É necessário dar um basta ao golpismo! Bolsonaro dá passos para organizar um movimento neofascista que pode colocar em perigo os direitos democráticos. É preciso lutar pela unidade de ação com todas as forças e pela organização de Comitês de Base pelo Fora Bolsonaro para unificar as lutas.
Renato Assad com colaboração de Antonio Soler
Durante o último mês acompanhamos uma série de fatos políticos que reafirmam aquilo que nós já vínhamos alertando há algum tempo sobre a rota de colisão de classes. Por um lado, sistematicamente, Bolsonaro tenta – e de certa maneira se sai vitorioso – colocar as lisuras da eleições de 2022 em descrédito para a opinião pública e ao mesmo tempo edificar uma narrativa que coloque para sua base social a necessidade de combate às instituições da democracia burguesa, principalmente o STF, com a clara intenção de submetê-la ao poder Executivo.
Por outro lado, o governo continua em lenta queda de popularidade e suas contradições em todas as áreas crescem – desemprego em massa, inflação galopante, desvalorização cambial -, o que também o faz perder apoio na classe dominante. Além das mobilizações de rua, também estamos assistindo a um despertar de mobilizações importantes das classe trabalhadora e dos oprimidos, como por exemplo a greve dos ferroviários de São Paulo e a mobilização indígena, que podem estar abrindo o caminho para um processo de mais atividade da classe operária, o que é fundamental para acabar de criar as condições para a massificação das lutas nas ruas, fato decisivo para derrotar Bolsonaro e suas ameaças golpistas.
Nesta última segunda-feira (23), Bolsonaro voltou a atacar o Supremo Tribunal Federal depois de ter, pela primeira vez em nossa história, sem qualquer fundamento na Constituição Federal, encaminhado um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes na última sexta-feira – algo que promete fazer também com outro ministro da corte e presidente do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso.
A primeira vista poderia parecer mais uma das esquizofrênicas empreitadas do presidente, mas que sob a situação política nacional representa um aceno político tático perigoso para a sua base social, um fato que tem passado ao largo das análises políticas da esquerda da ordem e de setores da esquerda radical por motivos diferentes. A primeira porque, por uma política quietista, oportunista, desmobilizadora e entreguista não têm intenção alguma levar o debate político para as bases, pois de forma totalmente adaptada às instituições burguesas, mesmo quando estas balançam perigosamente e seus escombros podem cair sobre a classe trabalhadora e suas organizações políticas, sindicais e movimentos, apostam todas as fichas nas eleições de 2022, diminuindo artificialmente as ameaças golpistas e, assim, cumprem o papel de desarmar os explorados e oprimidos para o inevitável enfrentamento contra o golpe que Bolsonaro arma à luz do dia. Não hesitam em levar adiante esta política traidora mesmo estando a maioria da população pelo impeachment com manifestações de rua até o momento pelo Fora Bolsonaro muito maior do que as golpistas e com tendência de tornarem-se mais radicalizadas devido a piora sem parar das condições de vida e o crescimento da bronca popular contra Bolsonaro.
Por outro lado, alguns setores da esquerda contra a ordem acabam alimentando uma visão facilista (apenas enxergam os aspectos favoráveis da realidade) sobre a atual conjuntura a partir do fato de que Bolsonaro está isolado internacionalmente, a classe dominante dividida e crescentemente descontente e uma baixa popularidade. Além da crise entre poderes, particularmente os ataques diretos ao STF, após uma série de tentativas de mediação entre as instituições de colocar panos quentes na situação, sem solução de continuidade, Bolsonaro tem apoio ainda da maioria do Congresso e mantém uma base social radicalizada com alarmante peso nas forças repressivas e nas forças armadas. O que percebemos é que, ao contrário daqueles medicados pela leitura facilista da realidade, considerando Bolsonaro cachorro morto, a tendência de uma volta à normalização institucional torna-se cada vez mais difícil – uma vez que o presidente se não reeleito, ciente de seus próprios crimes, poderá acabar por ser preso. Além disso, fica claro que Bolsonaro não cederá à sua intenção golpista, ao contrário: irá intensificá-la. Não parecem colocadas condições para nenhuma medida de tomada imediata de forças no momento, mas Bolsonaro diante de dificuldades políticas e econômicas crescente, quer criar as condições para isso e tem respaldo em um setor minoritário, mas armado, para isso.
Forças policiais à vontade
É preciso recordar para entender a dinâmica dos processos. No dia 23 de maio deste ano acontecia mais uma das motociatas convocadas por Jair Bolsonaro e sua base de apoiadores na cidade do Rio de Janeiro. Com razoável adesão, longe de ser multitudinária, o ato da direita neofascista contou com a presença do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Sem qualquer tipo de receio ou pudores, o general da ativa não hesitou em subir no carro de som ao final do ato e fazer uma fala incisiva em defesa do presidente e seu governo.
A resposta do Exército? É sabido que o regulamento disciplinar militar prevê punição para o militar da ativa que “manifestar-se publicamente […] sem que esteja autorizado a respeito de assuntos de natureza político-partidária”… Contudo, em uma clara demonstração de nenhum compromisso com os direitos democráticos, a instituição militar brasileira não hesitou em não aplicar a devida punição à Pazuello – uma mensagem política às bases das Forças Armadas e Polícias Militares para que não se sintam intimidadas pela lei, praticamente um incentivo à mobilização política das forças de Estado.
A vontades com este aceno militar sobre a participação política de militares, semana passada, aqui no estado de São Paulo, o coronel da Polícia Militar Aleksander Lacerda publicou em suas redes sociais ataques aos ministros do STF e convocatórias de apoio a Bolsonaro no ato cívico do próximo dia 7 de setembro. Suspenso do cargo pelo governo paulista, o coronel não embarcou sozinho nesta empreitada. No sábado, o coronel da reserva da PM paulista Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, atual diretor do Ceagesp, nomeado por Bolsonaro, aparece em um vídeo convocando milhares de policiais para as manifestações de 7 de setembro. Utilizando a camiseta da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) o coronel diz “nós, a Polícia Militar, a Força Pública, nós devemos nos unir. No dia 7 de setembro, todos os veteranos devem estar presentes na Avenida Paulista”, uma criminosa e autoritária tentativa de mobilizar as forças policiais a garantirem as intenções bonapartistas de Bolsonaro.
No dia 10 deste mês, alguns ex-presidentes como FHC, Michel Temer, Lula e Collor enviaram emissários para buscar saber a disposição militar dos quartéis em embarcar em uma aventura golpista. Estes ouviram de oficiais da ativa e da reserva que não há qualquer possibilidade de que as Forças Armadas passem por cima das eleições do ano que vem, porém, disseram temer que Bolsonaro logre sucesso em sublevar as forças policiais.
Há aqui que ressaltar que a Polícia Militar brasileira apresenta certa ambiguidade no seu controle, por um lado respondem a um comantede ou coronel escolhido pelo governador, porém desde 1967, formulado pela ditadura militar, existe um órgão de inspeção das forças policiais, a IGPM, que é dirigido pelo Exército Brasileiro. Ou seja, militares do Exército mais alinhados ao governo e sua sanha golpista podem influenciar e mobilizar as bases das polícias estaduais, tornando a declaração dos comandantes aos ex-presidentes nenhuma garantia democrática.
Mas, este não é o único motivo da simpatia das forças repressivas por Bolsonaro. São forças herdadas da ditadura militar que não passaram por nenhuma reformulação, reacionárias, anti operárias, racistas e anti populares até a medula que têm recebido apoio de Bolsonaro em seus motins armados e tratamento especial do governo, como foi o caso da já votada aposentadoria especial e a promessa do excludente por enquanto derrotada de ilicitude que praticamente legaliza a violência policial.
Esses são alguns fatores que fazem com que Bolsonaro tenha adesão no interior destas forças, podendo usá-las para impor terror nas ruas, perseguir opositores e reprimir com violência letal manifestações massivas. Terão a complacência dos chefes militares para isso? Essa é uma grande incógnita. De qualquer forma, o bolsonarismo com o apoio que goza nas polícias militares e em outros setores reacionários pode em perspectiva até o próximo ano – não podemos dizer que essa hipótese está descartada -, com algum apoio popular, criar o caldo de cultura necessário para impor uma medida de fechamento do regime através de um estado de sítio ou coisa que o valha. Por essa razão, é preciso romper imediatamente com a lógica capitulada da burocracia lulista diante do crescente perigoso cenário político. Não podemos dar nenhum espaço a mais para o golpismo, é necessário esmagar já a serpente neofascista com a mobilização de massas.
7 de setembro, um dia de definições
Tivemos quase quatro meses de uma ascensão das mobilizações de rua contra o governo Bolsonaro que contaram com a participação da ampla vanguarda devido à política da direção burocrática que não fizeram esforço algum para mobilizar setores de massas. a campanha Fora Bolsonaro enfrenta o grande desafio de massificar suas ações para que possa girar definitivamente a correlação de forças a nosso favor¹. Para isso, no próximo período a luta para mobilizar contingentes maiores da classe trabalhadora e dos oprimidos através de todas táticas possíveis coloca-se como tarefa central.
É evidente que Bolsonaro mantém-se isolado internacionalmente, que a classe dominante não se posiciona hegemonicamente em defesa do governo (apresenta importantes divisões), que sua rejeição atinge o maior patamar desde o início de seu governo, que a inflação e condições de vida pioram e não parecem dar sinais de uma rápida recuperação, que a crise ambiental histórica atinge números inéditos e que as quase 600 mil mortes por covid, assim como as recentes mobilizações, não materializam condições políticas para o fechamento do regime.
Entretanto, Bolsonaro ainda segue sendo funcional à burguesia e não há nada que indique, por mais que sejam evidentes os crimes cometidos pelo genocida, que um processo de impeachment será aberto, mais uma vez provando que a aritmética parlamentar descolada de pressões populares nada garante, nem mesmo os direitos democráticos. Quadro esse por enquanto que o deixa de mãos livres para ir preparando o seu golpe de estado e se manter no poder independente do resultado das eleições de 2022, se um cenário de maior radicalização não for colocado até lá.
Nada na luta de classes, na política nada se mantém estável, há uma dinâmica natural de permanente choque de interesses em que a luta de classes responde como último fator determinante – a materialização da história depende exclusivamente dos sujeitos ativos e inativos na luta política, para além do papel e limite das instituições políticas que já conhecemos. No final das contas é o choque entre as forças extraparlamentares que decide a parada, foi assim com o impeachment de Dilma, com a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro. Não fosse a mobilização da juventude negra estadunidense dificilmente Trump teria perdido as eleições ou saído do poder, para dar um exemplo internacional recente. É, portanto, a luta de classes que define todos os grandes acontecimentos políticos do Brasil e do mundo. Por essa razão é criminosa a política da direção lulista do movimento de massas que mesmo podendo mobilizar não aposta na mobilização permanente pela base e na ofensiva da nossa classe e dos oprimidos. Ao contrário disso, Lula em uma estética falocêntrica se dedica a tirar fotos de sunga com a namorada para mostrar que permanece “viril” para atender aos interesses do grande capital.
Enquanto Lula se diverte, a luta de classes fica mais tensa. No último dia primeiro deste mês, o bolsonarismo saiu às ruas em defesa do voto impresso e fechamento do regime. Tímidos e enfraquecidos foram os atos pelas principais cidades do país. Porém, não nos parece que acontecerá o mesmo no próximo dia 7, pelos motivos que apresentamos aqui, onde a direita neofascista e suas armas estará centralizada na Av. Paulista com a decisão da justiça que garantiu o espaço apenas para a extrema direita.
Não temos motivo para nos intimidar, damos mostras da capacidade de mobilização massiva da juventude, das mulheres, do movimento negro e do movimento popular. Além disso, estes e setores da classe trabalhadora começam a superar suas dificuldades objetivas e subjetivas de mobilização – para além de uma ampla vanguarda, fator decisivo para mudar a correlação de forças para com o governo. Algumas categorias, assim como o povo originário, demonstra um intenso descontentamento e capacidade para lutar, como no caso dos ferroviários em São Paulo que realizaram uma greve nesta semana, dos servidores em luta contra a contrarreforma administrativa e etc.
O problema que temos que enfrentar para virar esse jogo de vez é a descentralização, diluição e fragmentação que tem se manifestado na luta de trabalhadores e povos originários. As direções partidárias, sindicais e movimentos sociais precisam se dar a tarefa de coordenar, unificar e totalizar a luta das mais específicas pautas na luta contra Bolsonaro, o representante direto de todos os ataques e retiradas de direitos e inimigo número um de todos os explorados e oprimidos que quer impor não apenas derrotas econômicas, mas principalmente uma grande derrota política que nos tire as condições de lutar de forma organizada – a serviço disso estão os golpes de extrema direita.
Quando há risco aos direitos democráticos, de livre organização sob a ameaça de fechamento do regime, não há nenhuma manobra, aliança e ferramenta institucional que possa fazer frente a tamanho perigo. Porém, para que a esquerda da ordem assuma de maneira consequente a organização da mobilização para derrotar categoricamente o golpismo será necessário uma grande campanha de exigência. Até quando Lula em vez de convocar a mobilização contra as ameaças golpistas de Bolsonaro seguirá escondido em gira de negociações com a direita (neo) liberal? Até quando a CUT em vez de organizar as categorias desde a base, dar visibilidade e coordenar as lutas pelo país sentará na mesa de negociações com o governo Bolsonaro? Até quando Boulos e a direção majoritária do PSOL irão manter a diferenciação zero, a cordialidade com a burocracia e a capitulação ao lulismo e não abrir imediatamente uma campanha de exigências para que Lula, o PT e a CUT convoquem e organizem massivamente as mobilizações para derrotar Bolsonaro?
Essa lógica do trenzinho social democrata, de capitulação em rede, coloca em risco não só os interesses imediatos dos trabalhadores e trabalhadoras, mas pode contribuir para um retrocesso imediato, podendo até significar uma derrota histórica, que será infinitamente mais difícil de reverter do que se agirmos imediatamente. Uma minoria organizada, armada – não estamos falando de 4% de apoio como no governo Temer, são quase 30% de fanáticos que apoiam o governo – é capaz de dispersar uma maioria diluída, desorganizada e anestesiada pela política desmobilizadora da burocracia, tornando-se classe política dirigente por determinado período.
Certamente não estamos dispostos a deixar que isso aconteça, mas realinhar a movimentação tática neste momento é vital para não ceder um centímetro sequer a mais ao inimigo. Por isso, neste momento, de ameaças e possibilidades, é possível derrotar Bolsonaro se superarmos os limites da mobilização impostos pela burocracia.
É preciso lutar pela mais ampla unidade de ação com todas as forças contra-reacionárias para construir atos nacionais no dia 7 que possam responder à altura, que possam constrangem as bases policiais e militares neo fascistas e passar um recado claro ao conjunto da sociedade: de que não negociamos nossos direitos democráticos e que levaremos adiante uma luta implacável, organizada e pelas bases contra o golpismo.
Para que possamos de fato mostrar a força do movimento pelas ruas, não há mais espaço para manifestações protocolares. É preciso apoiar a luta dos povos originários que cumpre papel central para este próximo período, estes que hoje acampam em Brasília para derrotar o marco temporal com possibilidades de ser julgado ainda esta semana pela Suprema Corte. É preciso, assim, de imediato unificar, dar visibilidade e coordenar a luta das categorias em movimento e fazer com que estejam associadas com a luta pelo Fora Bolsonaro.
Bem como, também é necessário exigir que a CUT e as demais centrais construam um calendário de lutas, greves e paralisações nacionais que possam criar condições para a realização de uma greve geral pelo Fora Bolsonaro. Precisam urgentemente convocar assembleias junto à base, pois sem a discussão política sobre os riscos e possibilidades da atual situação política não há adesão espontânea que logre qualquer tipo de êxito.
A Frente Fora, Bolsonaro deve construir Comitês de Luta organizados nacionalmente e desde a base e com todas as forças políticas, sindicais e movimentos democráticos possível. Essa é peça tática fundamental para que o dito possa suceder.
Além disso, precisamos fazer uma campanha sistemática de exigência para que Lula convoque a mobilização pelo impeachment. Os seus mais de 50% de intenção de votos perdem todo significado se Bolsonaro conseguir impor uma correlação de forças que o permita fechar o regime. Os choques políticos tendem a ser duros no próximo período e as mobilizações que já realizamos no último mês demonstram que temos total condições de passar a uma clara ofensiva, unificando, organizando e dirigindo nossas lutas e todas ações cotidianas contra o neofascismo.
As manifestações do 7 de setembro serão um importante termômetro da correlação de forças. Mas é um termômetro que precisa ser construído a nosso favor. Viemos de uma ofensiva nas ruas contra o governo e é fundamental mantê-la como passo tático e medida de forças favorável. Faremos neste próximo dia nacional de luta um grande grito dos explorados e oprimidos contra o neofacismo, por emprego, vacina, renda mínima, pelo Fora Bolsonaro e Mourão e por Eleições Gerais.
Derrotar o golpismo pelas ruas!
Fora Bolsonaro e Mourão!
Eleições gerais já!
- Já elaboramos previamente sobre a situação das mobilizações e o seu limite frente a política traidora e desmobilizadora da burocracia lulopetista que desarma a classe para o enfrentamento e não aposta em resgatar ferramentas capazes de organizar os trabalhadores e explorados para uma ofensiva. Ver em: https://esquerdaweb.com/um-balanco-do-24j/