Publicamos abaixo o décimo primeiro artigo da SÉRIE PARTIDO. O trabalho com o jornal, de Roberto Sáenz, em primeiro lugar, traz à tona a concepção forjada por Lênin sobre o papel que deve assumir o jornal em uma organização revolucionária. Para Lênin, a consciência revolucionária não pode ser formada dentro da luta econômica, mas também não vem mecanicamente de fora da classe. É necessário elevar as reivindicações ao status politico e lutar por elas, só assim as massas avançam às posições políticas revolucionárias. Nesse percurso, a consciência de classe não se forma espontaneamente, é necessário o diálogo com as organizações revolucionárias, e a polêmica entre elas é conatural à luta de classes. Por isso, o partido, para contribuir com esse processo de politização da luta e se construir, precisa estar centralizado do ponto de vista político e organizativo. Daí a necessidade de um jornal que unifique os núcleos revolucionários nacionalmente. Na concepção de organização leninista, o jornal tem um papel fundamental, sem ele não se pode divulgar de forma centralizada a politica da organização, não se pode, a partir desse trabalho, estabelecer um processo de escuta da classe e reorientar a politica quando necessário, não se pode captar novos membros de maneira politizada e, também, não se pode formar politicamente seus militantes. Depois de Lênin tivemos uma série de revoluções nos meios de comunicação, nenhuma organização pode se descuidar da internet e das redes sociais se quer crescer, porém a estrutura do jornal, com a sua hierarquia de paginação, títulos, fotos e outros recursos linguísticos e gráficos são elementos indispensáveis para formular e estruturar a politica. Boa leitura!
Redação
O trabalho com o jornal
ROBERTO SÁENZ
“Foi no Iskra que Lênin desenvolveu suas ideias sobre os requisitos que a organização revolucionária tinha de satisfazer para adquirir um certo grau de eficiência. Como ele escreveu (…): ‘Um jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo, é também um organizador coletivo‘” (“Leninismo bajo Lenin”, Marcel Liebman).
Organizador coletivo
A definição clássica do papel do jornal nas organizações revolucionárias foi dada por Lênin há um século, quando ele disse que o jornal deveria ser seu “organizador coletivo”. O que ele quis dizer com essa definição? A circunstância era que, em toda a Rússia czarista, havia uma série de círculos socialistas dispersos que realizavam uma atividade bastante sindicalista, ligada à luta diária dos trabalhadores, mas que não tinham nenhuma ferramenta para unificá-los e dar-lhes um ponto de centralização política como organização.
Naquela época, Lênin propôs que a ferramenta que deveria cumprir esse papel unificador deveria ser um jornal que, trabalhando nacionalmente, organizaria coletivamente esses núcleos socialistas dispersos, dando-lhes a unidade e a centralização de um único partido.[1]
Implicitamente, havia uma ideia aqui que não deixou de ser um clássico, mas que ainda é muito relevante. A organização comum sempre decorre de uma política comum, mesmo que também exija uma série de medidas específicas, como a realização de congressos e conferências, a votação para uma direção comum, o estabelecimento de um mecanismo coletivo de funcionamento (que na tradição socialista revolucionária é chamado de “centralismo democrático”), e assim por diante.
Mas tudo isso decorre, em primeiro lugar, do estabelecimento de uma política comum e unificada em relação à luta de classes, e o instrumento para transmitir essa política foi (e ainda é) esse jornal trabalhado em escala nacional. Daí o conceito de “organizador coletivo”, porque com base nesse instrumento que transmitia e socializava uma política comum (e que, além disso, constituía uma luta até a morte contra outras políticas, de outras frações políticas), um partido comum poderia ser organizado.
Cem anos depois
Cem anos depois dessa discussão, fica claro que muitas coisas mudaram. Os meios de informação e disseminação foram revolucionados várias vezes desde então, com novas mídias eletrônicas, como as várias redes sociais – Facebook, Twitter e muitas outras – que agora dominam em grande medida.
Entretanto, há uma mídia que continua sendo fundamental para as organizações revolucionárias como instrumento por excelência para transmitir e socializar uma política revolucionária comum: o jornal.[2]
Há vários motivos para isso. A primeira é que o “fast food” da mídia eletrônica não substitui a importância da palavra escrita. Mesmo que você leia a imprensa na Internet, não é a mesma coisa que tê-la em suas mãos no papel: o lugar ocupado por cada artigo e seu tamanho, a capa e a contracapa, a página central, a tipografia das manchetes etc., tudo isso cria uma ordem de hierarquias políticas que não é menor.
Em segundo lugar, o jornal mantém sua “agilidade” e “versatilidade”, o que o torna um instrumento adaptado à conjuntura, à formulação da política revolucionária, e que tem um status diferente da literatura teórica ou das revistas que têm um formato menos periódico. Tal é o dinamismo imposto pela política e pela luta de classes que um jornal quinzenal, semanal ou, mesmo nas organizações revolucionárias de massa, diário, torna-se indispensável para dar as respostas políticas diárias que devem ser dadas aos flagelos do capitalismo e à luta de classes dos explorados e oprimidos.
Um instrumento de combate
Dito isso, podemos passar para um nível mais concreto de trabalho com o jornal. Esse nível concreto é que, no trabalho diário com o jornal, em sua venda nas portas das fábricas, nas faculdades, nas escolas, nas mobilizações, o jornal é o instrumento privilegiado para transmitir a política revolucionária do partido: esse é o nível de “propagandista e agitador coletivo”.
Essa política é definida em relação a duas ordens de relações. Primeiro, em relação aos inimigos de classe: o governo dos patrões, a oposição burguesa e as várias burocracias sindicais, religiosas e outras. Segundo, em relação às correntes reformistas e concorrentes dentro da própria esquerda revolucionária, sendo o jornal o instrumento de combate para afirmar suas próprias respostas políticas em relação aos outros.[3]
O jornal serve como estrutura política e formação para a própria militância; portanto, deve ser estudado semanalmente com dedicação. Serve também, justamente, como organizador coletivo de novos núcleos partidários, mesmo em lugares onde não há militantes no momento; uma experiência que estamos vivendo atualmente a partir do Nuevo MAS naqueles lugares do interior do país onde novos ou antigos militantes estão se filiando e o partido não tinha implantação.
E essa é desde já a ferramenta privilegiada para trazer novos companheiros, ou seja, para a captação. O fato é que a razão mais importante (embora existam outras) para trazer novos companheiros é sempre, em primeiro lugar, as posições políticas que eles têm. E o jornal é aquele que transmite essas posições, aquele que educa e informa sobre os acontecimentos, e o instrumento privilegiado para aqueles que vêm para saber o que a organização pensa sobre cada uma das coisas importantes no trabalho nacional e internacional da luta de classes.
Ampliação do trabalho com Socialismo ou Barbárie
Nas páginas de nosso jornal, desde que ele se tornou semanal, temos publicado uma série de artigos que dão continuidade ao trabalho com ele. O objetivo aqui não é especificamente esse, mas dar uma visão geral do lugar do jornal na construção de organizações revolucionárias em geral e de nosso partido em particular.
Entretanto, não deixaremos de insistir aqui na importância de incentivar sistematicamente o trabalho com nosso jornal no período do salto construtivo de nosso partido.
No momento, estão sendo criadas experiências de venda sistemática (piquetes) do jornal nos portões de fábricas, hospitais, escolas, faculdades, universidades, mobilizações e assim por diante. Essas experiências devem ser incentivadas e desenvolvidas sistematicamente.
E, juntamente com isso, estamos planejando incorporar, de forma muito mais consistente do que temos feito até agora, a venda “homem a homem” do nosso jornal. Esse é um instrumento privilegiado para divulgar nossas posições revolucionárias e para facilitar ou ser o “gancho” para a captação de todos os novos companheiros que nos acompanharam com seu voto em agosto, que votaram em nós na UBA, que nos seguem em nossa luta pela reintegração de Maxi na Firestone, que foram impactados pela experiência de Las Rojas, que entraram em contato com nossos jovens do ensino médio de Tinta Roja e tantos outros que estamos desenvolvendo atualmente.
Oferecer o jornal e vendê-lo deve ser um dos “ganchos” para tornar orgânico o trabalho do nosso partido, para alcançar muitos daqueles que acabaram de se juntar a nós na PASO, mas que não conhecemos, para dar o salto do Nuevo MAS que estamos fazendo para uma organização maior.
Notas:
1. No caso de Lênin, esse jornal chamava-se Iskra, “A Centelha”, e Lênin lutou imensamente no Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo (1903) para ter uma maioria bolchevique em sua equipe editorial, a fim de garantir sua coerência como instrumento político revolucionário em uma luta árdua contra a facção reformista (menchevique) do partido.
2. Em papel, ou pelo menos em .pdf, que é uma impressão que respeita essas proporções políticas nas quais os textos são expressos no jornal, proporções que são tão importantes quanto os próprios artigos individuais.
3.O Iskra empregava um estilo polêmico (…) no qual Lênin era especialmente talentoso. Como Martov [feroz oponente reformista de Lênin, mas amigo honesto de Lênin, J.L.R. ], seus editores se esforçavam ‘para garantir que tudo o que fosse ridículo aparecesse em uma forma ridícula’ e para expor ‘o núcleo reacionário que se escondia por trás de uma fraseologia revolucionária’ (…) Os oponentes do Iskra condenavam os métodos polêmicos desse jornal, que foi acusado, tomando um testemunho de Trotsky na época [lembre-se de que o jovem Trotsky ainda não era bolchevique naquele momento, J. L. R.], ‘de ser um dos maiores críticos da revolução’. L.R.], ‘de lutar não tanto contra a autocracia, mas contra as outras frações do movimento revolucionário’.” Marcel Liebman, idem. Em outras palavras, Lênin concebeu corretamente o jornal como o instrumento privilegiado de uma luta implacável de tendências.