Após as eleições o tema mais candente é o processo de imunização contra a Covid-19. Tema esse que não poderia deixar de ser atravessado pelo negacionismo genocida de Bolsonaro e pela necessidade de unificar a luta nas ruas para garantir um processo de vacinação que atenda imediatamente o conjunto da população.
ANTONIO SOLER
O governo Bolsonaro desde o início da pandemia enfrenta o problema a partir do negacionismo de extrema direita: minimizou os efeitos mortais da doença; condenou o fechamento do comércio; foi contra o relaxamento das metas fiscais e contra a ajuda financeira emergencial; desorganizou o Ministério da Saúde; estimulou aglomerações e incentivou o uso de um medicamento comprovadamente ineficaz e com graves efeitos colaterais.
Diante dos avanços em relação à disponibilidade de imunizantes, oriundos de pesquisas mundiais e locais, o governo já não poderia mais se negar a tomar medidas em relação à imunização. No entanto, suas iniciativas são totalmente contaminadas pela sua lógica negacionista.
Em sua cruzada ideológica descartou a vacina desenvolvida pela Sinovac (empresa chinesa) e pelo Instituto Butantã, a Coronavac – “a vacina chinesa de Dória”, segundo Bolsonaro – e a estabelecer acordos comerciais mais amplos com outras farmacêuticas.
Inclinou-se, assim, unicamente para adquirir a vacina da AstraZeneca e da Universidade de Oxford. Uma vez que as vacinas escolhidas pelo governo tiveram problemas na fase de testagem em massa, o início do programa nacional de vacinação, que poderia ocorrer ainda em dezembro, acabou sendo atrasado.
Depois de muita pressão em resposta à absurda abordagem do governo em relação à vacinação, que até virou tema internacional, na quarta-feira (16/12), após o Ministério da Saúde ter ido e vindo em suas declarações, cada hora falando diferentes datas para o início da vacinação, apresentou um “plano” de imunização totalmente insuficiente diante da segunda onda de contágio e mortes pela pandemia.[1]
O negacionismo de extrema direita continuará a fazer vítimas?
O negacionismo bolsonarista consegue ser ainda mais destrutivo do que o de outros líderes negacionistas pelo mundo. Mesmo tendo à sua frente governos negacionistas, como Boris Johnson e Donald Trump, na semana passada a imunização já começou no Reino Unido e no início dessa semana nos EUA.
O atraso em relação a esses países – no Brasil a imunização só se iniciaria em fevereiro – não se deve apenas às obvias diferenças sociais, econômicas e tecnológicas e, também, não tem como causa principal qualquer suposta incapacidade do Sistema Único de Saúde (SUS), reconhecidamente um dos sistemas públicos mais eficientes do mundo, apesar do seu subfinanciamento histórico.
Assim, nesse momento, em que já existem vários imunizantes à disposição – inclusive um deles em colaboração com o instituto Butantã – com eficácia e segurança comprovadas e que já estão sendo aplicados em alguns países, o negacionismo criminoso é o responsável pelo atraso e lentidão no processo de imunização da população em solo nacional.
Bolsonaro e a maquinaria negacionista do seu governo, apoiado em sua base reacionária que atua fortemente nas redes sociais, além de colocar em questão a segurança sobre todo o processo de imunização, quer agora desestimular a vacinação através da exigência da assinatura de um termo de responsabilidade antes de receber a vacina.
Como resultado dessas políticas, segundo pesquisas do Datafolha do mês de agosto a dezembro, caiu de 89% para 73% a parcela dos brasileiros dispostos a vacinar-se.
A verdade incontornável é que o negacionismo genocida de Bolsonaro, que sequer toma providencias para comprar agulhas e seringas, fez atrasar a produção, compra e certificação das várias vacinas já disponíveis, o que torna Bolsonaro mais uma vez responsável direto por milhares de mortes que poderiam ser evitadas.
Pandemia, desmobilização e aprovação de Bolsonaro
Chama a atenção o fato de que, apesar de existirem claras relações entre parte significativa das mortes pelo novo coronavírus e as políticas do governo federal[2], segundo o DataFolha, a maior parte (52%) da população não atribui nenhuma responsabilidade a Bolsonaro pelas vítimas fatais da Covid-19.
Esse dado da percepção popular sobre a responsabilidade de Bolsonaro pelas mortes decorrentes da Covid-19 explica em parte o porquê a aprovação do presidente voltou aos patamares de agosto desse ano (37%)[3].
Parece um contrassenso total o fato de Bolsonaro, apesar de derrotado nas eleições de outubro, ter recuperado a popularidade do mês de agosto. Poderíamos explicar esse fenômeno devido a – ainda – manutenção da ajuda emergencial, carência de informações, inclusive sobre o papel do governo federal no combate às pandemias, ausência de debate público através das grandes mídias e das mídias locais, predomínio do bolsonarismo nas redes sociais e etc.
Mas, a combinação entre a situação material da ampla maioria dos trabalhadores, que são totalmente impedidos de manter o distanciamento social em suas casas, transporte e trabalho, com a ausência de uma oposição de fato ao governo, nos parece se o fator principalmente para a recuperação da popularidade do governo.
Queremos esclarecer que chamamos de oposição real não apenas a luta parlamentar, jurídica, ou retórica contra o governo, mas principalmente a luta direta para enfrentar toda a sua linha neofascista, que tem o negacionismo como parte dela.
Em que pese a pandemia, foi a desmobilização da luta nas ruas, que poderia ter sido mantinha com os devidos cuidados sanitários, o principal fator que permitiu o governo manter os atuais níveis de popularidade, bem como suas políticas negacionistas e os demais ataques ao movimento de massas – ataques só possíveis dentro de uma correlação de forças desfavorável para os trabalhadores e oprimidos.[4]
O que está por traz da política de Bolsonaro
Acreditamos que não podemos ter uma chave economicista ou politicista, vistas em algumas análises da esquerda, para explicar a base da linha negacionista de Bolsonaro e seu impacto mortal sobre milhares de vidas.
Pensamos que a linha do governo responde a três ordens de problemas: econômico, ideológico e político. Por um lado, a naturalização darwinista social das mortes pela Covid-19, que é correlata ao negacionismo de ultradireita, está a serviço dos lucros, não interessa se custará vidas ou não[5]. Não é por acaso que setores da classe média e da pequena-burguesia, sempre tão fundamentais para transferir para as massas toda a porcaria ideológica, continuam a apoiar o governo, bem como o darwinismo social, fundamental para manter seus ganhos imediatos.
Por outro lado, a preservação da ideologia negacionista bolsonarista requer que não se imponha saídas cientificas como categoricamente vencedoras, ou seja, o discurso bolsonarista se alimenta também da morte. Assim, qualquer ação do governo que tenda a imunização rápida do conjunto da população, além de aumentar o investimento em saúde pública, o que é contrário aos interesses rentistas, terá impacto direto sobre o discurso negacionista e sobre a viabilidade eleitoral de Bolsonaro em 2021.
E, por último, a pandemia ao dificultar (não impedir, como querem fazer crer muitas organizações de esquerda) a mobilização nas ruas contra o governo e seus ataques[6], acaba sendo também fator importante para a manutenção do reacionarismo que está à frente do poder central e nos demais poderes. Porém, nada está pré-determinado na luta antes do enfrentamento entre as classes. Vimos como as mobilizações do meio do ano, promovidas inicialmente pelas torcidas organizadas, foram importantes para fazer o governo recuar de sua sanha golpista.
Obviamente que Bolsonaro não pratica o seu negacionismo a partir de um plano perfeitamente arquitetado por um governo de gorilas. Mas, esse é um governo que foi eleito pela classe dominante com o objetivo de derrotar a classe trabalhadora em todas as frentes necessárias, ou seja, política, econômica e social. É esse objetivo geral que dá sentido à sua estratégia, particularmente em relação ao tratamento da pandemia, e faz com que tenha ainda o apoio de importantes setores da classe dominante apesar de todas as sandices.
Por um plano universal de vacinação que atenda a todos já
Contraditoriamente a todos os interesses das massas, esse é um governo que se alimenta da pandemia, ou seja, um genocida que precisa ser colocada imediatamente para fora do governo. Assim, da mesma forma do que em outros enfrentamentos, não se pode combater a pandemia de forma eficiente sem simultaneamente lutar para derrotar politicamente Bolsonaro e expulsá-lo do poder.
A tarefa imediata que temos é lutar para que seja colocado na ordem do dia um plano de vacinação universal que atenda ao conjunto da população da maneira mais célere possível. Não podemos aceitar que a vacinação comece somente em fevereiro e se estenda para todo o ano, tempo que significará milhares de mortes evitáveis.
É preciso que haja aporte estatal emergencial necessários para uma campanha de vacinação que imunize o conjunto da população até o final do primeiro trimestre do ano. A indústria nacional compatível deve ser revertida imediatamente para contribuir com o fornecimento de vacinas, equipamentos e insumos necessários. Além disso, as patentes das vacinas devem ser quebradas se necessário para que todos tenham acesso, dentro e fora do país.
Para que se concretize esse plano é necessário um processo de mobilização nacional que mude a atual correlação de forças. Ou seja, sem derrotar Bolsonaro não podemos enfrentar a segunda onda da pandemia com um plano eficiente de imunização.
Mobilização essa que não passa pelas articulações de superestrutura para compor frentes eleitorais oportunistas para as próximas eleições ou se integrando ao bloco de Rodrigo Maia na disputa da Presidência da Câmara dos Deputados – táticas que apenas servem para desmobilizar. Apenas a máxima unidade na luta nas ruas pode garantir a vacinação universal já para todos/as.
Vacinação para todos já
Reconversão da indústria nacional
Suspensão do pagamento da dívida
Fora Bolsonaro e Mourão
[1] Neste estão listadas 7 vacinas – incluindo a Coronavac, tão criticada pelo governo – que poderiam ser utilizadas a partir do mês de fevereiro para o início da campanha de vacinação, que só teria cobertura total da população no final de 2021.
[2] A pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e a Universidade de Cambridge comprova redução do distanciamento social em municípios com alta votação em Bolsonaro após discurso seu contra políticas de isolamento; a da USP que estados em que Bolsonaro teve alta votação foram os primeiros a relaxar a quarentena e que municípios médios e grandes de São Paulo com maior votação em Bolsonaro cumpriram menos o distanciamento social e o da UFRJ identificou maiores taxas de contaminação e de mortalidade nos municípios em que Bolsonaro foi mais votado.
[3] Essa é a menor taxa histórica para um presidente em primeiro mandato, mas é uma taxa alta diante da tamanha destruição causada por esse governo. Na última pesquisa aparecia com 32% de aprovação.
[4] A desmobilização também foi fator decisivo para que a oposição burguesa saísse fortalecida do processo eleitoral sendo na verdade a maior vencedora dessa e o PT e Bolsonaro os maiores perdedores do processo eleitoral.
[5] Como correlato do negacionismo, na realidade política nacional como ideologia que transfere para a sociedade a lógica da seleção natural, ou seja, os indivíduos que não conseguem se adaptar não podem sobreviver. O que em termos da pandemia, são perdedores e, portanto, diante da Covid-19, que morram.
[6] Interessa ao governo aprovar a reforma administrativa.