ANTONIO SOLER
Em mais um episódio de ameaça direta ao regime com o objetivo de demonstrar o apoio das Forças Armadas ao governo e às suas ameaças golpistas e pressionar a Câmara dos Deputados para aprovar a PEC do voto impresso como artifício para questionar a legitimidade do processo eleitoral, governo, Ministério da Defesa e Comandantes das forças armadas realizaram um desfile militar até a Praça dos Três Poderes para “convidar” Bolsonaro para acompanhar manobras militares da Marinha em Formosa (MG). Estes exercícios militares são parte da agenda das forças armadas, a novidade midiática em questão é o espetáculo bizarro de teor abertamente golpista – performance constrangedora até para aliados do governo – que enseja essa movimentação de tropas.
Diante das pesquisas de intenção de voto, que colocam cenários de derrota eleitoral de Bolsonaro em 2022, a defesa do “voto impresso” passou a ser tema constante da retórica golpista do governo nos últimos meses. A retórica neofascista de Bolsonaro, sem demonstração/comprovação técnica alguma, consubstancia-se, nesse caso, em afirmar que as eleições pelas urnas eletrônicas são fraudadas.
Por mais delirante que possa parecer essa narrativa, que segue Bolsonaro desde sempre, tem-se um claro objetivo de questionamento permanente às instituições da democracia burguesa, particularmente à justiça e ao regime eleitoral do sufrágio a cada dois anos para tentar criar um clima favorável ao golpismo de extrema direita. Ou seja, como se diz, a “loucura” tem método e objetivo político. Para isso, ultimamente, a frente principal do golpismo nos últimos meses tem sido a de atacar sistematicamente ministros do STF e do TSE no sentido de que estes estão a serviço da eleição do candidato que aparece à frente nas pesquisas de intenção de voto (Lula) e ameaça não entregar o poder se perder através do voto em urnas eletrônicas.
Frente à recente escalada de tensionamento institucional, o STF vai um pouco além das notas de repúdio e resolve abrir inquérito para investigar governo em seus ataques ao sistema eleitoral envolvendo diretamente Bolsonaro, o que é respondido pelo governo na forma de escalada retórica até então de que pode deixar de agir “dentro das quatro linhas da Constituição”;
Mesmo ciente de que são poucas as chances de prosperar, o seu Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), como parte das concessões e negociatas com o governo, instaurou uma Comissão Especial para analisar esse projeto. Mas após ser rejeitado pela Comissão por ampla maioria na semana passada, por tamanho anacronismo que a base de sustentação do governo não consegue banca-la, Lira de forma irregular e irresponsável dá trela ao golpismo, sede ao governo para preservar as vantagens fisiológicas da coalizão com Bolsonaro e pauta o projeto do voto impresso no Plenário da Câmara para essa terça-feira.
Grosso modo, esse é o cenário em que se realizou hoje o inédito desfile militar em Brasília. Ou seja, mesmo Bolsonaro sabendo que as chances de prosperar o seu projeto são pequenas, pois requer ⅔ de apoio entre os parlamentares, não titubeou em passar a mensagem de que tem o apoio político dos militares para qualquer medida de força para se manter no poder: antes, durante ou após as eleições de outubro de 2022. Neste sentido, em que pese o isolamento internacional do governo, a queda de sua popularidade, a divisão da classe dominante – condições que podem mudar ou serem mediadas no próximo ano, criando dificuldades ainda maiores para a sucessão presidencial -, Bolsonaro aposta todas as fichas na criação de um ambiente político que possa ser favorável a máxima chantagem golpista e a medidas de fato contra os direitos democráticos dos trabalhadores e oprimidos para se manter no poder.
Pela razão exposta acima, não podemos tergiversar sobre a necessidade de massificar as lutas nas ruas para derrubar esse governo já, pois, como todos sabem, as barreiras ao golpismo não podem ser contadas nas grades de proteção da institucionalidade burguesa e nem frações da classe dominante para qual Bolsonaro continua funcional. Assim, a principal tarefa colocada para a classe trabalhadora e para a esquerda socialista é a de criar as condições para que o calendário de lutas que temos pela frente – atos, dias de luta e de paralisação que envolvem temas específicos, tais dia dos estudantes, luta contra a reforma administrativa e privatização dos Correios – sejam tomados também como dias de luta de todos os trabalhadores para derrotar Bolsonaro.
Todas as táticas – sem exceção – devem ser utilizadas para mobilizar
Apesar da queda de sua popularidade, não se pode desprezar a capacidade de mobilização de Bolsonaro demonstrada várias vezes. Está claro que para pressionar os outros poderes e o movimento social de oposição ele coloca como escudo as Forças Armadas como um todo, não só o setor, mesmo que minoritário, que o apoiaria em tentativas de implantação de uma ditadura, com o objetivo de inflar suas forças. No entanto, não podemos minimizar os riscos que esse bloco de poder apresenta, não apenas ao regime como um todo, mas principalmente aos direitos democráticos dos trabalhadores e oprimidos. Nesse aspecto, a nossa posição tática não pode se basear na ideia de que vivemos um momento conturbado que será superado nas eleições, porque momentos de enfrentamento mais direto podem ocorrer antes das eleições, Bolsonaro pode não querer entregar o poder e, por último, no pós eleições o bolsonarismo continuará como força política se não for derrotado categoricamente nas ruas.
A máxima unidade para derrotar Bolsonaro não pode se confundir com a diferenciação zero levada pela maioria da direção do PSOL frente a estratégia lulopetista de esperar até 2022 para derrotar Bolsonaro nas urnas através de uma aliança com setores da classe dominante. Se essa seria uma traição frente a governos burgueses comuns, o que dizer dessa estratégia diante de um governo de ultradireita golpista? Da mesma forma que a unidade de ação, as frentes para lutar contra Bolsonaro são instrumentos que devem servir para organizar pela base e mobilizar as massas – nunca como fóruns auxiliares à política de conciliação de classes do petismo e de seus satélites, como foi o caso de suspender por mais de 1 mês os atos do Fora Bolsonaro -, de forma cada vez mais direta e independente.
Nenhuma ameaça golpista pode fazer com que a esquerda socialista perca a sua independência política frente à burocracia que dirige a maior parte do movimento, mesmo porque sem essa independência, sem a combinação específica e concreta entre exigências e denúncias, não se pode contribuir para o processo de mobilização e luta – que é o objetivo último das táticas sobre as quais estamos falando – e as táticas de unidade de ação e de frente para lutar acabam se tornando meras formalidades que prendem a esquerda socialista nas tramas burocráticas. Nesse sentido, não podemos em momento nenhum, em nome da unidade de ação ou da frente única para lutar, táticas que servem para organizar e mobilizar as massas – o que é fundamental para derrotar as ameaças golpistas que irão se tornar cada vez mais sérias – deixar de fazer uma campanha de exigências para que Lula, o PT e a CUT convoquem e organizam as massas para as lutar de forma democrática e direta. E quando não o fizerem, elaborar denúncias políticas que sejam compreendidas pelos mesmos setores de massas de forma que essas pressionem suas direções e passem, também, a lutar de forma cada vez mais independente.