Votar no “pacote anticrime” foi uma injustificável capitulação

Com o argumento de que estavam votando para evitar o “mal maior” parlamentares da “esquerda” e do PSOL votam a favor de medidas reacionárias

RENATO ASSAD e ANTONIO SOLER

Na recente noite do dia 4 de dezembro, foi votado na Câmara Federal dos Deputados o pacote de medidas legislativas “anticrime” do reacionário e nefasto ministro Sérgio Moro em uma versão “desidratada” em relação ao projeto original elaborado.

Considerada uma vitória para muitos, esta nova, mas ainda extremamente brutal, versão do projeto retirou, alterou e colocou outras medidas. Assim, este é um projeto que amplia e “legitima” a criminosa política de segurança pública de um governo que não mede esforços em atacar, reprimir e violar os direitos.

Diante disso, queremos discutir o posicionamento oportunista da ampla maioria dos parlamentares da esquerda e, particularmente, de três do PSOL: Marcelo Freixo (liderança RJ), Fernanda Melchionna (MES e vice-liderança da bancada) e Edimilson Rodrigues (PA).

Postagem do ministro Sergio Moro no Twitter dando congratulações aos deputados pela aprovação do “Pacote Anticrime”

Estes deputados federais do nosso partido contribuíram para a aprovação do “pacote alternativo” com a parva justificação de que estariam derrotando Moro e Bolsonaro. O projeto que tem como foco a ampliação do encarceramento, do uso da força letal e da defesa da propriedade privada, foi votado poucos dias após o massacre de Paraisópolis (SP) que ceifou a vida de 9 jovens negros da periferia.

A postura de alguns deputados do PSOL coloca como urgente a necessidade do debate segurança pública no interior do partido a partir de um modelo que vá na direção oposta à violência contra a população negra, as mulheres e a classe trabalhadora.

É necessário desenvolver um projeto que vá no sentido de superar a política de segurança pública calcada no fortalecimento de forças repressivas a serviço da manutenção do poder da classe dominante, da legislação proibicionista e punitivista e do armamento de setores da classe média alinhados com o governo.

O posicionamento destes parlamentares significou politicamente um alinhamento, mesmo que não intencional, à política da direita punitivista que aumenta a repressão policial e a política de encarceramento em massa da juventude negra e periférica.

O que deixa evidente a ausência de bandeiras, táticas, campanhas e mobilizações de rua que levem adiante um programa coerente e combativo de segurança pública que interesse a ampla maioria da população, com ações calcadas na prevenção, no fim da militarização da polícia, na democratização e no controle popular das forças repressivas.

A luta direta é insubstituível

Muito nos espanta as falhas tentativas dos parlamentares de justificarem os seus contraditórios posicionamentos na sessão que aprovou o pacote. Isto é, tentaram justificar o injustificável. Porém, gostaríamos de ressaltar que, na verdade, essa postura reflete os zig zags centristas e oportunistas de setores de nosso partido para dialogar unicamente com setores da classe média que fizeram um deslocamento político para a direita, como foi no caso da defesa da Lava Jato, e não com a maioria trabalhadora da população e suas necessidades objetivas.

A justificativa de que a votação no “pacote alternativo”, pela da queda do excludente de ilicitude na Comissão que elaborou o projeto, seria um “mal menor” é um escárnio diante do avanço do verdadeiro genocídio da população negra – os números apresentados são equivalentes a de países em guerra – e do ataque generalizados às condições de vida e aos direitos democráticos.

Marcelo Freixo, figura histórica do partido no combate às milícias do Rio de Janeiro, por não se organizar politicamente em uma corrente, reitera individualmente, a partir de uma leitura deturpada da realidade, que não haveria outra forma de resistir ao avanço da direita. Assim, restaria-nos apenas desenvolver uma linha política de “redução de danos”. Essa é uma convicção que joga contra o urgente trabalho de construção de um programa alternativo e transitório de enfrentamento ao neofascismo através da mobilização de rua. Contexto importante para o entendimento de seus recentes posicionamentos.

Porém, também, assombroso e inaceitável foi o voto de Fernanda Melchionna, quadro importante do MES, que votou sim ao pacote. Contraditoriamente a essa posição, Sâmia Bomfim, sua companheira de organização, votou contra o projeto e seu outro companheiro, David Miranda esteve ausente da votação.

Nota-se que o MES não dissimula e não esconde o seu oportunismo político às custas de sempre sair “bem na foto”, sempre adotando uma postura de dualidade de posições em que o debate interno no partido e as críticas à maioria da direção nacional do PSOL vão em um sentido, e a sua própria postura política, em outro.

Tentam justificar seus posicionamentos de maneira extremamente superficial, dizendo que muitos não entendem, ou não estão a par, do que acontece dentro da Câmara Federal.  Pretendem legitimar seu oportunista através de um argumento para lá de burocrático, isto é, no qual as decisões parlamentares não podem ser objetivo de discussões na base do partido, pois os mistérios da política parlamentar só seriam compreendidos por assessores e mandatários…

Ressaltamos que o reflexo da política de segurança pública que irá derivar desse pacote de medidas não é estranho aos movimentos sociais que se organizam a partir da periferia, bem como a injustiça que irá aprofundar a partir dele também não lhe é indiferente. As convicções dos parlamentares não podem ser engessadas, e posições como estas facilmente seriam revertidas através do debate público e pela base do partido.

Evidencia-se, assim, um apartamento gigantesco entre a batalha da periferia por suas vidas e direitos e a mais deturpada noção de “responsabilidade parlamentar” apresentada por Freixo e pelos parlamentares do PSOL que votaram nesse projeto quando apresentam o argumento de que teriam desidratado o pacote e, assim, evitado o “mal maior”. Aqui, além de um problema de método e de sensibilidade com as necessidades dos explorados e oprimidos, há uma questão de linha política, de princípio, de estratégia e de tática.

Nunca se vota ou aplica medidas que sejam prejudiciais aos trabalhadores e aos oprimidos, sempre é necessário usar o mandato parlamentar ou executivo para mobilizar contra essas propostas e se deve usar táticas que nunca nos afastem dos interesses, da mobilização e da organização dos trabalhadores.

Freixo e os parlamentares do PSOL deveriam ter realizado uma campanha de mobilização contra a sua votação, todo tipo de manobra para “desidratar” o projeto e, até mesmo, sendo necessário, “compromissos”, mas com o objetivo de votar contra qualquer avanço das forças reacionárias, das medidas que servem para oprimir ainda mais a população negra e da periferia e que irão, também, ser usadas para atacar o conjunto do movimento social.

Se alguém ter que ser traído não são os trabalhadores e os oprimidos, como infelizmente fizeram esses deputados, mas sim os parlamentares que representam os interesses da classe dominante e sua sanha reacionária … isso é parte do beabá da política socialista que esses parlamentares do PSOL e dos demais partidos que se dizem de “esquerda” e as forças políticas que se organizam entorno deles desconhecem completamente. Ao tomar caminho diverso do classismo mais básico, esses parlamentares prestam um tremendo desserviço para a dura luta para a necessária mobilização unificada contra a ofensiva reacionária.

Direção do PSOL é responsável

Por outro lado, a maioria da direção nacional do PSOL, que não mede esforços na capitulação, com seu giro e alinhamento eleitoral ao lulopetismo é, também, responsável por esse descalabro ao não decidir pela centralização dos votos da bancada, uma vez que não tem olhos para nada além de uma política oportunista para as eleições municipais do ano que vem.

A direção deveria ter encaminhado uma estratégia para mobilizar a base do partido para tal discussão, pois, assim, teríamos um posicionamento com muito mais capilaridade. Além disso, deveria ter tido uma posição exemplar nesse caso e centralizando a bancada do partido. Não se pode permitir que em temas como esse, que envolvem os interesses de classe, ataques às suas condições de vida e avanços de medidas reacionárias que cada parlamentar faça o que quiser. Trata-se aqui da necessária luta pela independência de classe sobre a qual dramaticamente precisamos nos educar para enfrentarmos de fato os ataques em curso e para construir o PSOL como alternativa de direção para as lutas das massas.

A maioria da direção não aprendeu nada com aderrota da “reforma” da Previdência, na qual a bancada trabalhou da mesma maneira para desidratar o projeto sem chamar a mobilização pela base, enquanto isso nenhuma exigência e denúncia fez contra as centrais sindicais burocratas que traíram a luta nas ruas.

Houve retirada de pontos importantes na tramitação na Câmara, porém durante a tramitação no Senado, é votada a proposta original do governo paralelamente, deixando claro que a lógica parlamentar está submetida aos interesses materiais e que as forças extraparlamentares só podem bloquear os ataques a partir da mobilização permanente dos trabalhadores e dos oprimidos. Ou seja, é a luta de classes a grande medida da dinâmica política. Esse é mais um beabá que parece desconhecer parte dos parlamentares e da direção do partido.

Isso significa que em um país onde o governo aplica uma guerra não declarada aos negros e periféricos, onde se tem 60 mil homicídios ao ano – a polícia que mais mata no mundo – e atingimos a terceira maior população carcerária do mundo, com cerca de 700 mil pessoas presas, é inadmissível a postura que tiveram os parlamentares e a direção do partido.

É preciso reverter imediatamente essa lógica de capitulação aos ataques deste governo neofascista que conta com a cumplicidade da maioria do parlamento e da classe dominante. Não é votando no “mal menor” e traindo os interesses dos de baixo que iremos conseguir resistir. Somente com a construção de uma frente única com todas as organizações dos trabalhadores, dos negros, das mulheres e da juventude para lutar pela base e com ações unitárias massivas poderemos construir o caminho para reverter a atual situação.

É preciso derrotar o governo e seus ataques nas ruas, a experiência latino-americana muito nos serve como orientação estratégica e perspectiva política a médio prazo, pois diante da ofensiva reacionária, da precarização das condições de vida, da carestia, do desemprego, do arrocho salarial, tendemos à abertura de um processo em que a crescente indignação popular irá tomar as ruas.

Desta forma, reiteramos aqui que as eleições e a política parlamentar são pontos de apoio, nunca substitutos, como querem fazer crer parte da direção do PSOL e dos deputados do partido, da mobilização direta das massas. Eleger parlamentares de nada serve se estes não estão profundamente conectados à construção incansável no processo de resistência de massas aos ataques reacionários, à construção de uma alternativa anticapitalista e à superação da burocracia lulopetista.