Há 152 anos, em 22 de abril de 1870, nascia Lênin, o construtor do Partido Bolchevique e liderança principal dos dez dias que abalaram o mundo: a Revolução Russa.

Num momento crítico da luta de classes, em que ainda não se consolidou  um instrumento político real dos explorados e oprimidos, capaz de reerguer a perspectiva socialista junto aos trabalhadores, devemos recorrer aos ensinamentos de Lenin e colocá-los em prática.

Nesse sentido, reproduzimos abaixo o terço final de um artigo do camarada Roberto Saenz, dirigente do Nuevo MAS e da Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie, que trata da atualidade do escrito “Que fazer?” de Lenin, no que toca principalmente à construção do partido revolucionário.

Redação

“Uma análise do leninismo deve ser uma história do mesmo em sua evolução viva” [2].

Por ROBERTO SAENZ

23 janeiro, 2022.

Um século intenso se passou desde que Lênin escreveu o “Que fazer?”. O trabalho se preocupava especificamente com as tarefas que se apresentavam para a socialdemocracia russa no início do século 20 em relação às dificuldades de estabelecer adequadamente o marxismo revolucionário russo como partido. Esses problemas eram produto da tendência à dispersão sobre a vasta área daquele país, do “federalismo” e do “localismo” dos vários núcleos socialistas, do fator desorganizador que significava a contínua repressão do Estado czarista, e das pressões “antipolíticas” colocadas à atividade socialista pelo caráter puramente “econômico” da luta da classe trabalhadora emergente.

O século seguinte deu origem a inúmeras discussões e debates sobre a relevância de seu trabalho para o nosso tempo. A título de exemplo, um livro publicado anos atrás insistia que “A teoria e a prática da revolução devem ser emancipadas de sua herança leninista, e a questão do que fazer suplantada por (…) o que evitar? e o que deve ser feito de maneira diferente?”.[3] Além disso, chegou-se ao ponto de afirmar que “pode-se dizer que o centenário do “Que fazer?” de Lenin não merece ser celebrado“[4]…

Aqui sustentamos a tese oposta. Embora o trabalho de Lenin não pudesse deixar de ter aspectos unilaterais ou aspectos que se referem a questões específicas de tempo e lugar, o essencial é que ele contém elementos de uma surpreendente universalidade e que assumem uma atualidade renovada vista a partir das exigências peremptórias que são colocadas no final desta primeira década do século 21 (ciclo de rebeliões populares na América Latina e a crise econômica mundial em andamento). Ainda mais: pode-se dizer que o processo da luta de classes, internacionalmente, continua marcado por um persistente déficit de “leninismo”.

Não nos escapa que o trabalho de Lenin vai além da mera discussão de Que fazer? Entretanto, estamos interessados em nos dedicar aos “problemas de organização” justamente devido à enorme atualidade desses problemas na rica experiência da luta de classes atual e do “déficit partidário” que a atravessa.

Acreditamos que os problemas de construção de organizações revolucionárias devem ser colocados na ordem do dia para superar os agudos limites da politização e da perspectiva socialista que atravessam a luta de classes mundial, e que não podem ser resolvidos sem enfrentar esta questão premente: a construção do partido revolucionário.

VII – Sobre as leis de construção do partido revolucionário

“A organização bolchevique foi criação do próprio Lênin. A própria ideia de organização ocupa um lugar central no leninismo; organização do instrumento revolucionário; organização da revolução como tal; organização da sociedade à qual a revolução deu vida. A insistência na necessidade absoluta de organização está em todos os escritos de Lênin e ao longo de sua carreira“.[53]

Os ensinamentos de Lênin são de um grau de universalidade que diz respeito às coordenadas centrais de todo partido que se respeite a si mesmo, quer o partido esteja no estágio de organização de vanguarda (e mesmo que seja um grupo de propaganda), ou com influência entre setores das massas: “O que eu defendo ao longo do livro [Que fazer?], da primeira à última página, são os princípios elementares de qualquer organização partidária que possa ser imaginada“[54].

Ao mesmo tempo, é um fato que o partido “modelo” de partido leninista em cada etapa deve possuir as características de um partido de vanguarda em relação à classe trabalhadora como um todo. Expliquemos: sendo um partido político e não apenas um movimento de reivindicação, ele deve sempre ter a tendência de incorporar os interesses mais estratégicos dos trabalhadores. Neste sentido, ele nunca deve guardar passo com os elementos mais retrógrados da consciência: “A socialdemocracia em toda parte e sempre tem sido, e nunca pode deixar de ser, o representante dos trabalhadores conscientes da classe, e não dos trabalhadores inconscientes da classe“[55].

Insistimos: o partido revolucionário deve ser sempre o destacamento avançado da classe: “o partido deve ser apenas a vanguarda, o líder das grandes massas da classe trabalhadora; o todo (ou perto do todo) deles ‘trabalha sob o controle e a direção’ das organizações do partido, mas o todo dessas mesmas massas não pode e não deve pertencer ao partido”[56].

Na mesma linha, Liebman assinala que: “A convicção de Lenin de que a revolução russa devia ser necessariamente obra de um grupo de vanguarda e não de um partido de massa não se baseou apenas nas características circunstanciais da Rússia da época, mas também na forma como ele concebeu a relação entre a classe trabalhadora e o partido proletário; para ser mais preciso, ela se seguiu de sua visão geral da consciência de classe que o proletariado possuía ou não“[57].

Mas existe um outro ângulo nas características do partido, que se refere aos estágios de construção do mesmo. O que queremos dizer com isso? Queremos dizer que as leis específicas de uma organização em uma fase construtiva de vanguarda – isto é, que procura romper não apenas em relação às forças burguesas, mas também dentro da própria esquerda – são diferentes do caso em que a luta pela influência entre setores das massas já está colocada.

Estas leis não podem ser idênticas àquelas que tendem a caracterizar uma organização que já é hegemônica dentro da própria esquerda e dos setores mais avançados da classe trabalhadora, e que se atirou “de cabeça” para o trabalho em massa.

Este salto de qualidade, sendo de uma mecânica tão complexa, foi resolvido de forma correta só raramente: mesmo durante a vida de Lenin e Trotsky à frente da Terceira Internacional, esta foi uma tarefa difícil. Muito mais complicada ainda dentro do movimento trotskista do período pós-guerra. Muitas experiências acabaram ficando atoladas neste salto devido a que as tensões das pequenas organizações revolucionárias vêm mais do lado do sectarismo do que as das organizações as quais se coloca o salto para as massas vêm, caracteristicamente, do oportunismo.

É claro, por outro lado, que o acima exposto não deve de forma alguma ser motivo para não aceitar este desafio sob pena de ser uma seita sem esperança que prestaria um mau serviço à própria classe trabalhadora que – a experiência histórica demonstrou claramente – não pode levar adiante uma revolução socialista adequada sem um grande partido socialista revolucionário com influência entre as massas.

Em síntese: para além dos determinantes gerais de qualquer partido revolucionário que vimos acima, no que diz respeito às etapas de construção do partido, leis diferentes operam e o salto de qualidade de um para o outro é o desafio mais difícil e historicamente pior resolvido na questão da construção da organização revolucionária. Entretanto, no que se segue, nos concentraremos principalmente no funcionamento dessas leis no caso de organizações na fase de vanguarda e daremos apenas algumas “pinceladas” do salto às massas.

VIII – A lei do mais forte

As leis de construção de uma organização na etapa de um partido de vanguarda são marcadas por um “paradoxo”: se sua política deve sempre se referir às exigências objetivas da luta de classes, para responder a elas, de certa forma, não tem outra alternativa senão avançar às custas do resto da própria esquerda. Isto porque o “espaço” e o terreno político objetivo mais geral que a esquerda revolucionária normalmente tem (claro que isto varia substancialmente quando situações revolucionárias se abrem) tem certas dimensões que forçam as correntes a se chocar umas com as outras.

Na experiência histórica que conhecemos mais de perto, a do antigo MAS – que havia “resolvido” as relações de forças dentro da esquerda – conseguiu em poucos anos estender seu “espaço” de ação para além da vanguarda. Mas a tremenda contradição veio quando começou a roçar o peronismo: entrou numa espiral de crise que levou à sua dissolução. Isto porque tinha um projeto errado para dar o salto de influência entre amplos setores das massas: um projeto basicamente de vizinhança-geográfico-eleitoral em vez de um projeto orgânico-laboral-estrutural. Este desvio oportunista em matéria de organização – juntamente com uma série de outras razões – o liquidou.

Mas o que é usual entre as correntes de vanguarda sem peso de massa é uma construção que é realizada à custa da outra. Os “espaços” são criados porque uma corrente “cai” e outra, que vem acumulando progressivamente, a ocupa. É uma espécie de “lei de seleção natural política”, de sobrevivência do mais apto, embora mais “lamarkiana”[58] do que “darwinista” porque, ao contrário da natureza, na sociedade, conta o fator subjetivo da vontade[59]. É uma lei materialista que rege a vida das correntes revolucionárias: devem se qualificar umas contra as outras: a que tem mais capacidade é a que mais pode sobreviver em um ambiente hostil, se constrói: essa é a lei.

Segundo Liebman, o próprio Martov na época do antiga Iskra salientou que: “a luta entre os ‘Iskristas’ e os oponentes da centralização às vezes tomou a forma de uma ‘guerra de guerrilha‘ na qual ‘táticas subversivas’ tinham que ser empregadas e na qual, no final, ‘a lei do mais forte prevalecia’. Assim, os militantes aprendem suas primeiras lições [na arte da dura luta das tendências políticas”][60].

Do ponto de vista acima, e durante esta dura luta, que muitas vezes abrange todo um período histórico (precisamente essa foi a experiência dos bolcheviques e dos mencheviques na Rússia pré-revolucionária[61]), é que quando se trata de capitalizar ou “ganhar” acertos ou posições políticas, o fato é que o “mais forte” é aquele que “obtém o máximo” na hora da “divisão”: se há dez companheiros a se ganhar, a corrente mais forte “leva”, por assim dizer, sete e as mais fracas “dividem”, entre elas, um para cada….

A questão é que qualquer organização revolucionária que não se ajuste a estas leis objetivas de disputa, seleção e recrutamento na vanguarda será incapaz de dar um salto construtivo na qualidade. Foi exatamente isso que Trotsky apresentou em sua avaliação do debate Lenin-Luxemburgo sobre organização (um debate que terminou com o triunfo da tese leninista). Efetivamente, como disse Trotsky, o problema de Luxemburgo era que ela não tinha a capacidade de visualizar que a construção da organização revolucionária é determinada por um esforço subjetivo para selecionar, recrutar, concentrar e treinar os melhores elementos da vanguarda para atuar como a espinha dorsal do partido. Rosa acabou irremediavelmente colocada como uma “espontâneista”, pois dadas as circunstâncias históricas em que viveu, a sua aposta foi muito grande no surgimento espontâneo e independente da base operária contra o aparato da liderança socialdemocrata, uma questão que em si não era má, mas que desvalorizou a outra tarefa que ela havia se proposto, que era a construção de uma forte fração centralizada dentro da socialdemocracia alemã.

Mas voltemos ao nosso ponto. Como temos assinalado, o que nos interessa é apontar como são as leis de crescimento de uma organização de vanguarda. Suas leis são dialéticas como dialéticas são as leis do movimento tanto na natureza quanto na sociedade. Trata-se de uma compreensão profunda do funcionamento desta lei: os saltos de qualidade vêm após uma progressão caracterizada por toneladas de esforços e desenvolvimentos quantitativos prévios.

Ou seja, a lei da acumulação no campo da natureza, da economia e também da construção de partidos, requer uma base material, um esforço prévio, que na realidade ocupa praticamente toda a história do processo, onde o período de acumulação quantitativa leva um longo período de desenvolvimento. Trata-se de uma lei de desenvolvimento marcada por longos períodos de acumulação quantitativa antes dos curtos períodos de explosão revolucionária qualitativa.

Em resumo: são necessários toneladas de esforços “reformistas” para criar as condições materiais para um salto qualitativo na construção revolucionária do partido.

IX – Quando a vontade é “tudo”

Mas há algo mais sobre a organização de vanguarda: é a passagem de ser uma organização que depende apenas da vontade de seus membros (característica das organizações de vanguarda) para ser transformada em uma corrente, digamos, histórica. Neste sentido, Gramsci (que evidentemente tinha uma grande sensibilidade em matéria de organização) apontou algo muito agudo. Citamos em extenso: “A questão de quando um partido foi formado, ou seja, quando tem uma tarefa precisa e permanente, dá origem a muita discussão. Pode-se realmente dizer que um partido nunca é perfeito e formado, no sentido de que todo desenvolvimento cria novas obrigações e tarefas (…). Aqui se deseja aludir a um momento particular neste processo de desenvolvimento, ao momento imediatamente posterior em que um fato pode ou não existir no sentido de que a necessidade de sua existência ainda não se tornou “peremptória”, mas depende “em grande parte” da existência de pessoas com extraordinário poder volitivo e extraordinária vontade.

Quando é que um partido se torna historicamente “necessário”? Quando as condições para seu “triunfo” estão pelo menos em vias de formação e seu desenvolvimento posterior pode normalmente ser previsto. Mas quando pode ser dito que um partido não pode ser destruído por meios normais? Para responder a esta pergunta, é necessário desenvolver um raciocínio: para que um partido exista, devem confluir três elementos (propriamente, três grupos de elementos):

  • Um elemento difuso, de homens comuns e médios, cuja participação é possível por disciplina e lealdade, e não por um espírito criativo e altamente organizador. Sem eles, é verdade, o partido não existiria, mas também é verdade que o partido não existiria “somente” com eles. Eles são uma força na medida em que há alguém para centralizá-los, organizá-los e discipliná-los, mas se essa outra força viva de coesão estiver faltando, eles serão dispersos e anulados em uma pulverização impotente.
  • O principal elemento de coesão que centraliza a nível nacional, que dá eficácia e poder a um conjunto de forças que, deixadas a si mesmas, contariam para zero ou pouco mais; este elemento é dotado de uma força intensamente coesiva, centralizadora e disciplinadora, e também, ou talvez até mesmo por essa razão, inventiva (se “inventiva” é entendida numa certa orientação, segundo certas linhas de força, certas perspectivas e também certas premissas); também é verdade que este elemento por si só não formaria a parte, mas a formaria, ainda assim, mais do que o primeiro elemento considerado. Fala-se de capitães sem um exército, mas na realidade é mais fácil formar um exército do que formar capitães. Tanto que um exército existente é destruído se for deixado sem capitães, enquanto que a existência de um grupo de capitães, coordenados, de acordo entre si, com objetivos comuns, não leva muito tempo para formar um exército, mesmo onde ele não existe.
  • Um elemento médio que articule o primeiro com o segundo, coloque-os em contato não apenas “fisicamente”, mas também moral e intelectualmente. Na realidade, para cada parte há “proporções definidas” entre estes três elementos, e a máxima eficácia é alcançada quando se realizam estas “proporções definidas”.

Para que isto aconteça [isto é, a formação do partido, R.S.] é necessário que se forme uma firme convicção de que é necessária uma determinada solução dos problemas vitais. Sem esta convicção não se formará o segundo elemento, cuja destruição é a mais fácil, devido à sua escassez numérica; mas é necessário que este segundo elemento, ao ser destruído, deixe como herança um fermento a partir do qual possa ser reconstruído.”[62]

Pedimos desculpas pela extensão desta citação. Queríamos reproduzi-la por completo porque é brilhante e capta em toda sua tremenda acuidade o caráter a priori “voluntarista”, por assim dizer (o que não quer dizer que não se apoie em premissas objetivamente fundamentadas) que a construção de qualquer organização de vanguarda necessariamente tem. Ou para colocá-la de forma mais “universal”, de uma corrente política definida com tal identidade que introduz uma matriz em todo o movimento revolucionário de sua época.

Em resumo, segundo Liebman, a vantagem que o bolchevismo desfrutou sobre o menchevismo (além, é claro, das diferentes estratégias), não se baseou tanto em uma equipe teoricamente superior, mas na capacidade de manter viva, apesar de todas as falhas e reveses, e mesmo apesar das mais difíceis condições, uma organização partidária, que em períodos de reação e desmoralização que assistiram ao colapso dos mencheviques, salvaguardou o essencial e garantiu que haveria um futuro para a socialdemocracia russa.

X – A política no posto de comando

Tampouco acho que posso dar tal fórmula sobre o centralismo democrático que ‘de uma vez por todas’ elimine os mal-entendidos e interpretações errôneas”. Um partido é um organismo ativo. Ele se desenvolve na luta contra obstáculos externos e contradições internas (…). O regime de um partido não cai do céu, mas é formado gradualmente na luta. A linha política predomina sobre o regime; primeiro que tudo, é necessário definir corretamente os problemas estratégicos e os métodos táticos para resolvê-los. As formas de organização devem corresponder à estratégia e às táticas. Somente uma política correta pode garantir um regime partidário saudável. Entende-se que isto não significa que o desenvolvimento do partido não dará origem a tais problemas organizacionais. Mas implica que a fórmula do centralismo democrático deve inevitavelmente encontrar uma expressão diferente nos partidos de diferentes países e em diferentes estágios de desenvolvimento de um mesmo partido”[63].

Toneladas de páginas foram escritas sobre a espinhosa questão do regime do partido, a maioria delas inúteis. Aqui queremos apenas estabelecer uma série de critérios que acreditamos serem fundamentais para enfrentar este problema, começando por salientar que nunca devemos tentar tomá-los como um “livro de receitas”. Em última análise, as “regras do jogo” específicas para o funcionamento do partido dependem das circunstâncias concretas da luta de classes em que a construção do partido se leva a cabo e de certa forma também do estágio construtivo em que o partido se encontra, como acabamos de ver na apresentação de Trotsky.

Comecemos esclarecendo questões básicas. O primeiro é que os problemas de organização (e o regime partidário dentro deles) se seguem dialeticamente da política. É claramente evidente que um partido dedicado à mera atividade eleitoral terá um tipo de regime muito diferente do de uma organização revolucionária cuja principal atividade é intervir diariamente na luta de classes.

Nessa intervenção, são sempre as exigências da luta que devem prevalecer. Em outras palavras, não há como resolver os problemas de intervenção partidária de uma forma que imponha interesses estranhos aos da própria luta. Os interesses irrevogáveis do partido devem ser afirmados de forma a contribuir para o desenvolvimento, a politização e o triunfo da própria luta. Fazer o contrário seria instrumentalismo, e nada além de um instrumentalismo que prestaria um péssimo serviço aos trabalhadores e ao progresso de sua consciência de classe.

O regime do partido é suscetível a outro tipo de “reducionismo“: o de interpretá-lo em uma chave “formalista“. Ou seja, acreditar que o regime pode estar “preso” na aplicação formal de um “estatuto” que condena o partido à inanição, liquidando o desenrolar de sua vida militante em toda sua riqueza e diversidade. Porque o que reina em uma organização genuinamente revolucionária é a política, o conteúdo das apostas estratégicas: “A fração e o perigo de uma cisão [do partido bolchevique durante a luta contra a oposição de esquerda ao acordo de Brest Litovsk, R.S.] foram derrotados não por decisões formais baseadas nos estatutos, mas por uma ação revolucionária” [64].

Na mesma linha, Marcel Liebman insiste repetidamente (e de forma convincente) que, especialmente em condições de recrudescimento revolucionário (quando há uma retração, necessariamente, outras leis mais “fechadas” se aplicam à vida da organização), o “partido de Lenin” é extremamente flexível e aberto à pressão revolucionária vinda de baixo, como veremos adiante.

XI – Centralismo ou federalismo?

Embora sigam dialeticamente os problemas políticos, é claro que existe e não pode deixar de haver uma especificidade dos problemas do regime partidário. Esta especificidade diz respeito a várias leis do funcionamento da organização: diz respeito a questões de federalismo ou centralismo em questões organizacionais e à combinação da livre discussão[65] com a férrea unidade na ação.

Nos interessa começar pelo federalismo: historicamente, este tem sido o reflexo organizacional do economicismo: uma expressão pouco madura na arena política; uma marcação do ritmo com os mais atrasados da classe; a afirmação de interesses “particularistas” contra o todo; um critério de despolitização. Em resumo: vários dos temas caros à corrente anarquista-autonomista[66]. 

Precisamente: o debate entre as concepções federalistas e centralistas em matéria de organização já se realizou nos primeiros dias da Primeira Internacional. É bem conhecido que Marx era a favor do centralismo. O defensor do federalismo foi Bakunim. Ele acusou Marx de ser um “socialista burocrático”: “Os anarquistas [viam] em toda a centralização um obstáculo à livre iniciativa local e ao impulso revolucionário das massas. Longe de desejar que o Conselho Geral [da Primeira Internacional, chefiado pelo próprio Marx] fosse dotado de poderes mais amplos para dirigir o movimento, eles queriam eliminá-lo completamente e substituí-lo por um mero Escritório de Correspondência que mantivesse os grupos em diferentes países em contato, mas que não seria encarregado de dirigir, em nenhum sentido, suas atividades”[67].

Mas, como Lênin assinalou, na organização partidária, o federalismo é um “câncer”: um obstáculo organizativo ao livre o debate político e a decisão políticas no conjunto do partido. Porque o federalismo pressupõe uma luta de relações de forças dentro da organização que não depende das posições políticas lançadas para o livre debate e a criação de maiorias e minorias políticas, mas de fazer valer nos debates supostas “cotas” da própria organização.

É bem conhecido que um dos canceres do POUM espanhol nos anos 30 – que acompanhava organizacionalmente seu centrismo político – foi que apesar de ter conseguido reunir um número significativo de militantes (cerca de 40.000), era uma organização pautada por caciques e caudilhos regionais que se recusavam a se subordinar por interesses localistas mesquinhos a qualquer organização e diretrizes políticas centralizadas.

É outra coisa completamente diferente quando se trata da organização do Estado (não mais do partido). E quando, além disso, este estado é composto por uma série de nacionalidades diferentes às quais devem ser permitidas incondicionalmente a livre expressão: trata-se do direito à livre autodeterminação nacional. Este era o caso – na época da formação da ex-URSS durante a própria vida de Lenin – quanto a se a Rússia bolchevique deveria ser uma Federação das repúblicas soviéticas – a posição de Lenin – ou uma União (a posição da Grande Rússia de Stalin). Pois o que a União tendia a fazer, e fez, era liquidar os direitos de autodeterminação das futuras minorias da URSS.

Entretanto, quando se trata do partido, estamos falando de algo bem diferente: o federalismo torna-se um obstáculo organizativo que impede a unidade da organização em sua ação revolucionária. Repetimos: um obstáculo organizativo que é colocado por cima de todas as decisões políticas. Este não é um critério de democracia partidária, mas algo bem diferente: um critério de aparato, de “cotificação” do regime partidário.

Como Liebman assinalou: “O objetivo do  Iskra era pôr um fim a este choque dos vários grupos locais. O centralismo de Lênin, entretanto, era muito mais do que esta vocação para unir: era uma concepção das relações dentro da organização entre a “liderança” e a “hierarquia”, entre o “centro” e as “regiões” dependentes dela, uma definição das regras de hierarquia que deveriam prevalecer na organização, um conjunto de questões que levantavam a questão da democracia dentro do partido“[68].

XII – Democracia e centralismo

Em segundo lugar, há a famosa questão de como combinar os critérios de centralização na ação com a livre discussão democrática dentro da organização. Esta combinação, historicamente, tem sido expressa em uma fórmula proposta por Lenin em 1906 dentro do POSDR: o centralismo democrático[69]. Classicamente, isto alude – como seu nome indica – a um par dialético, onde duas demandas diferentes estão combinadas. Por um lado, a demanda por um amplo espectro de democracia e debate livre dentro da organização: os militantes partidários não são “autômatos”, mas camaradas dotados de consciência crítica que devem ser capazes de exercer seus direitos de opinião e até mesmo de tomar decisões autônomas.

Como Trotsky salienta agudamente: “Sabíamos que o regime partidário se baseava nos princípios do centralismo democrático. Partiu-se do princípio, teoricamente falando (e assim foi, naturalmente, na prática), que estes princípios implicavam a possibilidade absoluta para o partido de discutir, criticar, expressar seu descontentamento, eleger, destituir, ao mesmo tempo que permitia uma disciplina de ferro na ação, dirigida com plenos poderes por órgãos dirigentes eleitos e revogáveis. Se se entendia por democracia a soberania do partido sobre todos os seus organismos, o centralismo correspondia a uma disciplina consciente e judiciosamente estabelecida, que de certo modo garantia a combatividade do partido“.

Precisamente: juntamente com o elemento de liberdade absoluta na discussão, deve ser sublinhado que não existe uma organização de luta – e o partido o é – que pode funcionar contra o caráter centralizado do Estado capitalista e dos patrões, de uma forma que não implique na mais forte unidade na ação da organização. Neste sentido, disse corretamente Moreno, que questionar o centralismo é questionar a própria eficácia e que nenhuma revolução pode ter sucesso sem um alto grau de disciplina e centralização.

Aqui está outro problema agudo: nenhuma organização revolucionária pode recorrer à intervenção na luta de classes sustentando duas políticas[70]. Isto o condenaria à impotência mais escandalosa: tomando um conceito “contável”, se trataria a esterilidade de uma contabilidade de soma zero.

Portanto, em determinado momento, o debate no interior do partido – em qualquer de seus órgãos – deve ser resolvido para que se possa passar ao nível da ação. Porque sem tal ação o partido perde seu atributo de partido militante: no seu seio o debate democrático e até mesmo a elaboração teórica e política, devem estar em última instância a serviço da ação: de exercer uma ação militante transformadora sobre a realidade.

Assim, a unidade da teoria e da prática, a práxis na questão de um regime partidário militante, resolve-se na condenação do federalismo e no impulso para a democracia mais livre em discussão e a unidade mais férrea na ação: “[Lênin] diz que ainda havia trabalho a ser feito para ‘realmente aplicar os princípios do centralismo democrático na organização do partido, trabalhar incansavelmente para fazer das organizações locais as principais unidades organizacionais do partido na ação e não apenas nas palavras. Sua aplicação ‘implica liberdade universal e total de criticar, sempre e quando não prejudique a unidade na ação; [esta regra] ditava cortar pela raiz  qualquer ‘criticismo’ que quebrasse ou dificultasse a unidade de uma ação decidida pelo partido.[71]

XII – O salto às massas.

Em janeiro de 1905, no instante de desencadear-se a revolução, a organização bolchevique consistia de 8.400 membros. Na primavera boreal de 1906, o total de membros do POSDR alcançava 48.000, dos quais 34.000 eram bolcheviques e 14.000 mencheviques. Em outubro daquele ano, o total de membros ultrapassava 70.000 (…) e para o congresso de Londres em 1907, o partido tinha 84.000 membros, dos quais 46.000 eram bolcheviques e 38.000 mencheviques“[72].

Como assinalamos acima, não vamos nos deter longamente neste “anexo” sobre os complexos problemas da passagem do partido de vanguarda para um partido com influência entre as massas, nem sobre as leis internas específicas deste último. Em qualquer caso, faremos apenas uma série de breves comentários deixando claro que quando falamos de “partido com influência entre as massas” tentamos diferenciá-lo da ideia, plena, de “partido de massas”, precisamente por causa do que explicamos acima sobre a preocupação leninista de que todo partido revolucionário deve manter seu caráter de “vanguarda” no que diz respeito ao conjunto da classe.

Há várias questões aqui, mas a primeira coisa a apontar é que na operação das “leis” acima mencionadas, obviamente, está ocorrendo uma transformação. Isto se aplica tanto às leis de crescimento do partido como até mesmo ao regime interno do partido. Porque se a organização de vanguarda é, em certa medida, uma espécie de “brigada de combate“, um partido que se lança na influência entre as seções das massas, ele deve obviamente ter uma série de critérios próprios em matéria de organização e funcionamento que em muitos casos configuram uma espécie de “inversão dialética” das leis que governam a etapa de vanguarda.

Isto não quita que, ao mesmo tempo, em todas as etapas regem leis de desenvolvimento desigual e combinado. Expliquemos: se é muito ruim confundir as etapas construtivas do partido, isso não significa que não ocorram circunstâncias em que núcleos muito pequenos desempenhem um papel de enorme importância, com uma projeção no campo político muito além de suas forças organizativas[73].

Mas digamos algo sobre as leis de crescimento de um partido com peso entre as massas. Os multiplicadores em termos do número de militantes, inserção e tamanho político e organizativo do partido em uma época revolucionária, obviamente,  variam substancialmente do período em que a organização é um partido de vanguarda. Trata-se de outras leis que regem o salto em direção às massas: aqui operam as leis de multiplicação “geométrica” e não aritmética, que é o que caracteriza o partido no estágio de vanguarda.

Ou seja, o partido de vanguarda “recruta” de unidades de camaradas ou, no máximo, de dezenas, por assim dizer. O partido que se volta para ter influência entre as seções das massas, recruta a conjuntos de camaradas: capta núcleos, agrupamentos, organizações e/ou seções inteiras de trabalhadores ou estudantes. A este respeito, os critérios apresentados por Lênin – para os bolcheviques – na época da revolução de 1905 são ilustrativos: Lênin apresentou a necessidade de criar “centenas” de novas organizações do partido e insistiu que ele não queria dizer isto num sentido “figurativo”, mas literal.

Enfim, a questão dos multiplicadores é toda uma discussão, porque está precisamente relacionada com as leis dialéticas do salto da quantidade para a qualidade em termos de construção de partidos. Porque este salto exige, como já foi apontado, este acúmulo quantitativo prévio para que ocorra. Mas aqui está a “astúcia” da coisa. Em certo momento, a adição quantitativa de apenas mais um elemento… produz aquele salto de qualidade que coloca o partido como um todo em outro terreno. A gota que transborda um copo de água é apenas uma gota entre outras…, no entanto, seu resultado é qualitativo.

Em segundo lugar, a questão dos multiplicadores é difícil de se pensar “abstratamente”: geralmente está ligada à busca de um “veículo” para produzir este salto de qualidade. Existem veículos e veículos e a questão aqui é se eles vão ou não no sentido estratégico de construir a organização como um partido revolucionário.

Para que não seja um salto no vazio, por mais que exista o “veículo”, deve haver uma acumulação prévia em termos de construção partidária. O que acontece é que em inúmeros momentos essa possibilidade se coloca ao partido. Mas se não há um partido previamente organizado, há um ditado que pinta por completo a impotência desta situação: é como “tomar sopa com um garfo“[74].

O mesmo é verdade em relação à situação do partido: o salto para as massas requer uma acumulação prévia, caso contrário, mesmo que haja um veículo “à mão” para dar esse salto, ele não pode ser realizado por causa da falta dessa acumulação prévia.

Aqui há um terceiro problema: a variação das leis de construção no caso do partido que se lança para ter influência de massa,  o leva muitas vezes a estatelar-se contra a parede. Ou seja, pode ser o caso de se ter tanto o “veículo” como uma certa acumulação partidária para realizá-lo. Mas aqui ocorre outro problema grave, central: o grau de politização da militância do partido de vanguarda é muito diferente; os métodos de direção mais “personalizados” que caracterizam a organização de vanguarda também são muito diferentes. Mas quando o partido se torna realmente “impessoal” e tudo repousa sobre os quadros, sobre o grau de educação que receberam e sobre sua capacidade de ação autônoma (mesmo dentro dos parâmetros da política geral da organização), este elemento de acumulação de quadros de antemão, se torna o elemento chave.

Além disso, o partido  já transformado – até certo ponto – em um “fato objetivo”, tem a tendência de desenvolver interesses “próprios” de forma muito forte, o que levanta o problema de que o partido nunca deve ser pensado independentemente da luta de classes. Ou seja, existe o perigo típico do “grande” partido: considerá-lo um fim em si mesmo, ter medo de correr riscos, ignorar os problemas da sociedade e da classe como se o partido pudesse ser construído “independentemente da luta de classes” (o caso extremo foi o da socialdemocracia alemã, caracterizada como um “Estado dentro do Estado”). Em outras palavras, deve ser encontrado um equilíbrio correto entre a vida “interna” do partido e sua vida cotidiana, que está, e não pode deixar de estar, a serviço da luta de classes.

Vejamos um quarto problema: o das “âncoras” do partido. Aqui nos referimos aos contrapesos que devem estar em vigor para que as pressões sociais que uma parte das massas está começando a exercer sobre a organização – com todos os seus elementos de atraso – não a façam sair dos trilhos.

Estas âncoras são: o grau de politização de seu núcleo partidário, sua composição social, a autoridade de sua liderança, as tarefas às quais se dedica habitualmente (não é a mesma coisa se sua atividade diária é a intervenção nas lutas dos trabalhadores… ou se sua atividade básica for eleitoral), o marco teórico-estratégico da organização, e seu caráter internacionalista[75]. Porque caracteristicamente, e dialecticamente ligado ao anterior, há outro problema que é absolutamente fundamental: o grau de flexibilidade do partido em matéria de alimentar-se com o melhor da jovem geração que entra na luta. Ou seja, o partido deve deixar para trás toda a inércia conservadora e se lançar totalmente para intervir política e construtivamente na luta de classes incrementada. É aqui que entra a capacidade de adaptação do partido, sua flexibilidade revolucionária, sua capacidade de se livrar de qualquer inércia conservadora, qualquer estrutura inflexível que seja incapaz de se alimentar dos impulsos revolucionários da realidade.

Há uma demanda adicional aqui. Em situações de ascenso da luta de classes, o partido corre o risco de ficar para trás – tanto política como organizacionalmente – em vez de ser a vanguarda. Como Lenin disse em 1905: “precisamos aprender a nos ajustar a este escopo completamente novo do movimento. “Esta adaptação aos acontecimentos significa [diz Liebman] que a distinção entre a organização e o movimento, entre a ‘rede horizontal’ e a ‘rede vertical’ e, finalmente, entre a vanguarda e a classe trabalhadora, começava a se tornar mais tênue“[76].

Isto acontece quando há um ascenso revolucionário: o partido deve se livrar de toda inércia, revolucionar-se junto com a classe. Existe, em certa medida, e como já assinalamos, uma “inversão” dos princípios enunciados acima. Mas para que este salto não seja um salto para o vazio, a etapa do partido de vanguarda deve ter sido resolvida satisfatoriamente. O partido manterá seu caráter revolucionário geral somente se quando “se fundir” com as massas (como Lenin aponta em “Esquerdismo…”), tiver sua espinha dorsal firme enquanto organização revolucionária. Isto seria o fechamento de todo um “círculo dialético” que até agora só o bolchevismo foi capaz de atravessar com sucesso, mas que certamente terá novos capítulos neste século XXI.

 

Notas:

[1] O presente trabalho é uma atualização com importantes modificações do artigo A un siglo del Que Hacer?” escrito anos atrás e tendo em mente os problemas colocados pela construção da nossa Corrente Internacional Socialismo ou Barbárie.

[2] Marcel Liebman, “Leninism under Lenin“, The Merlin press, 1985, Inglaterra. Na mesma linha Trotsky diz: “Um partido vivo só pode alcançar uma política relativamente correta por aproximações sucessivas; isto é, por desvios sucessivos para a direita e para a esquerda. O mesmo é válido individualmente para cada membro do partido. O vigor do partido e a capacidade de seus líderes são testados por suas capacidades de assimilar desvios parciais no tempo e não permitir que eles cheguem a uma ruptura completa com o marxismo“. “Como dirigir una discusión política”, em “Textos sobre centralismo democrático”, idem, p. 108.

[3] “A cien años del ¿Qué hacer? Leninismo, crítica marxista y la cuestión de la revolución hoy”, Werner Bonefeld e Sergio Tischler, p. I I I I. Ediciones Herramienta, 2003.

[4] Idem, p. 9.

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[53] Marcel Liebman, idem, pp. 25.

[54] “Un paso adelante, dos pasos atrás. Respuesta a Rosa Luxemburgo”, Obras Completas, volume VII, Cartago, Argentina, 1971, pp. 519.

[55] Liebman idem, pp. 32.

[56] “Construyendo el partido “, Tony Cliff, 1893-1914, Bookmarks, Inglaterra, 1994, pp. 108.

[57] Marcel Liebman, idem, pp. 29.

[58] Em Lamark, a adaptação parecia surgir de um esforço “subjetivo” da espécie em questão e não da “coincidência” objetiva darwiniana entre espécies e ambiente que fez com que algumas espécies (coincidentemente mais adaptadas às suas circunstâncias) sobrevivessem e outras não.

[59] Jogando com a analogia que estamos fazendo com as leis que regem a seleção natural, vamos ouvir o que o arqueólogo marxista Gordón Chile dizia sobre o assunto: “Para o biólogo, progresso – se ele usar este termo – significará sucesso na luta pela existência. A sobrevivência do mais apto é um bom princípio evolutivo. Somente aptidão física significa apenas sucesso na vida. Um teste provisório da aptidão de uma espécie seria contar o número de seus membros ao longo de várias gerações. Se o número total acabar aumentando, pode-se considerar que a espécie se saiu bem; se o número diminuir, ela está condenada ao fracasso“. Em “Cómo el hombre se hizo a sí mismo”, Fondo de Cultura Económica, México, 1954, pp.19.

[60] Liebman, idem, p. 28. Esta é uma das melhores obras acerca da construção do partido de Lenin. É superior ao mais conhecido de Pierre Broue (O Partido Bolchevique), que é mais uma reconstrução histórica.

[61] Liebman assinala que o pré-bolshevique Trotsky denunciou que o Iskra (sob a liderança de Lenin) “não lutou tanto contra a autocracia quanto contra as outras frações do movimento revolucionário“… É claro que o jovem Trotsky ainda não entendera completamente a mediação da luta na vanguarda para alcançar as massas mais amplas e o valor político da polêmica entre as correntes revolucionárias. Idem, p. 29.

[62] “Antología”, textos do cadernos posteriores a 1931, Editorial Siglo XXI, 1999, Espanha, pp. 347.

[63] Leon Trotsky, “Sobre el centralismo democrático. Unas pocas palabras acerca del régimen de partido “. Em “Textos sobre centralismo democrático”, Antídoto, Argentina, 1992, pp. 104.

[64] Leon Trotsky, ” El nuevo curso”, em “Textos sobre centralismo democrático”, idem, pp. 26.

[65] Discussão livre que nunca poderia ser “democratismo”, o que é outra coisa muito diferente. Como assinala Trotsky: “A maturidade de cada membro do partido é expressa particularmente no fato de que não exige do regime partidário mais do que ele pode dar. A pessoa que define sua atitude em relação ao partido pelos golpes pessoais que de lhe dão na telha é um pobre revolucionário. É claro que é necessário lutar contra todos os erros individuais dos dirigentes, toda injustiça, e assim por diante. Mas é necessário determinar estas “injustiças” e “erros” não em si mesmas, mas em conexão com o desenvolvimento geral do partido em escala nacional e internacional. Um julgamento correto e um senso de proporção na política são extremamente importantes“. “Sobre el centralismo democrático. Unas pocas palabras acerca del régimen de partido “. Em “Textos sobre centralismo democrático”, idem, pp. 105.

[66] G.D.H. Cole caracteriza a luta entre Marx e Bakunim como uma luta entre os defensores da ação política (Marx) e os federalistas-anarquistas-localistas (Bakunim).

[67]”Historia del Pensamiento Socialista”, Tomo II, G.D.H.Cole, FCE, México, 1958, pp. 185. Cole acrescenta que: “(…) onde Marx enfatiza a necessidade de uma direção centralizada e de uma organização de classe disciplinada, Bakunin coloca sua fé na ação espontânea dos trabalhadores individuais e nos grupos primários que seus instintos naturais de cooperação social os levariam a formar, quando a necessidade surgisse“. Idem, pp. 211.

[68] Liebman, idem, pp. 38.

[69] Esta foi a maneira que Lenin encontrou para resolver – no congresso da POSDR de Londres de 1906 – a relação entre bolcheviques e mencheviques dentro do partido sem comprometer sua unidade em ação.

[70] Não estamos nos referindo aqui às circunstâncias transitórias que podem surgir em uma organização que é criada como uma organização de frente uniCa de tendências revolucionárias e que deve necessariamente ser regida por um regime com liberdade de tendências políticas por todo um período. Sobre este tema, ver artigo de Antonio Carlos Soler, Revista SoB No. 22.

[71] Liebman, idem, pp. 51.

[72] Liebman, idem, pp. 47.

[73] Historicamente na América Latina, o maior exemplo deste desenvolvimento desigual com muito pouca “orgânicidade” é o exemplo do POR boliviano e seu peso entre os mineiros no final da década de 1940. É evidente que, além do desvio político oportunista que sofreu na revolução de 52, pagou caro por sua incapacidade de dar um salto construtivo: o partido foi “comido” pelo movimento.

[74] Na história da corrente morenista há um exemplo emblemático neste sentido: a enorme eleição da FOCEP no Peru em 1978: cerca de 20% dos votos com apenas 40 militantes…

[75] É evidente que estas “âncoras” falharam completamente no caso do velho MAS.

[76] Liebman, idem, pp. 46.