Por Gabriel Mendes
Os panelaços mais intensos desde que começaram acompanharam o discurso de Bolsonaro desta terça-feira (31). As mobilizações que ocorrem diariamente nas principais cidades demonstram uma insatisfação crescente que, inicialmente, expressou-se em bairros de classe média – muitos que inclusive votaram majoritariamente “contra a esquerda” e em Bolsonaro nas eleições de 2018 -, mas avançam para as cidades metropolitanas e bairros populares, com protestos na Rocinha e no Vidigal (Rio de Janeiro), São Mateus e Guaianazes (São Paulo) e em bairros de cidades como Santo André e São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Marcado por recuos, o discurso mudou do apresentado na semana anterior. O tom do descaso negacionista perante a pandemia baixou justamente no dia em que 1,138 novos casos foram confirmados e 42 novas mortes acrescentadas em 24 horas, esse foi o maior crescimento diário do Covid-19 até agora. Bolsonaro se limitou a não falar contra a quarentena e não chamar a doença de “gripezinha” como fez antes, o que mostra que não fez um giro categórico de posição. Na verdade, podemos dizer que, com o recuo de Trump no sentido da defesa das recomendações das organizações de saúde, hoje é Bolsonaro que lidera o negacionismo internacionalmente.
Outro recuo marcante se deu na fala “conciliatória” aos governadores, prefeitos, parlamento e judiciário, reflexo do crescente isolamento político resultado de sua política genocida e dos desdobramentos da pandemia e crise econômica. Fissuras avançam publicamente, no interior do governo se dá um esboço de linha alternativa com Guedes, Mourão, Moro e o ministro da saúde Mandetta, de quem Bolsonaro teria dito que está “de saco cheio” e chegou a mostrar intenção em demiti-lo do cargo.
Também crescem frações públicas entre setores da burguesia, partes dos patrões já decidiram que a vida e a saúde dos trabalhadores valem menos que o lucro, aqueles que apoiam o slogan “o Brasil não pode parar”, até aqui estão junto com o presidente, outra tem uma posição mais comedida e apoiam a quarentena, desde que o governo garanta suas taxas de lucro em detrimento do investimento no que realmente importa: investimento pesado contra a pandemia.
Há em curso uma dinâmica de polarização política marcada por fissuras no interior da classe dominante, divisões explícitas no interior do governo e deslocamento de setores médios para a oposição ao governo que não devemos subestimar, pois são fatores que colocam um cenário explosivo com a pandemia do coronavírus que se combina com elementos e contradições anteriores a atual realidade.
Não é de se estranhar que diferentes iniciativas pelo “Fora Bolsonaro” surjam e muitas delas não partam de parlamentares ou militantes de esquerda, vêm de ex-aliados como a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL/SP) que defendeu a renúncia do presidente ou do deputado federal Alexandre Frota (PSDB), autor de um dos pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados.
É certo que tais medidas por si só não irão de fato derrubar Bolsonaro, porque não basta uma ampla fundamentação jurídica entorno dos “crimes de responsabilidade” cometidos por ele. Além disso, essas medidas não dependem tanto dos freios colocados pelo Congresso Nacional e pela figura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (que tem o poder de aceitar/segurar os pedidos de impeachment), mas da dinâmica da luta de classes e dos enfrentamentos mais duros que virão entre classe dominante, suas frações e a classe trabalhadora organizada.
São abertas possibilidades para protagonismo da classe trabalhadora que tem se manifestado ainda que de forma diluída das janelas, sacadas e lajes na defesa do emprego, dos salários, contra o negacionismo genocida e pelo direito ao isolamento. Junto a isso, apontam um caminho pela mobilização nos locais de trabalho os operários da Caoa Chery, em São José dos Campos, e os trabalhadores das gigantes empresas de telemarketing que deflagram protestos e paralisações diante da falta generalizada de condições de trabalho e pelo direito à quarentena que falta aos precários e trabalhadores informais.
Esquerda entre esperar eleições e defender Fora Bolsonaro
Está escancarada mais do que nunca a necessidade de uma alternativa política pela esquerda independente da lentidão, freio e manobras diversionistas para que a classe não entre em cena costumeiras dos aparatos sindicais e partidários. O PT, apesar de assinar um documento junto a outros partidos de oposição pedindo a renúncia de Bolsonaro, defende que aguardemos as eleições e sua principal liderança, Lula, declara em suas redes sociais que espera de Bolsonaro “a estatura de um presidente da República eleito democraticamente”. Posição que além de camuflar o conteúdo de classe da política deste governo – que defende com todas as letras a política do deixar morrer, o lucro dos empresários acima das vidas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras -, leva a uma mortal apatia diante deste governo e sua politica genocida.
Os setores que negam-se ou tardam a defender a consigna “Fora Bolsonaro”, independente dos desdobramentos táticos que ela toma, seja pelo impeachment, renúncia, cassação de chapa, etc., não apresentam nenhuma alternativa além do eleitoralismo e do possibilismo, ou seja, atuam somente nos limites da institucionalidade burguesa. Portanto, seguem defendendo consignas como “Ditadura nunca mais”, “Quem tem fome não pode esperar”, mantendo-se na política de desgastar o governo e procuram desassociar o combate por medidas emergenciais para combater o coronavírus da necessidade de derrotar categoricamente Bolsonaro e por abaixo seu governo.
Ao mesmo tempo temos a adesão de setores que pressionados desde suas bases por saídas para além do eleitoralismo avançam nas consignas (tarefas necessáiras), mas seguem apostando na institucionalidade e tirando conclusões que rejeitam saídas independentes dos explorados e oprimido. Nesse sentido, temos a posição da ala majoritária do PSOL que segue aguardando o lulopetismo romper o imobilismo e não apresenta nenhuma exigência ou denúncia a sua política traidora de conciliação de classes.
Diante ao avanço da pandemia e após o discurso anterior estarrecedor feito por Bolsonaro no dia 24/03, a Executiva Nacional do PSOL aprovou uma resolução que apontava: “Bolsonaro não pode mais ser presidente. Ele é hoje o principal e mais forte obstáculo para o país combater a ameaça da pandemia”¹. Não discordamos desse parágrafo nem em vírgula, o texto continua: “As muitas irregularidades cometidas por Bolsonaro colocam diversas possibilidades de afastamento: cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, com chamado à novas eleições, o impeachment via Congresso Nacional ou a pressão por sua renúncia”. Também não vemos aqui como discordar desse parágrafo nem em vírgula, afinal não haverá um instrumento específico dentro institucionalidade burguesa que iremos eleger como “nosso” e passar a rejeitar os demais, não existem métodos alternativos nessa questão, nada substitui as greves, piquetes, agitações e mobilizações nos locais de trabalho, estudo e moradia, ou seja, a luta direta.
Qualquer tática para derrotar Bolsonaro e por abaixo seu governo deve apontar para a luta direta dos de baixo, mesmo que diante de uma conjuntura inédita, na qual o isolamento social nos coloca limitações importantes. Porém, isso não significa traçaremos o sinal de igual entre as táticas que podemos adotar.
Sabemos, é claro, que o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é um partido plural e sua direção é composta por diversas tendências/frações com diferenças políticas que muitas vezes impossibilitam resoluções em comum – afinal intervimos disputando programaticamente e atuamos em suas instâncias. Assim, podemos reforçar o que já apontamos em notas anteriores, rondam o PSOL diferentes espectros: o do oportunismo, o derrotismo e o cupulismo².
Foi em especial o último desses que predominou no pedido de impeachment apresentado por alguns deputados do partido ligados ao Movimento Esquerda Socialista (MES), que diante do imobilismo que hoje predomina na direção majoritária partido operaram pelos mandatos e por conversas entre dirigentes o manifesto Tirar Bolsonaro para salvar o país³.
Como dissemos anteriormente, essa foi uma tática feita nas alturas, afastada das bases, um exemplo didático de como é construída a política do partido. Os companheiros do MES demonstraram um “senso de oportunidade” que ganhou muitos apoiadores e chacoalhou a sonolenta direção do PSOL, mas fizeram isso por cima, sem discutir amplamente com a base para “sair na frente”.
A direção do partido em seguida se expôs publicamente com uma nota desastrosa assinada pela Executiva Nacional. Por meio dessa nota, o campo majoritário “Aliança” decidiu atacar publicamente os deputados e organizações que apresentaram o pedido de impeachment, chegando a afirmar “não reconhecemos, em nome do PSOL, esta medida unilateral”[4]. Escancararam aí sua hesitação e adaptação política, e na prática esses setores defendem que aguardemos o PT e seus satélites políticos se posicionarem para tomar medidas e apresentar uma saída política para a atual situação.
Em meio à pressão pela necessidade de se posicionar diante dos fatos, a defesa da renúncia de Bolsonaro ganhou uma forma muito aquém da necessidade e dinâmica da luta de classes. Após reunião de partidos de oposição foi publicado um manifesto assinado por presidentes de partidos como PSOL, PDT, PT, PCdoB, PSB, PCB e de figuras públicas como Guilherme Boulos e Fernando Haddad que defendia a renúncia de Bolsonaro. Sobre tal medida passiva da oposição – que pede a um governo com claras intenções bonapartistas e cercado de um núcleo duro composto por elementos neofascistas e militância orgânica que não tem intenção alguma de retroceder em suas posições – pesa a ausência de uma perspectiva estratégica e dá lugar mais uma vez ao possibilismo e o etapismo baseado em cálculos parlamentares alijados da dinâmica real da consciência e da luta das massas.
É por isso que: Entre as possíveis saídas para derrubar Bolsonaro, a renúncia é a saída que aponta para a passividade, falta de luta direta e subestima as características de um governo que, mesmo na defensiva, tem sido capaz de operar ataques duros ao conjunto dos explorados. Um exemplo recente disso se deu pouco tempo após os recuos táticos no discurso desta terça-feira (31), Bolsonaro lançou a MP(937) de redução de salários, um presente para os grandes empresários!
Não há saída para combater avanço da pandemia, que tem tudo para se tornar um desastre sem proporções anteriores, sem por abaixo esse governo negacionista e genocida. Estamos vivendo uma conjuntura ainda mais dramática e mais perigosa em que a inclinação da balança a favor da classe trabalhadora depende diretamente da ação política das massas. Assim, o instrumento tático do impeachment pode cumprir um papel importante nesse momento e aglutinar um pólo político combativo, desmascarando e sacudindo o imobilismo das direções que estão completamente aquém das necessidades e aguardam os acontecimentos num clima de normalidade econômica-política-jurídica, mas só se for assumido pela luta direta e suas manifestações práticas.
Portanto o pólo político que apoia o pedido de impeachment assinado por parlamentares do PSOL, militantes, intelectuais e artistas pode cumprir um papel importante para derrubar Bolsonaro e Mourão, desde que combine instrumentos táticos com mobilização e luta direta, fortalecendo a organização dos panelaços, do apoio aos profissionais da saúde, a luta pelo direito ao isolamento sem perda de salários, empregos, direitos e condições de trabalho que garantam prevenção aos setores essenciais que mantém suas atividades.
Por um plano emergencial anticapitalista!
Impeachment ja!
Unificar as luta rumo a greve geral!
Fora Bolsonaro e Murão!
Eleições Gerais!
¹https://psol50.org.br/psol-aponta-saidas-para-luta-pelo-forabolsonaro/
³https://movimentorevista.com.br/2020/03/tirar-bolsonaro-para-salvar-o-pais/
4 https://psol50.org.br/nota-do-psol-impeachment-bolsonaro/