Publicamos o quarto texto da SÉRIE PARTIDO,“Como enfrentar situações adversas”, escrito por Roberto Sáenz. Neste texto, o autor traz o tema de que a prática revolucionária é feita a partir da realidade, e essa é composta de adversidades de todas as ordens: econômicas, políticas e militares…Porém, dialeticamente composta, toda realidade é uma totalidade contraditória de elementos favoráveis e desfavoráveis. Cabe à análise, sem deixar de ser o mais objetiva possível, encontrar os pontos de apoio para a ação. Assim, nos momentos de maior polarização da luta de classes em todo o mundo que vivemos, é preciso entender que “a realidade oferece mais alternativas do que acreditamos quando a avaliamos abstratamente e, ao mesmo tempo, porque uma política revolucionária (que, por definição, não desiste diante do ‘fato consumado’) sempre encontra pontos de apoio para a ação, para avançar em algo a fim de modificar a adversidade.” Boa leitura!

Redação

Como enfrentar situações adversas?

ROBERTO SÁENZ

A realidade é sempre mais rica

O primeiro aspecto tem a ver com a realidade, com o que é objetivo para nós como revolucionários, com o que compõe o contexto de nossa ação.

Muitas vezes somos confrontados com situações adversas, situações que parecem não ter saída e que, portanto, podem desmoralizar certos militantes.

Um dos jovens secretários de Trotsky no exílio na década de 1930, Jean van Heijenoort, relatou em sua obra biográfica, “De Prinkipo a Coyoacán”, como Trotsky respondeu à questão de como os revolucionários deveriam lidar com os cenários adversos da realidade.

Ele usou uma metáfora muito perspicaz que nos chamou a atenção: apontou o que acontecia quando um grupo de alpinistas chegava a uma parede de montanha que parecia completamente lisa, plana, e lhes era dito que não conseguiriam escalá-la.

Ele ressaltou que, à medida que os alpinistas se aproximavam da parede, começaram a ver algo nela que não haviam imaginado de longe: que a superfície era “mais áspera” do que pensavam, que tinha saliências nas quais se agarrar e que, com ousadia, mas também com moderação (ou seja, sem insensatez), eles poderiam encontrar os pontos de apoio para escalá-la.

A que essa metáfora se refere?

É óbvio: ao fato de que a realidade é sempre mais rica do que parece à primeira vista, tem mais desvios e nos oferece mais alternativas do que pensamos na primeira observação. E que, para avaliar isso, é preciso transcender a superfície das coisas e chegar ao cerne da questão, levando em conta as contradições que toda realidade sempre possui e encontrando nelas os fundamentos para a ação.

Moral: a realidade sempre oferece alternativas, desde que saibamos avaliá-la adequadamente: não como um “pacote fechado”, mas dialeticamente.

Quem luta não está morto

Mas, do terreno objetivo das coisas, devemos agora passar para o fator subjetivo, que entre os revolucionários diz respeito à sua política para mudar essa realidade.

Já escrevemos em outro lugar que a política revolucionária, quando baseada em certos pressupostos materiais, quando os encontra, pode mover montanhas. Marx já havia apontado em “A Sagrada Família” que toda ideia verdadeiramente revolucionária acaba “tomando conta das massas” e consegue fazê-lo precisamente porque é radical, porque vai à raiz, aos fundamentos das coisas.

Isso não significa que se possa construir “castelos no ar”; nada disso. Significa simplesmente que qualquer política revolucionária, se conseguir se apoiar nos elementos mais dinâmicos da realidade, se conseguir ser “radical”, se conseguir captar os elos centrais da corrente (como Lênin também insistiu), se conseguir identificá-los, pode transformar uma realidade por mais adversa que ela possa parecer à primeira vista.

Portanto, pode-se afirmar que não há situações absolutamente irreversíveis (Lênin disse isso para a burguesia, mas podemos atendê-lo – até certo ponto – como algo de validade geral). Sejamos claros: o fato de a realidade não ser determinada mecanicamente não significa que, em determinadas circunstâncias, no final, apesar de todos os esforços, uma derrota não possa ser evitada.

Mas, mesmo nesse ponto, há um longo caminho a ser percorrido; e quando se luta, sempre encontram-se muito mais alternativas do que se pensava à primeira vista, precisamente por causa dos dois polos da realidade aos quais estamos nos referindo aqui.

Porque a realidade oferece mais alternativas do que acreditamos quando a avaliamos abstratamente e, ao mesmo tempo, porque uma política revolucionária (que, por definição, não desiste diante do “fato consumado”) sempre encontra pontos de apoio para a ação, para avançar em algo a fim de modificar a adversidade.

A modo de digressão, é interessante colocar aqui algumas das reflexões de Trotsky sobre a derrota da Oposição de Esquerda contra Stalin e se não teria sido mais fácil para ele dar um golpe de Estado para derrotá-lo, já que estava à frente do Exército Vermelho.

Sobre esse ponto (que não desenvolveremos longamente aqui), Trotsky simplesmente apontou que, se ele tivesse dado um golpe, se tivesse tentado confiar não na classe operária, mas no exército, ele mesmo teria incentivado todas as tendências burocráticas que a oposição havia se proposto a combater.

Mas aqui estamos interessados em desenvolver o outro aspecto de sua reflexão, aquele que respondia à ideia de que a derrota da oposição era “inevitável”. Trotsky insistiu que foi o conjunto de condições objetivas que tornou possível a ascensão de Stalin.

Após os enormes custos da guerra civil e em vista das derrotas da revolução no mundo, a classe operária e as massas populares da URSS queriam um “descanso”; isso é o que Stalin parecia estar propondo a elas (e que a virada da década de 1930 desmentiu): a ideia consoladora da “construção do socialismo em um país” e não as perspectivas de uma revolução interminável e “permanente“…

Perguntando a Trotsky, então, se a derrota da oposição havia sido “inevitável”, ele respondeu que não: por mais difícil que seja uma luta (a do trotskismo na década de 1930 na URSS ou em qualquer outra), o que decide as coisas é a própria luta, a luta que deve ser travada e ver o que acontece!

Às novas gerações

Isso nos leva a um último ponto que tem a ver com a recusa do marxismo revolucionário em adorar o fato consumado. Trotsky disse que a força da inércia histórica era uma de suas características mais marcantes.

Ele estava se referindo ao “peso gravitacional” do estabelecido, de como o mundo existente permaneceu fixo na retina dos trabalhadores, de sempre ter sido a “raspa do tacho” e da incapacidade de ver o que estava acontecendo diante de seus olhos: que esse mundo poderia estar mudando.

Na realidade, foi mais o Lukács de “História e Consciência de Classe” (o revolucionário, não aquele que mais tarde se voltaria até mesmo “criticamente” ao stalinismo) que, sob o impacto da derrota da revolução alemã, apontou que, como um subproduto do caráter conservador da consciência, na representação dos trabalhadores sobreviveu um mundo que, na realidade, já estava passando, mas que eles acreditavam estar estabelecido como tal e para sempre.

De certa forma, são esses tipos de representações que muitas vezes são fixadas nas antigas gerações de militantes, que, como subproduto do acúmulo de muitas derrotas, sentem que a realidade não pode ser mudada.

Trotsky destacou com acuidade que o movimento revolucionário é renovado por gerações (livres de derrotas passadas), tendo em mente (no caso de sua experiência na década de 1930) o significado para a geração revolucionária de outubro da ascensão do stalinismo e a aposta na fundação da Quarta Internacional em uma nova geração militante para se livrar do peso morto dessa derrota.

Uma nova geração operária e uma nova geração militante estão surgindo em nosso país e no mundo todo. São eles que devem tomar a tocha das mãos das antigas gerações para, com base no fato de se tornarem marxistas e acumularem experiência dentro do proletariado, relançar a luta pelo socialismo neste novo século.