos enormes progressos em termos de planejamento e projeto urbano para mitigar suas consequências em termos econômicos e, acima de tudo, da perda de vidas humanas.
Uma semana após o grande terremoto que atingiu a Síria e a Turquia, o número total de mortos é de 35.000. Mas pode continuar a subir à medida que as horas passam e as estatísticas são atualizadas. Somente na Turquia, mais de 30.000 mortes foram contadas, a grande maioria do total.
Nas últimas horas, surgiram reportagens nas mídias sociais chamando a atenção para o colapso de muitos edifícios muito recentes. O canal de notícias britânico BBC coletou e transmitiu várias fotografias mostrando enormes edifícios desmoronados em cidades como Malatya, Iskenderun e Antakya. Os edifícios em questão foram construídos há apenas alguns anos, vários deles em 2019.
O que é estranho? Durante 60 anos, a Turquia teve uma série de regulamentos anti-sísmicos que regem a construção vertical, que toda empresa de construção deve cumprir. A legislação anti-sísmica foi renovada várias vezes. A última foi depois dos terremotos de 2018, embora a regulamentação já tivesse sido reforçada após o terremoto que matou 17.000 pessoas na cidade de Izmit, em 1999.
Especialistas apontam que centenas de milhares de edifícios não deveriam ter caído se estes regulamentos tivessem sido cumpridos.
“A intensidade máxima deste terremoto foi violenta, mas não necessariamente suficiente para derrubar edifícios bem construídos”, disse David Alexander, acadêmico de Planejamento e Gestão de Emergência da University College de Londres. “Na maioria dos lugares, o nível de tremor foi menor do que o máximo, de modo que podemos concluir que, dos milhares de edifícios que desabaram, quase todos não cumpriram qualquer código de construção resistente a terremotos razoavelmente esperado”, continua Alexander.
Responsabilidades
Estas alegações trazem à tona a responsabilidade das empresas de construção, do governo Erdogan e do regime político turco como um todo pela catástrofe que atingiu o país.
“O problema é que há muito pouca adaptação dos edifícios existentes, mas também há muito pouca implementação nas novas construções”. Este último se deve ao sistema de anistias de construção que Erdogan e governos anteriores vêm implementando. Em termos práticos, a anistia significa que as empresas podem infringir qualquer regulamentação anti-sísmica se estiverem dispostas a pagar uma determinada taxa em forma de um gravame.
O governo turco, em sinal de amizade às empresas multibilionárias que lucram com o negócio imobiliário, tem estado disposto a trocar vidas por moedas.
Diz-se frequentemente que o valor das vidas humanas é imensurável, mas em tais casos até mesmo as estatísticas podem dar uma dimensão do caráter criminoso de governos como o de Erdogan.
De acordo com Pelin Giritlioglu, chefe da Câmara de Urbanistas de Istambul, 75.000 edifícios na área afetada pelo terremoto no sul da Turquia haviam recebido anistias de construção.
E isto não era segredo. Dias antes do terremoto, o parlamento turco estava se preparando para estender uma nova anistia. Em 2020, após um forte terremoto em Izmir, a BBC informou que 672.000 edifícios naquela província haviam recebido anistias. Até 2018, 50% dos edifícios do país haviam sido construídos sem respeitar nenhuma regulamentação. Isso equivale a 13 milhões de edifícios.
É quase impossível calcular o número de vidas humanas que a negligência capitalista e a fome de lucro puseram em perigo em benefício dos especuladores imobiliários. É pelo menos a metade da população (cerca de 42 milhões de pessoas) e provavelmente muito mais considerando que a maioria das construções em questão eram torres de apartamentos.
Mas uma coisa é certa. As principais vítimas desta negligência escandalosa são o setor de menor renda da população, os trabalhadores turcos que (como em muitos outros países) dependem dos desígnios do mercado imobiliário e dos lobos da construção para o acesso à moradia. Este fenômeno é universal. Em todo o planeta, a habitação é um negócio no qual os empresários fazem milhões e a maioria da população perde poder de compra, estabilidade, segurança e até mesmo a possibilidade de possuir sua própria casa. Em países afetados por catástrofes naturais, como a Turquia, o setor habitacional também gera milhares de mortes evitáveis.
Traduzido por José Roberto Silva do original espanhol em https://izquierdaweb.com/turquia-desastre-natural-catastrofe-capitalista/