A investigação é mais extensa e global do que o Panamá Papers de 2016 e revela os proprietários de mais de 29.000 empresas offshore. Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estão na lista.
Redação Internacional
Uma nova revelação de informações descobriu o negócio de bilionários e líderes políticos de mais de 100 países. Os documentos implicam 35 chefes e antigos chefes de Estado, mais de 300 funcionários, bem como empresários, celebridades, atletas e milionários de todos os tipos.
Este novo megavazamento é mais uma das sucessivas investigações que se têm realizado nos últimos anos. Em 2013 foi o Offshore Leaks, depois China Leaks em 2014, o amplamente divulgado Panamá Papers em 2016, Bahamas Leaks (2016), Football Leaks (2016), Money Island (2017), Malta Files (2017), Paradise Papers (2017), Dubai Papers (2018), FinCEN Files (2020), OpenLux (2021) e agora o Pandora Papers.
Embora os capitalistas e representantes do mundo financeiro afirmem que “ter uma empresa offshore não constitui crime”, é do conhecimento geral que as empresas offshore são criadas precisamente para constituir delitos financeiros. Seja para mover bens para jurisdições onde pagam menos impostos, para esconder os verdadeiros “donos” do dinheiro ou simplesmente para lavar dinheiro (branqueamento de capitais) de operações ilegais.
Um esquema de corrupção que opera através de empresários de fachada, entidades financeiras, escritórios de advogados e empresas fantasmas, que representa perdas multimilionárias de receitas fiscais para todos os países, e que vem à luz numa altura em que o mundo atravessa a pandemia de Covid-19 com as suas graves consequências sanitárias e económicas em todo o planeta.
A investigação envolve uma colaboração jornalística através do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), uma rede internacional com sede em Washington D.C. criada em 1997. A investigação envolveu mais de 600 jornalistas e 150 meios de comunicação de todo o mundo para estudar e analisar material, triangular dados e complementar as informações.
Entre os presidentes implicados nos documentos encontram-se os atuais presidentes do Chile, Equador, República Dominicana, Ucrânia e Quênia, assim como o Ministro da Economia Paulo Guedes e o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Estão na também na lista os ex-presidentes da Colômbia e do Peru. O Rei da Jordânia, o Primeiro Ministro da República Tcheca, e o antigo Primeiro Ministro de Inglaterra, Tony Blair, assim como outros líderes mundiais. Envolve também entidades financeiras e jurídicas, sem as quais tais operações em grande escala seriam impossíveis.
Hipocrisia do capitalismo. Os mesmos governos que pedem aos trabalhadores que façam um esforço para enfrentar a crise pandêmica são presididos por multimilionários que não têm escrúpulos em esconder o seu dinheiro no estrangeiro, colocá-lo em nome da família ou amigos, ou criar empresas de fachada para evitar o pagamento de impostos. Ou seja, miséria e fome para os explorados e oprimidos e lucros bilionários e milionários para o 1%.
Entre os casos mais proeminentes de países da região está a venda de Minera Dominga por Sebastián Piñera, presidente do Chile, através de uma rede offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. De acordo com os documentos, nove meses após o seu primeiro mandato, a sua família deixou o negócio em nome de Carlos Alberto Délano, um amigo de infância, que assinou uma escritura no paraíso fiscal por 138 milhões de dólares. O pagamento do acordo estava condicionado ao não estabelecimento de uma área de proteção ambiental.
Brasil no Pandora Papers
Nos 11,9 milhões de documentos que compõem a investigação, o Brasil aparece como o quinto país mais citado segundo a própria ICIJ. Entre os nomes que aparecem na documentação estão na sua ampla maioria empresários sócios de empresas como Riachuelo, MRV, Prevent Senior e de outras das 17 maiores empresas nacionais – alguns deles investigados pelo STF pela disseminação de notícias falsas (fake news) – com destaque para o Ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto – as duas maiores e poderosas figuras da política econômica brasileira.
Guedes é dono de uma empresa offshore desde 2014, Dreadnoughts International Group, que quando registrada em seu nome, de sua esposa e filha contia uma riqueza de pelo menos oito milhões de dólares e já no ano seguinte o valor era avaliado em 9,5 milhões da mesma moeda. Não é preciso dizer que hoje esta quantia, com a desvalorização da moeda nacional e consequentemente a alta do dólar – consequência de toda a política econômica do atual ministro – apresenta lucros milionários em poucos anos onde obteve sua maior taxa justamente durante a sua atuação a frente do Ministério da Economia.
Já Campos, presidente do Banco Central, aparece na lista como dono não apenas de uma empresa, mas quatro empresas offshore. Duas delas são registradas em sociedade com a sua esposa e as outras, uma é gerida pelo Goldman Sachs quando descoberta na investigação do Bahamas Leaks em 2016, enquanto a quarta, segundo o próprio Banco Central, é uma empresa de “gestão de bens imóveis”.
Neste ano Paulo Guedes enviou ao Congresso um projeto da reforma fiscal no qual protege e beneficia proprietários de empresas em offshore, assim como ele – o texto hoje está no Senado. Como se não bastasse o ministro da economia elaborando políticas em causa própria, Campos assinou no último período uma resolução que desobriga que todos aqueles com investimentos em paraísos fiscais declarem ao Banco Central os seus ativos se estiverem abaixo de 1 milhão de dólares. Uma resolução que escondeu mais de 40.000 de empresários desta autarquia federal de natureza especial.
Como membros do Conselho Monetário Nacional, órgão responsável por elaborar resoluções no campo dos ativos e capitais enviados e mantidos no exterior, Guedes e Campos possuem acesso a informações qualificadas e sensíveis, em relação à sociedade civil, que os permitem se antecipar às flutuações do câmbio internacional assim como à variação nas taxa de juros – fato que os colocam sobre os holofotes de alguns crimes.
Sabe-se que a prática de abrir empresas offshore, em si, não se configura como crime, mas são nestes paraísos fiscais que se escondem origens ilícitas de capitais, que provocam esvaziamento da arrecadação fiscal dos Estados (a carga tributária nacional hoje é desigual e recai majoritariamente sobre os setores mais pobres da sociedade) –, para além da questão moral e da hipocrisia já ressaltada acima. Quando aparecem os nomes de Guedes e Campos neste megavazamento fica claro e evidente o conflito de interesses e a improbidade administrativa praticada pelo alto escalão da política financeira brasileira.
Se a economia, o desemprego e o retrocesso histórico nas condições de vida das massas trabalhadoras já configuravam a necessidade eminente de derrotar este governo, com o escândalo do Pandora Papers a situação se torna, no seu quadro geral, insustentável. Não há outro lugar possível para o ministro, para o presidente do BC e para Bolsonaro que não seja a cadeia, mas para isso é preciso reverter a correlação de forças para com o governo nas ruas e romper de uma vez por todas com a política cupulista e eleitoreira da esquerda da ordem que não se envergonha em fazer tais cálculos sobre os ombros dos explorados e oprimidos.