Lava Jato na berlinda

VAZAMENTOS DE MENSAGENS ABREM JANELA PARA REPOR SOBERANIA POPULAR E DERROTAR ATAQUES DE BOLSONARO

Após um mês de vazamentos feitos pelo site The Intercept Brasil das conversas entre Magistrado e MPF se torna inconteste o caráter criminoso das denúncias, processos e condenações no âmbito da Operação Lava Jato

ANTONIO SOLER

Os vazamentos das conversas do aplicativo de mensagens Telegram realizadas entre o Ministro Sergio Moro (então juiz federal) e o procurador Deltan Dallagnol e deste com os demais procuradores do Ministério Público Federal (MPF) que atuaram na Operação Lava Jato, publicados pelo site The Intercept Brasil, trazem à tona os bastidores do complexo processo jurídico-político que começou com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, passou pela prisão de Lula da Silva e culminou com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Após um mês de publicações pelo site The Intercept Brasil – que durante este período fez parcerias com o Jornal Folha de São Paulo e a Revista Veja para divulgá-las – não se sustenta  que as conversas mantidas através do Telegram entre Moro (então Juiz Federal) e os procuradores não sejam autênticas, criminosas e com evidente motivação política reacionária.[1]

Uma farsa jurídico-política com repercussão histórica é revelada

Durante as duas ocasiões em que esteve no Congresso Nacional, primeiro no Senado e depois na Câmara dos Deputados, Moro fez sua defesa pautando-se no argumento de que não está comprovada a autenticidade das conversar vazadas, que não se lembra delas e, mesmo que forem autenticas, nada do que teria sido dito é irregular, impróprio ou antiético, pois conversava da mesma forma tanto com a acusação quanto com a defesa; e que a obtenção ilegal desses conversar tem apenas o objetivo de violar a privacidade de agentes da lei visando anular condenações criminais e impedir novas investigações da operação Lava Jato. No entanto, as conversas demonstram justamente o contrário: Moro como chefe informal da Lava Jato solicitou que a promotoria (acusação) incluísse provas nos processos, acelerasse ou retardasse operações policiais e exerceu pressão para que determinadas delações premiadas não fossem encaminhadas para não prejudicar aliados.

Uma série de momentos revelados pelos vazamentos poderia ser citada, mas por uma questão de espaço, vamos nos ater a momentos que consideramos fundamentais para a construção do enredo político que permitiu que chegássemos até aqui.

A começar, a documentação obtida revela que Moro e a Lava Jato atuaram em parceria política para desequilibrar a balança em favor das forças mais reacionárias em meio a crise política vivida no segundo mandato de Dilma Rousseff.

O ex-juiz Moro vazou de forma ilegal ligação telefônica entre Dilma e Lula em março de 2016, quando a então presidente comunicava que tinha enviado a Lula,  através de um mensageiro, o termo de posse do ex-presidente como Ministro da Casa Civil, ação esta que sedimentou a liminar concedida pelo Ministro do STF Gilmar Mendes, cassando a posse de Lula. Isso para que Lula não fosse nomeado Ministro da Casa Civil e não ganhasse foro privilegiado, permitindo que fosse processado, julgado e condenado pelo próprio Moro na 13ª Vara em Curitiba, estratégia que acabou vingando.

Em outro episódio, agora relacionado a acusação de que Lula havia recebido da empreiteira OAS um apartamento no Guarujá (SP) como pagamento de propina, revela que havia insegurança da procuradoria se as provas obtidas pela Lava Jato poderiam ser base para denúncia.

Na verdade, tanto o Ministério Público quanto o magistrado têm clareza de que não existiam provas concretas que ligassem desvios na Petrobras, o apartamento do Guarujá (SP) e Lula. Em setembro de 2016, nas conversas   com Moro, Deltan demonstra insegurança sobre se havia provas que pudessem sedimentar a denúncia de Lula. Segundo Dallagnol: “Até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apt”. Em um grupo de discussão de uma das redes sociais que usava escreve que “a opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incólume pelo mensalão”.

Como se não bastasse, em mensagem para Moro, Dallagnol afirma que “a denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto”. Em resposta, quando o MPF era questionado sobre a fragilidade das denúncias contra Lula, Moro se solidariza com Dallagnol afirmando que “definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme”.[2] Como podemos ver, essa troca de conversas, além de ilegal e antiética, demonstra claramente que mesmo diante da clareza de agentes da justiça da ausência de provas, Lula foi acusado, processado, condenado e preso.

De outra forma, a politização, parcialidade e seletividade do ex-juiz federal e de toda a Lava Jato para contribuir a fim de que a balança política pendesse totalmente para a direita não dá trégua. Mensagens entre Moro e Dallagnol, ocorrida em abril de 2017, trazem a preocupação do ex-juiz com uma possível investigação de FHC ao saber do encaminhamento de um depoimento de 2016 de Emílio Odebrecht de que contribui com o financiamento ilegal de campanha presidencial do ex-presidente em 1994 e 1998. Mesmo tendo aparecido várias vezes em depoimentos e ser de conhecimento geral dos procuradores desde 2016 que FHC recebeu caixa 2 para financiar suas campanhas eleitorais em 1994 e 1998, não houve nenhuma ação da procuradoria para abrir inquérito e apresentar denúncia.

O depoimento de Odebrecht foi mantido em segredo de justiça até 2017 quando foi enviado para São Paulo em uma tentativa de aparentar imparcialidade diante das intensas críticas recebidas pela operação, mas sem de fato ameaçar FHC, entretanto, o processo já tinha prescrito e foi arquivado. Mas a preocupação de Moro na troca de mensagens com Dallagnol era no sentido de que não convinha encaminhar o processo o mesmo que como um jogo de cena, pois o ex-juiz não queria “melindrar alguém cujo apoio é importante”, claro que para avalizar a Lava Jato e suas manobras jurídico-políticas reacionárias.

Em maio de 2017 Moro questionou Dallagnol sobre a posição do MPF em relação ao pedido da defesa de Lula de adiamento do primeiro interrogatório de Lula. Em uma troca de mensagens, Moro escreveu “que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar brincando” e completou, “não tem nulidade nenhuma, é só um monte de bobagem”. Dallagnol responde que “de nossa parte, foi um pedido mais por estratégia”.

A conversa é concluída com a antecipação de Moro de qual seria a decisão judicial, “blz, tranquilo, ainda estou preparando a decisão, mas a tendência é indeferir mesmo”. Ou seja, uma troca de mensagens que revela uma vontade política do juiz Moro em acelerar o processamento, julgamento e condenação de Lula, uma vez que no ano seguinte seria disputada a eleição presidencial.

A seletividade do ex juiz e da procuradoria mais uma vez é manifesta em julho de 2017, conversas entre Moro e Deltan demonstram a interferência de Moro na possibilidade do ex-Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (atualmente cumprindo pena de prisão) – peça fundamental no impeachment de Dilma que acabou renunciando ao cargo para não ser cassado – realizar delação premiada. Até as paredes sabiam que uma delação de Cunha atingiria praticamente toda a procuradoria do Rio de Janeiro, importantes aliados no mundo empresarial e político na ofensiva reacionária, além de desestabilizar definitivamente o governo ilegítimo de Michel Temer e impossibilitar o avanço de suas pautas reacionárias no Congresso Nacional, notadamente a da Reforma Trabalhista.

No entanto, a armação política não parou na condenação de Lula concretizada em julho de 2017 por Moro. O objetivo precípuo era impor a vitória da direita nas eleições de 2018. Com a autorização (que foi derrubada e só autorizada novamente neste ano) de um Ministro do STF de que Lula concedesse uma entrevista ao Jornal Folha de São Paulo antes do primeiro turno da eleição presidencial de 2018, a reação dos procuradores do MPF em setembro de 2018 foi de extrema indignação diante da possibilidade de que a entrevista pudesse influenciar o resultado das eleições e acabasse elegendo Fernando Haddad, o candidato do PT.     

A interferência política para favorecer a direita da Lava Jato e do ex-juiz extrapolaram as fronteiras nacionais. Em agosto de 2017, Moro sugeriu – e os procuradores da Lava Jato acataram – tornar públicas as informações sigilosas da delação da Odebrecht que trata de propinas da empresa para o governo da Venezuela com o objetivo de interferir no processo político do país vizinho. O que foi levado a cabo em outubro do mesmo ano mesmo tendo os envolvidos, juiz e procuradores, clareza que esse vazamento constitui um crime (o artigo 325 do Código Penal pune com até dois anos de prisão o agente público que “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”) e que poderiam acirrar os conflitos na Venezuela, provocar exílios políticos e colocar em risco funcionários da Odebrecht e procuradores desse país.

Com outra estratégia podemos reverter a situação e derrotar o governo

Estamos diante de uma montanha de dados que comprovam o que já se sabia anteriormente por meio de uma série de indícios jurídicos e políticos: a operação Lava Jato foi instrumentalizada para impor as condições políticas da agenda reacionária que enfrentamos duramente hoje. Ou seja, as mensagens entre os membros da Operação Lava Jato comprovam que o processamento, a condenação e a prisão de Lula responderam a objetivos políticos. Ofensiva que contou com a participação não apenas do “bonapartismo de toga”, mas também dos partidos burgueses tradicionais, do grande empresariado, dos grandes meios de comunicação e das forças armadas.

Em que pese nossas diferenças de princípio, estratégicas, programáticas e táticas com Lula e com o PT – sua política e ética desde o primeiro mandato de Lula contribuiu para que essa ofensiva reacionária lograsse vitórias sistemáticas -, pelo que significou para a correlação de forças e ofensiva reacionária vividas desde 2015, opomo-nos veementemente a essa condenação.

A prisão sem provas de Lula foi um atentado contra a soberania popular e o direito democrático do povo decidir quem seria o presidente nas eleições de 2018. Essa ofensiva reacionária objetiva impor uma correlação de forças totalmente desfavorável para os trabalhadores; as “reformas” durante o governo Temer, a eleição de Bolsonaro e, agora, as suas contrarreformas, com destaque para a da Previdência, são parte disso.  

Os vazamentos feitos pelo site Intercept Brasil, nesse momento em que a juventude e classe trabalhadora retomam massivamente suas lutas contra a “reforma” da Previdência e outros ataques desse governo de ultradireita, desmascara totalmente o papel reacionário que cumpre a Lava Jato. Assim, a luta por repor a soberania popular, pela liberdade de Lula e contra os ataques econômicos e políticos do governo ganham outro patamar político.

Essas são decisivas para arquitetar a contraofensiva política dos explorados e oprimidos, mas para isso é necessário realizar uma mudança significativa na forma de conduzir a luta contra a prisão de Lula. Para tal, é preciso superar a estratégia da burocracia lulista que separa a luta política em defesa dos direitos democráticos da luta econômica contra o avanço das contrarreformas. Ao não fazer uma campanha que unifica a luta contra a “reforma” da Previdência, combinada com a luta em defesa dos demais direitos com a luta pela libertação de Lula, a burocracia acaba dificultando a construção de um movimento  político unificado, concentrado e sistemático que permita bater com força na classe dominante, em seu governo e em suas políticas – isso num jogo em que a classe dominante faz justamente o contrário e pode, por isso, manter a ofensiva permanente.

Além desse elemento de coesão política, é necessário superar também o lulismo em relação à sua estratégia conciliatória, o que está na base de todas as derrotas sofridas nos últimos anos. Exemplo claro disso foi a postura da burocracia em relação à luta contra a “reforma” da Previdência e à Greve Geral de 14 de junho. Enquanto crescia a insatisfação com a situação de penúria econômica, com o governo reacionário de Bolsonaro e com “reforma” que quer destruir a Previdência Social, a burocracia manipula o movimento para evitar o enfrentamento direto com o governo e com a classe dominante.

Ao invés de jogar todo o peso e organizar uma greve efetiva para derrotar a reforma, com participação direta dos trabalhadores na Greve, que produzissem organização efetiva, paralisações de rodovias e atos massivos, a burocracia organizou uma “greve de pijama”, chamando os trabalhadores para “não sair de casa”.

Tudo para negociar com o governo e o congresso pontos da reforma ao invés de derrotá-la. O resultado não pode ser outro do que o avanço dos ataques aos trabalhadores, as mulheres e aos mais pobres. No entanto, mesmo com a traição da burocracia, devido à indignação popular crescente contra esse ataque e outros, congresso e governo são obrigados a fazer mediações para que o projeto possa avançar, o que traz em carne viva a traição da burocracia e a necessidade de superar sua estratégia, começando por reorganizar a luta concreta contra a “reforma” da Previdência que tramita agora na Câmara dos Deputados e que também será votada no Senado Federal antes da sanção presidencial. 

Por isso, a partir das denúncias do Intercept, da queda da popularidade de Bolsonaro, da crescente indignação popular contra os ataques, podemos reagir e sair com saldo político positivo da atual conjuntura. Cabe à esquerda socialista, a começar pelo nosso partido (PSOL), cumprir o seu papel partindo no necessário balanço da linha política da burocracia em relação à “reforma” da Previdência, que pode nos levar a uma profunda derrota, e lutando para que seja organizada em unidade de ação uma nova Greve Geral para o mês de agosto.

Além disso, precisamos apresentar para o conjunto do movimento social uma estratégia alternativa que supere a fragmentação política construída pela burocracia lulista, uma linha que ligue a luta contra os ataques econômicos, manifestados imediatamente na “reforma” da Previdência, com a defesa da soberania popular e dos direitos democráticos aviltados em 2018 com a prisão de Lula, e que apresente uma saída política dos trabalhadores e dos oprimidos para a situação.

Organizar a Greve Geral pela base!

Derrotar a “reforma” da Previdência nas ruas!

Defesa dos direitos democráticos!

Em defesa do povo decidir!

Liberdade para Lula!

Por um plano econômico dos trabalhadores para a crise!

Fora Moro, Bolsonaro e Mourão!

Eleições Gerais já!


[1] Matéria publicada na edição 2642 de 10 de junho da Revista Veja afirma que o material que vem sendo analisado contém mais de 1 milhão de mensagens e 30 mil páginas e coloca sobre suspeição o julgamento de Moro casos da Operação Lava Jato.

[2] Informações em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/site-publica-mensagens-que-mostram-colaboracao-entre-moro-e-deltan-na-lava-jato.shtml.