Sobre a reunião do diretório nacional do PSOL

Gabriel Mendes

No último sábado (8/8), o Diretório Nacional (DN) do PSOL se reuniu para discutir e deliberar medidas para o próximo período, as organizações que constroem o partido apresentaram suas análises de conjuntura e propostas de resolução para o debate interno.

A tendência Socialismo ou Barbárie interviu nessa reunião e procurou contribuir com uma análise da situação política partindo da consolidação da situação reacionária que tem como base uma crise econômica persistente, pela unidade burguesa entorno das políticas neoliberais, a guerra econômica contra as massas trabalhadoras junto ao papel jogado pelas direções burocráticas, que recuam e desmobilizam ante cada processo de luta iniciado pela classe trabalhadora.

A reunião ocorreu no dia em que a tragédia anunciada da pandemia de Covid-19 no Brasil atingiu a terrível marca de 100 mil mortes, passando de 3 milhões de infectados. O presidente da República, ao lado do general que ocupa o cargo de ministro interino da saúde há quase 90 dias afirmou lamentar todas as mortes, “mas vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”, uma versão atualizada da frase “E daí? Lamento, quer que eu faça o que?”, proferida em abril.

Há vários meses a disseminação do vírus vai muito além dos círculos de convivência da patronal, setores da sociedade que sustentam seu nível de vida graças à superexploração do trabalho – fundamentalmente o trabalho precário e sem direitos – junto ao fantasma do desemprego que ronda milhões de trabalhadores e trabalhadoras. É importante ressaltar que de acordo com a versão mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, o desemprego atinge 13,3% da força de trabalho e só não é maior porque batalhões inteiros saem da estatística oficial conforme tem havido uma contínua escalada do número de desocupados e desalentados, colocando em perspectiva um cenário onde a taxa de desemprego ultrapassa os 20%.

Tais números apontam que há uma piora generalizada nas condições de vida dos de baixo  e se isso preocupa os gestores do governo genocida de Bolsonaro é apenas no sentido de quanto isso irá influenciar no tombo econômico e os desdobramentos da economia pandemizada numa perspectiva de crise mundial prolongada, o que coloca no nível emergencial o reforço das políticas públicas de auxílio, essas que, além de estarem muito abaixo do que é necessário para uma vida digna não apontam alternativa ao flagelo do desemprego estrutural.

Estamos diante de um cenário onde a coesão da burguesia se dá não apenas pelo avanço da agenda ultraliberal no Congresso, mas também por terem sido resolvidas, ao menos temporariamente, as diferenças sobre como administrar a pandemia. Hoje prefeitos, governadores e o presidente implementam medidas de reabertura de comércios e flexibilização de quarentenas que, aliás, desde o início foram muito abaixo do necessário para conter o avanço do vírus.

As teorias que são reforçadas pelo negacionismo, como a hipótese de que a contaminação de parcela da população geraria imunização de rebanho compõem a política genocida que aponta para as massas trabalhadoras o abatedouro. As bravatas de Bolsonaro entorno de um remédio ineficaz produzido em laboratórios do exército tenta esconder a verdade de que hoje não há remédio capaz de enfrentar o vírus e nem perspectiva de vacina eficaz num curto prazo.

Diante disso, a alternativa colocada pela esquerda da ordem (PT e PCdoB), acompanhada de maneira mais ou menos envergonhada por setores do PSOL, passa por observar a conjuntura, travar lutas pontuais contra os ataques que vêm em várias frentes e colocar como horizonte estratégico “um plano emergencial que leve em conta o papel fundamental do Estado como garantidor dos direitos sociais”¹, deixando de dizer que para garantir que um plano desse tipo se concretize sem dúvida é necessário travar um combate antissistêmico após décadas de neoliberalismo colocado em prática por governos de diferentes matizes e que hoje está sob o comando do neofascista Jair Bolsonaro.

Se a consigna Fora Bolsonaro segue sem tomar contorno delimitado e não avançou (seja no congresso pelo impeachment ou pela cassação da chapa julgada pelo TSE) é porque nos últimos meses vêm sendo colocada relativa estabilidade ao governo, não apenas através do acordo entorno da agenda ultraliberal – aplicada pelo congresso nacional e nos estados com apoio dos governadores de partidos “progressistas -, mas fundamentalmente pelo papel jogado pelas principais direções, como PT/CUT e PCdoB/CTB que atuam de acordo com o calendário eleitoral e aguardam 2022 para derrotar Bolsonaro, compreendendo as eleições municipais desse ano como etapa intermediária para uma reorganização a partir da institucionalidade.

Acerta a resolução de conjuntura aprovada pelo DN quando afirma: “Naturalizar os mais de 100mil mortos  e  dezenas de milhões de contaminados e novas mortes que virão resumindo-se na reabertura da economia, dos negócios e do jogo político, que se limita a pedir para aguardarmos 2022, é cumplicidade com o genocídio e assim serão julgados também pela história”.

Sem dúvida são agentes do genocídio o presidente, governadores e prefeitos que hoje implementam as medidas de reabertura, mas são cúmplices as organizações que dizem lutar pelos trabalhadores e que aguardam mais dois anos e alguns meses para tentar derrotar Bolsonaro.

Assinamos e defendemos na reunião do DN a resolução apresentada pelo Bloco da Esquerda Radical-PSOL, que se formou para disputar os rumos do partido e aglutinar organizações e militantes independentes que lutam pela superação da velha estratégia de conciliação de classes levada adiante pelo lulopetismo e que teve papel crucial para cimentar a situação reacionária que estamos vivendo.

Combatemos no interior do PSOL todas as iniciativas que busquem desviar a luta direta, as mobilizações pela base e a luta pela derrubada desse governo para o terreno eleitoral e denunciamos insistentemente os setores que operam tais iniciativas, ao mesmo tempo que defendemos a mais ampla unidade na ação, convocando para a luta nas ruas todos setores que defendem os direitos democráticos e lutem contra a retirada de direitos e a destruição das políticas sociais.

Isso é muito diferente de defender uma “Frente Ampla” para as eleições. Entendemos que a construção de frentes eleitorais deve pressupor alto grau de acordo político programático, o que não é possível com partidos que praticaram o ajuste fiscal e negociaram pela cúpula os direitos das e dos trabalhadores fazendo alianças com o “centrão” que hoje caminha com o bolsonarismo.

Propomos para o processo eleitoral desse ano que nosso partido intervenha com candidaturas próprias no maior número de municípios possível, tanto para as prefeituras com para os parlamentos municipais, aproveitando as eleições para debater os problemas que tocam os trabalhadores, a juventude, as mulheres, a população negra e LGBT e formular programa anticapitalista.

Na possibilidade de coligações entre partidos nos colocamos na defesa de uma Frente Classista e Anticapitalista com partidos como PCB, PSTU e UP e centrais sindicais classistas e combativas como a CSP-Conlutas e Intersindical.

Nesse sentido, sabemos muito bem que o Brasil é um país continental com realidades regionais e locais bastante distintas e entendemos a necessidade urgente de derrotar o bolsonarismo e todos os seus aliados, isso reforça a necessidade de construção de um pólo político da esquerda socialista e não o contrário.

Discordamos portanto dos companheiros do Movimento Esquerda Socialista (MES) que estiveram presentes nessa reunião defendendo uma resolução que tentou justificar a partir da complexidade política-territorial nacional sua política frentepopulista de “flexibilidade” em relação a alianças com partidos de caráter social-liberal, política exemplificada pela tentativa (mal-sucedida) de formar uma frente ampla com PT e PCdoB em Porto Alegre/RS e pela proposta feita pelos dirigentes do MES no Rio de Janeiro para que o PSOL carioca buscasse ampliar o arco de alianças do partido na cidade para incorporar PDT, Rede e PV na coligação, proposta que foi rejeitada pelo diretório municipal.

Por sua vez, o campo majoritário do PSOL, organizado atualmente entorno do bloco “Aliança”, trouxe mais uma vez uma linha política que propõe saídas frentepopulistas na política de alianças. Esse setor fez um giro político – acentuado conforme a vitória do neofascista Bolsonaro nas eleições de 2018 tomava forma – que se expressa na completa ausência de denúncias ou quaisquer críticas ao lulopetismo e seus aliados mais próximos. Esse bloco busca avançar em um revisionismo histórico que, é necessário destacar, vêm sendo defendido por organizações que no passado foram oposições contundentes aos governos reformistas sem reformas de Lula e Dilma. 

Sobre esse tema já travamos polêmicas com os companheiros e companheiras de outras organizações psolistas, para a corrente Socialismo ou Barbárie está em curso uma perspectiva refundacional que coloca abaixo a necessidade de construir o PSOL independente das direções burocráticas e pela superação delas. Deixamos aqui como recomendação o texto escrito por José Roberto Silvapublicado no portal EsquerdaWeb: O PSOL pode e deve se construir como alternativa histórica ao lulismo (https://esquerdaweb.com/o-psol-pode-e-deve-se-construir-como-alternativa-historica-ao-lulismo/).

Cabe ressaltar aqui que para esquerda da ordem lulopetista, que governou por quatorze anos sustentada por alianças burguesas com partidos como o Partido Liberal (PL), o (P) MDB, Partido Progressista (PP), PSD e outros tantos, é improvável conceber uma ruptura com tal lógica.

Apesar dos acenos no sentido da formação de uma “Frente Ampla” composta por partidos “progressistas”, a tática eleitoral do lulopetismo parece caminhar no sentido de reestabelecer alianças junto a setores da direita que compuseram governos anteriormente, já temos alguns exemplos que reforçam essa perspectiva e numa série de capitais e municípios se mostra cada dia mais improvável a frente ampla como propõem setores dirigentes do PSOL.

Independentemente das movimentações entre esses setores de esquerda que nada apontam para o avanço dos interesses dos de baixo e da luta pelo socialismo, reforçamos a necessidade da construção partidária diante da catástrofe e a barbárie capitalista que repercute sobre todas as dimensões da vida e se aprofunda numa crise econômica persistente, social, sanitária e ambiental.

Fazemos um chamado a todas as filiadas e filiados do PSOL e afirmamos que é necessário construir um partido de luta, radical, pela base e pela superação do lulopetismo. Chamamos para construir o Bloco da Esquerda Radical do PSOL².

¹Resolução política aprovada na reunião do diretório nacional do PSOL https://psol50.org.br/salvar-vidas-e-reconstruir-o-brasil-fora-bolsonaro-2/

² Página do Bloco no Facebook

www.facebook.com/blocodaesquerdaradicalpsol

Leia o manifesto do Bloco da Esquerda Radical, contrução coletiva assinada por organizações, militantes independentes e figuras públicas do PSOL. https://medium.com/@bloco.esquerdaradical/por-um-psol-de-luta-radical-e-pela-base-3f2a398f81a7