Apresentamos o artigo A arte da captação, escrito por Roberto Sáenz. Esse é o nono artigo da SÉRIE PARTIDO. No texto que disponibilizamos aos nossos leitores, encontramos uma importante reflexão sobre a arte da captação. Em grandes partidos de vanguarda ou com influência de massas, a incorporação de novos militantes aos quadros partidários ocorre de maniera “natural”. Mas, quando se trata de núcleos fundacionais ou organizações de propaganda, que não chegam a centenas ou a milhares de membros, esse é um desafio central que depende da dinâmica da luta de classes, dos acertos politicos da organização e da atividade consciente dos seus militantes. Como explica o autor, a arte da captação não foi objeto de grandes reflexões teóricas pois, em geral, os/as grandes dirigentes do início do século XX contavam com um processo de ascensão do movimento operário e com grandes organizações de vanguarda em que os temas centrais eram a estratégia e linha politica a ser adotada, não como somar militantes à organização. Esse, infelizmente, não é o caso das correntes revolucionárias de nossa época, em que o tema da captação é central para a construção partidária e para dotar o movimento dos trabalhadores de uma alternativa revolucionária. A tarefa de captar é uma prática natural para antigas gerações militantes, mas isso não é assim para as novas gerações que ingressam na militância nas últimas décadas. Por uma série de fatores políticos e culturais, custa entender o quão fundamental na prática politica é estabelecer padrões de contatos e trabalhar a fundo, dia a dia, para captar e consolidar novos companheiros/as. Por isso, a transmissão de experiencia através da discussão e do trabalho  inter geracional é fundamental. Nesse sentido, a nota de Sáenz contribui para o desafio que é educar as novas gerações de militantes no trabalho apaixonante de captação. Boa leitura!

Redação

A arte da captação

ROBERTO SÁENZ

O objetivo desta nota é refletir sobre as lições que aprendemos no processo de captação de novos militantes. Uma tarefa de primeira ordem é aproveitar os êxitos políticos para dar um salto construtivo no sentido de se tornar uma forte organização de vanguarda revolucionária, uma questão que também envolve a expansão qualitativa das fileiras do partido.Trata-se de captar novos companheiros e companheiras, formar novos núcleos e regionais, ampliar a estrutura de ação do partido e inseri-lo em novas regiões e em novas estruturas de trabalhadores e estudantes.

Uma arte a se aprender

Os saltos construtivos têm um conjunto de “índices” para se materializarem, e aqui nos dedicaremos apenas a uma dessas tarefas: o que no jargão partidário chamamos de “captação”.

O problema se apresenta pelo fato de que nosso partido [bem como nossa corrente Socialismo ou Barbárie. NT], sendo composto por uma geração jovem, não tem acúmulo suficiente de experiência em assuntos que, para os militantes mais antigos, são o ABC: por exemplo, o ingresso de companheiros e companheiras na organização.

A captação não é uma questão simples. Sua dificuldade varia de acordo com a “força de atração” da organização, que será maior quanto maior for a organização, bem como o momento político ou o ambiente geral da luta de classes que está ocorrendo. O “multiplicador” da captação variará em cada caso: enquanto as organizações menores, que não têm nenhuma “força gravitacional” objetiva, captam indivíduos, quanto maior a organização, o multiplicador muda: não é de um, mas de dezenas, centenas, milhares e até dezenas de milhares. É claro que o último caso – as dezenas de milhares – ocorre apenas em condições revolucionárias e quando se tratam de organizações com influência de massa já “instalada”: em casos de uma verdadeira revolução.[1]

Atualmente, um processo de radicalização política dessa magnitude ainda não está em andamento. Mas se vive uma movimentação político-eleitoral à esquerda de um grupo minoritário de ex-eleitores kirchneristas; um grupo que inclui setores mais amplos do que o normal e que, eleitoralmente, ultrapassou a cifra nada desprezível de um milhão de votos![2]

Mas votos não significam afiliação militante, especialmente nos tempos “descrentes” e “pós-modernos” em que vivemos em todo o mundo, onde a perspectiva de uma mudança revolucionária é considerada, em sua maior parte, uma “abstração”.

No entanto, a ampla vanguarda operária, estudantes, jovens e o movimento de mulheres não é estúpida: todos tomaram nota do progresso que a esquerda revolucionária vem fazendo em nosso país e como, à medida que suas conquistas crescem, ela se torna mais atraente. Como dissemos no editorial desta edição, “o que por cima são dezenas e centenas de milhares de votos, por baixo é a possibilidade de organizar centenas e milhares de trabalhadores e estudantes que simpatizam com a esquerda classista“.[3]

Para além do que foi dito acima, o recrutamento de novos companheiros tem várias “regras da arte” que devem ser reconhecidas. A mais importante é: toda captação tem seu momento exato, não deve acontecer antes ou depois.

Essa tarefa faz parte de uma luta com as outras tendências políticas, sobretudo do mesmo espaço (…) Essa luta de tendências é uma parte essencial das tarefas para a transformação de votos em construção orgânica do próprio partido e o recrutamento de novos e novas camaradas para a própria organização em disputa com seus concorrentes.

A importância do momento certo

Trotsky observou que, na política, os tempos são mais importantes do que na gramática.[4] É claro que é desagradável ler um texto mal escrito, mas a ação política prematura ou tardia tem consequências piores. Isso é verdade tanto para os grandes eventos (confrontos de classe importantes) quanto para os “pequenos” (campanha eleitoral). Isso tem seu momento: se for prematuro, pode ser abortado; se o momento for deixado passar, o companheiro ou companheira pode ir para outra organização ou dar outro rumo à sua vida.

Aqui, uma série de circunstâncias objetivas e subjetivas se colocam em fina correlação, as quais têm o poder de se “condensar” em um determinado momento e, se não forem aproveitadas, se “dissipam”. Essas circunstâncias objetivas e subjetivas têm a ver com: a) o impulso de eventos que vêm “de fora”, mais objetivamente da luta de classes, e que “prestigiam” ou tornam a militância atraente; b) que a organização partidária é vista com simpatia por “tais e tais” razões; c) finalmente, que subjetivamente se considera que a militância pode ser uma opção para um projeto de vida e que se está pronto para fazer a experiência.

No entanto, isso carece de um “plus”, que é a ação do partido, do quadro ou do militante sobre o companheiro ou grupo a ser captado. Não é que não existam processos de “autocaptação”. Eles ocorrem com mais frequência quanto maior for o partido e mais rica for a situação política.

Quando o partido tem ampla influência entre as massas, ele capta quase que “objetivamente”; mas geralmente a lei que rege as organizações de vanguarda tem a ver com um impulso subjetivo da vontade militante e até mesmo com iniciativas amplas para influenciar e, finalmente, captar.[5]

Portanto, independentemente do número a ser captado, é essencial que o partido tome a iniciativa e convide essa pessoa a se juntar à organização. Na medida em que esses “momentos de condensação” são relativamente “efêmeros” (embora não haja nenhum esquema nisso: muitos passam longos períodos de tempo refletindo antes de começarem a se filiar a uma organização), se se aborda prematuramente esse momento ou, pior, se se deixa passar, a oportunidade será perdida.

Portanto, esta é uma regra fundamental da captação: deixar-se levar ou ficar aturdido pode ser “mortal”; mais a primeira do que a segunda. Como qualquer arte, a arte da captação requer experiência; experiência acumulada que se torna um ofício: uma prática que, por sua repetição e reflexão consciente sobre ela, ensina.

As organizações mais jovens são aquelas que têm “pouca habilidade”, simplesmente porque têm pouca experiência. E, de qualquer forma, nessa área como em muitas outras, é precisamente por meio da experiência que se aprende.

Todos os militantes do Nuevo MAS e da corrente Socialismo ou Barbárie devem entender que estamos entrando em um novo momento construtivo e mergulhar com todas as suas forças nessa tarefa que é central hoje: aprender a captar e concretizar o ingresso de uma nova camada de membros do partido.

Notas:

[1] A este respeito, é interessante estudar como foi o fator “multiplicador” do bolchevismo que subiu e desceu de acordo com o desenvolvimento das condições objetivas da luta de classes e a correção da política e da orientação do partido; em última análise, como um subproduto do desenvolvimento das condições revolucionárias no seu conjunto. A captação às dezenas de milhares ocorreu apenas no ano da revolução, 1917. Já quando a captação às centenas de milhar teve lugar, as coisas tiveram a sua “dialética inversa”: tornaram-se complicadas porque a entrada sem restrições de novos militantes quando se está “no poder” e toda a gente quer lá estar, baseia-se não só em razões políticas mas também carreiristas…. Mas este é outro assunto a tratar noutro local.

[2] Aqui o autor se refere aos resultados eleitorais de 2013 quando o Nuevo Mas obteve 115 mil votos nas primárias argentinas (las PASO) e a vitória nos principais Centros Estudantis da Universidade de Buenos Aires (UBA). 

[3] Editorial da Edição Socialismo o Barbarie nº 261 de 12/09/2013.

[4] É de notar que o problema da captação, enquanto tal, não foi uma preocupação importante nos anais da história do socialismo revolucionário do início do século XX. Uma coisa que sempre impressionou o autor desta nota é como em Minha Vida Leon Trotsky nunca parece colocar este problema da construção do partido, uma questão básica nas organizações trotskistas do segundo pós-guerra; a sua parece ser, antes, a colocação de uma luta política para delimitar posições dentro de organizações que tinham a dimensão de vanguarda de massas ou diretamente de massas e cujo poder de atração era sideralmente maior do que na experiência das últimas gerações militantes. Sim o eixo de Lênin era outro e não foi por acaso que escreveu o Que Fazer? estabelecendo o “salto” que significa a passagem de uma consciência reivindicativa a uma consciência política, em todo o caso assinalemos que não gozamos do privilégio das grandes organizações revolucionárias históricas (que somavam grandes unidades), razão pela qual a captação de novos e/ou velhos camaradas ou núcleos de militância revolucionária, requer em cada caso um esforço subjetivo para a sua concretização.

[5] Referimo-nos aqui ao que podem ser amplas iniciativas construtivas do partido, mas que não são o objetivo específico desta nota.

 

Capa: Serigrafia do suíço Max Bill.