A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre o papel do governo federal em relação à Covid-19, chamada de CPI da Covid, encerrou seus trabalhos com pedidos de indiciamento de 2 empresas e mais de 65 pessoas, entre elas Jair Bolsonaro e seus três filhos parlamentares.
ROSI SANTOS
Após quase seis meses de trabalho e de muitas expectativas criadas, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou oficialmente, nesta quarta-feira (20), o relatório final à CPI da Pandemia. Os momentos que antecederam à apresentação oficial foram bastante tumultuados, com vazamento de trechos do relatório à imprensa e com diversas manifestações de apoio de parlamentares bolsonaristas ao governo como defesa preventiva ao que viria a ser apresentado nas 1180 páginas apresentado por Calheiros.
O relatório recomenda o indiciamento de Jair Bolsonaro por “assassinato em massa” pela sua gestão da pandemia, que deixou até o presente momento mais de 600 mil mortos. Deixando o país apenas atrás dos Estados Unidos, que possui o dobro da população brasileira, com 733 mil mortes. O texto de cerca de 1.180 páginas indica que o presidente permitiu que o vírus Covid-19 se espalhasse para atingir a chamada imunidade de rebanho, com principal intuito de que a economia não sofresse nenhum impacto, apesar das necessárias medidas de isolamento e de segurança sanitárias essenciais no período.
Não há como apagar da memória os hospitais em colapso, as valas coletivas, as câmaras frias para conservar os corpos, as mortes por asfixia e numerosas vidas perdidas pela necropolítica de Bolsonaro, ou seja, da campanha governamental contra o isolamento, compra de insumos e vacinas.
A maior tragédia de nossa história encontrou na cadeira de presidente um indivíduo que respondeu com deboche e boicote aberto à saúde pública de toda uma nação. O desejo de que o governo Bolsonaro seja não só responsabilizado, mas que o próprio presidente seja efetivamente punido por tamanha inépcia, com pena de reclusão é grande.
Como se não bastasse a falta de humanidade, enquanto o país estava em comoção, Bolsonaro manteve como prioridade atacar direitos para atender empresários, ameaçava fechar o regime com um golpe militar caso houvesse reação nas ruas ou qualquer intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, em contrapartida, não respondeu os mais 80 e-mails da Pfizer para compra das vacinas.
Em que pese os seus limites institucionais e políticos, a CPI foi imprescindível para que se descobrisse que mesmo quando o governo se viu obrigado a comprar as vacinas – após as primeiras enormes manifestações de rua e a pressão da grande imprensa -, os esquemas montados dentro do governo para superfaturar a compra dos imunizantes foram os grandes protagonistas. O país ficou abismado com um verdadeiro mercado paralelo montado dentro do Ministério da Saúde com a participação de membros da cúpula do governo, lobistas, pastores evangélicos e laboratórios privados, todos indivíduos de vertentes muito alinhadas com o governo que tentavam tirar proveito econômico do desespero e da necessidade legítima da população.
Prevent Senior: a necropolítica levada ao máximo
Que algo muito sujo está por trás de tanta necropolítica, sem dúvida todos sabemos, mas que chegariam a esse ponto foi de fato muito doloroso. O caso Prevent Senior apresentado pela CPI demonstrou um grau a mais na capacidade de instrumentalização de vidas humanas e sua desumanização, o que foi patrocinado pelo setor privado em acordo com o próprio governo.
O caso Prevent Senior aparece no relatório como uma prova cabal das intenções do governo e de que este plano de saúde privado não agiu sozinho. Uma parcela do setor privado, laboratórios e empresários, faturam dando suporte ao negacionismo que levou à morte de milhares de pessoas. A macabra parceria com a Prevent Senior, de acordo com o relatório, serviu para falsificar dados e documentos para promover o uso do chamado kit-covid, que tem eficácia amplamente negada para o tratamento da Covid-19.
Um caso de muito impacto social, pois envolveu um experimento com vidas humanas. Pacientes, que sequer sabiam, eram verdadeiras cobaias em um estudo que nem mesmo a comunidade médica envolvida concordava com a execução, como foi o caso dos médicos obrigados a receitar o tal kit. Um crime bizarro e por si só imperdoável. Até mesmo falsificações de atestado de óbito foram encontradas logo após o início das investigações.
No entanto, de maneira geral entendemos que a CPI, além de ser um instrumento de investigação limitado do estado burguês, foi marcada por uma correlação de forças ainda desfavorável para o movimento de massas, de estratégia eleitoreira da direção majoritária do movimento de massas e de unidade burguesa em torno da imposição de contrarreformas. Por isso deixou de lado o verdadeiro genocídio contra a população indígena, não convocou e indiciou importantes militares que estiveream à frente da necropolítica e, principalmente, não indiciou Bolsonaro pelo crime de genocídio, o faz por interesses políticos alheios à necessidade original da investigação.
A partir de agora, esse relatório ainda precisa ser votado pela Comissão e, mesmo tendo indícios de um certo entendimento de seu conteúdo, ainda precisa passar pelo Ministério Público Federal. Ou melhor, pelo Procurador Geral da República (PGR), Augusto Aras, que como tem a promessa de ser indicado por Bolsonaro para o STF, age mais como advogado do governo do que como procurador geral da república. Ou seja, a PGR, que deveria ter um papel de estado e investigar os crimes do presidente contra a república, foi sequestrada pelo bolsonarismo e tudo indica que mais uma vez não irá transformar o relatório da CPI em processo de impeachment,
O fato é que as repercussões e impactos da pandemia vão além dos aspectos sociais, econômicos e políticos, principalmente nos países que como o nosso, o vírus foi mais feroz. Um impacto subjetivo imenso, que pode ir para qualquer lado principalmente quando falamos de mortes que poderiam ter sido evitadas.
Mesmo que não haja uma disposição de Augusto Aras em apresentar a denúncia contra Bolsonaro, o desgaste político de Bolsonaro será agravado pelo relatório da CPI da Covid-19. Mas, além de ser usada eleitoralmente, para que haja justiça de fato, é imprescindível construir a pressão política nas ruas para que se possa responsabilizar Bolsonaro e seu governo genocida. Esse governo – e seus colaboradores -, responsável direto pela morte de milhares de pessoas, antes que possa se recuperar e continuar a ameaçar os direitos democráticos, sociais e econômicos, precisa ser impeachmado e levado à prisão. E isso só poderá acontecer a partir da mobilização direta e permanente de milhares de pessoas.