“O racismo é um sistema de dominação, exploração e exclusão que exige a resistência sistemática dos grupos por ele oprimidos, e a organização política é essencial para esse enfrentamento” (Sueli Carneiro)
Omar Xilief
No dia 8 de dezembro ocorreu uma cena extremamente chocante na EE Amaral Wagner, localizada em Santo André (São Paulo). Um professor desta unidade escolar foi filmado pelos alunos trajando a vestimenta da Ku Klux Klan (KKK), um dos maiores símbolos dos supremacistas brancos estadunidenses.
Diante de ato racista, parte dos estudantes de forma totalmente consciente exigiram que o professor tirasse o uniforme da KKK e saísse do ambiente em que era realizada uma festa à fantasia, alguns professores da unidade escolar, ao ver tal cena, questionaram a atitude do professor instantes após o ocorrido e a direção da escola fez uma conversa com o mesmo, mas sem que se tenha conhecimento do conteúdo.
No dia seguinte, quando questionado sobre o porquê de tal fato, tenta se justificar dizendo que parte dos alunos defenderam e outra não, que fazia trabalhos com alunos sobre o tema racial e até tinha uma neta preta, mas sem reconhecer que tal atitude era inadmissível. No dia 17, ao ser cobrado que se posicionasse, fez uma fala para um pequeno grupo de professores e gestores no intervalo do Conselho de Classe com o mesmo teor do que havia dito anteriormente.
Apesar de ter ocorrido tal fato no dia 8, a gestão da escola, a Diretoria de Ensino e a Secretaria da Educação (SEDUC) apenas posicionaram-se, afastando o professor e se responsabilizando pela conduta racista e com a construção de um calendário de formação antirracista, após ampla divulgação nas redes sociais, repercussão na grande mídia e de um importante e combativo ato realizado em frente à escola no dia 22.
Lei de ensino da história e cultura afro-brasileira não se cumpre
Quando a lei 10.639 foi promulgada em janeiro de 2003, estabeleceu-se a obrigatoriedade do ensino de história e da Cultura Afro-brasileira nas escolas públicas e privadas em todo o território nacional. Porém, já estamos em sua maioridade, ou seja, já se passaram cerca de 18 anos de sua promulgação e a abordagem à questão étnico-racial dentro dos espaços escolares não concretizou-se.
A falta de empenho do poder público (governos municipais, estaduais e até federal) em efetivar essa lei como política pública favoreceu o descaso para aplicação da lei, principalmente pelas instituições privadas. Os cursos em nível superior de Pedagogia e Licenciatura deveriam ter a obrigatoriedade de ter em suas grades curriculares a abordagem da lei 10.639. E, desta forma, ter como intuito desenvolver práticas voltadas para a diversidade étnico-racial.
A aplicação da 10.639/03 foi fruto de muita luta e conquista do Movimento Negro ao longo da história, pois a escola é uma das instituições sociais responsáveis por abordar esta temática e por promover uma educação que tenha respeito à diversidade. Porém, não conseguimos alcançar o objetivo almejado inicialmente de discutir e desenvolver a temática da questão racial e das diversidades nos currículos escolares.
O tratamento superficial da questão étnico-racial nos currículos expressa o quanto precisamos avançar na formação docente. Está convencionado que as unidades escolares tratem a questão racial apenas no mês de novembro e mais especificamente, na semana do dia 20 de novembro. Tal prática leva, em determinados momentos, a ações isoladas onde a “boa intenção” é o que vale.
Dessa forma, desde o currículo em todos os âmbitos, passando pela falta de políticas de formação docente e de articulação com o movimento negro, os Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) das escolas acabam tratando de forma muito vaga a construção de projetos voltados para o combate ao racismo. Falta de política que se reflete totalmente na prática do professor que foi com a indumentária supremacista durante uma festa à fantasia.
O racismo deve ser combatido em todas as dimensões
Absurdamente a SEDUC demorou 18 dias para tomar qualquer medida. Isso demonstra que o comportamento racista deste professor no interior de uma escola pública estadual tem correspondência com o racismo institucional e estrutural do nosso país.
A perpetuação do racismo na história brasileira escancara a existência do sistema colonial baseado nos ideais do homem branco eurocêntrico que possui métodos e meios para disseminar e operar a desigualdades raciais dentro dos espaços de convívio social, dentre eles as escolas, como instrumentos desta prática.
Devemos combater veemente não apenas a conduta deste professor – que cometeu um crime, sim, foi afastado, será processado e deve ser responsabilizado -, mas, também, a da Direção da Unidade, Diretoria de Ensino e, principalmente, SEDUC. Estas instituições simplesmente se omitiram de sua responsabilidade como gestão escolar, não convocaram de imediato professores, estudantes e funcionários para discutir tal fato, suas causas e políticas para combater práticas racistas dentro do ambiente escolar. Ou seja, o que se colocou em prática foi uma postura de abafa-caso que muito provavelmente tenha sido orientada pela Diretoria de Ensino e pela SEDUC.
Não aceitamos a forma como a SEDUC, a Diretoria de Ensino e Direção da Escola vem conduzindo o fato. É preciso uma ampla mobilização do movimento negro e dos seus aliados para que se tenha uma resposta não apenas ao comportamento racista do professor, mas à dimensão institucional e estrutural que a contextualiza. Para isso, é necessário abrir a EE Amaral Wagner – e todas as demais escolas – às organizações do Movimento Negro para que, junto aos estudantes, professores, funcionários e toda comuidade escolar, possam desenvolver um currículo, o projeto político pedagógico, metodologias e projetos em que a luta antirracista seja central.