ANTONIO SOLER
Ditadura nunca mais: a perversa relação empresarial-militar durante a ditadura no Brasil
Assim como empresários financiaram a tentativa de golpe de 8 de janeiro, grandes empresas atuaram em conluio com o regime militar na ditadura de 1964 a 1985
Desde 1964, o dia 31 de março tem um gosto amargo para o Brasil: a deposição do presidente João Goulart, para em seguida ser declarada a vacância da presidência da República e a constituição de uma junta militar que conduziu ao cargo máximo do país o general Humberto de Alencar Castelo Branco, um dos principais líderes do golpe.
A ditadura empresarial-militar brasileira cometeu atrocidades no país: militantes de esquerda mortos, desaparecidos, presos e torturados; trabalhadores perseguidos, demitidos, presos e torturados; arrocho salarial e redução de direitos da classe trabalhadora; beneficiamento de empresas ligadas ao regime.
Mesmo assim, após quase 59 anos, os brasileiros se depararam com uma tentativa de golpe militar como a que aconteceu no último dia 8 de janeiro, em Brasília (DF). Milhares de ativistas de ultradireita, financiados e articulados por empresários e políticos bolsonaristas, promoveram ações golpistas e terroristas, que culminaram com a invasão e depredação do Congresso Nacional, STF (Supremo Tribunal Federal) e do Palácio do Planalto. Tudo isso com a conivência das forças policiais do Distrito Federal, chefiadas por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Também houve omissão flagrante das forças policiais da União.
E Bolsonaro ainda queria desembarcar pela porta da frente do aeroporto ao chegar dos Estados Unidos e sair em carro aberto nesta quinta-feira (30).
“O Brasil derrotou Bolsonaro nas urnas no ano passado, mas há uma extrema direita organizada contra a qual temos de lutar pra derrotar; isto, sem abrir mão da luta em defesa dos direitos da classe trabalhadora”, defende o integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Luiz Carlos Prates, o Mancha.
Empresas e ditadura militar
Se na última tentativa de golpe em janeiro deste ano foi apurado que empresários financiaram a ação, é preciso compreender a relação das empresas com o regime ditatorial. A maioria delas financiou e apoiou a ditadura militar (1964-1985).
O projeto de pesquisa “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, convênio entre MPF (Ministério Público Federal) e CAAF (Centro de Antropologia e Arqueologia Forense) da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), está apurando informações, testemunhos e análises sobre a cumplicidade e a responsabilidade de empresas, nacionais ou estrangeiras, nas graves violações de direitos ocorridas durante a ditadura (1964-1985). Essa investigação é resultado de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) desferido pelo MPF após a comprovação de que a Volkswagem atuou diretamente na repressão aos trabalhadores da empresa durante a ditadura.
Treze empresas estão sendo investigadas por apoio, participação e cumplicidade em ações pro-ditadura militar no Brasil. Petrobras, Folha de S.Paulo, Companhia Docas, Josapar, Itaipu, Fiat, CSN, Cobrasma, Aracruz e Paranapanema estão no primeiro bloco da investigação, além de mais três investigadas: Embraer, Belgo Mineira e Mannesmann.
O projeto está previsto para apresentar o resultado das pesquisas neste mês de abril conforme o edital inicial de setembro de 2021.
Durante as investigações promovidas pela Comissão Nacional da Verdade, que teve seus trabalhos encerrados em 2014, mais de 80 empresas foram apontadas devido espionagem, delação funcionários, elaboração de listas “sujas” que resultavam em perseguição de trabalhadores e até salas de tortura no interior de suas respectivas unidades. Atuavam com o objetivo de sufocar os movimentos sindicalistas que surgiam a época. Entre as empresas, estão a Volkswagen, Ford, General Motors, Toyota, Scania, Mercedes Benz, Brastemp, Kodak, Caterpillar, a Johnson & Johnson, Petrobras, Embraer e Mannesmann.
Neste contexto, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região protocolou junto ao MPF um estudo que comprova o envolvimento da Embraer com a ditadura empresarial-militar. O documento foi anexado ao inquérito civil do MPF no ano passado.
O atraso do Brasil na punição às empresas e aos militares
O Brasil é totalmente atrasado na punição a civis e militares que atuaram ativamente durante a ditadura militar. A lei de anistia sancionada em 1979 pelo regime militar, que não permite punir os responsáveis por atos que violam os direitos humanos, segue em vigor, portanto civis e militares envolvidos nos crimes durante o período não são julgados.
Na Argentina, diferentemente, ainda em 1983, quando o civil Raúl Alfonsín assumiu a presidência, foi criada a Conadep (Comisión Nacional sobre Desaparición de Personas) cuja função era investigar os crimes contra direitos humanos cometidos entre 76 e 83, os anos do regime. Essa inciativa fez o país levar à prisão perpétua o general Jorge Rafael Videla, que governou o Estado entre 76 e 81. Até março de 2022, a Justiça havia condenado outras 1.058 pessoas em 273 sentenças por crimes relacionados ao terrorismo de Estado.
“A impunidade aos militares brasileiros foi o que levou ao peso que tem hoje a extrema direita no país capitaneada por Bolsonaro, por isso temos de ser implacáveis com a punição. O governo Lula tem o dever moral de garantir a punição tantos dos militares e empresas que atuaram na ditadura como as que atuam no dias de hoje”, reforça Mancha.
(Foto: Greve na Embraer, em São José dos Campos (SP) sofre repressão em 1984 | Reprodução)