Apresentação
Vivemos um período pós-queda do Muro de Berlim, em que as ideologias que pregavam o fim da história, o fim da centralidade da categoria trabalho, a falência da forma partido, são postas abaixo com a retomada da radicalização da luta de classes. Radicalização esta que ocorre principalmente na América latina e cujo o nome intitulamos de “Rebeliões populares no início do Século”. São rebeliões que, após a primeira grande crise econômica mundial do século, estendem-se para outras regiões do mundo como o norte da América, da Europa e Norte da África. Esse novo ciclo de rebeliões dá-se no centro econômico e político mundial, recolocando em cena atores políticos como a classe operária, por exemplo, que nas últimas décadas não desempenhava papel protagonista na luta de classes. Entretanto, a onda de radicalização política e o destino dramático de milhões de pessoas em todo o mundo – por conta dos pacotes de ajustes que procuram fazer os trabalhadores pagarem o preço da crise – trazem de forma incontornável à baila debates clássicos no interior da esquerda: socialismo ou barbárie? Revolução ou reforma? Democracia formal ou real (dos trabalhadores)? Partido de massa ou vanguarda? Dentre tantas outras.
Prefácio
A luta contra a opressão patriarcal-capitalista ganha o mundo
ROSI SANTOS
Como parte da situação política mundial, marcada por uma etapa de rebeliões em centros políticos e econômicos em todo o mundo, a luta contra a opressão das mulheres ganha repercussão planetária e não foge às determinações políticas mais gerais. É nesse contexto que se coloca a possibilidade e a necessidade de relançar um movimento feminista socialista que abarque a luta contra a opressão de gênero como central na luta da classe trabalhadora pelo socialismo.
Antes de adentrar diretamente na apresentação do artigo Uma crítica marxista da família de Patrícia López vamos perpassar alguns momentos decisivos na luta feminista objetivando resgatar o fundamental das questões clássicas para o movimento feminista socialista revolucionário. Da mesma forma que no movimento operário, os avanços teóricos em relação à opressão de gênero guardam uma relação estreita com a luta direta das mulheres. Essa afirmação se pode constatar de forma bastante intensa nos marcantes processos sociais e políticos que se deram nos séculos XIX e XX.
Luta contra a opressão de gênero e luta anticapitalista
Iremos fazer um breve percurso histórico para demonstrar que apenas a partir da reflexão sobre as condições de vida concretas das mulheres, e dos oprimidos de forma geral, é possível elaborar uma teoria feminista que contribua para a superação das condições de opressão e exploração. As teorias que surgem apartadas do movimento concreto das trabalhadoras(es) não têm sido profícuas no sentido de contribuir para a emancipação , ao contrário, servem para justificá-la. Assim, cabe aqui, de modo sintético, esboçar os momentos mais marcantes da luta das mulheres e as posições de suas principais representantes.
A primeira onda de luta pelo direitos das mulheres vai da Revolução Francesa até a Comuna de Paris. Nesse período, destaca-se a inglesa Mary Wollstonecraft (a primeira tanto a explicar a condição de inferioridade das mulheres dada pela educação sexista quanto a colocar em questão que o atraso das mulheres teria uma origem natural). Temos ainda a figura heróica da francesa Olympia de Gouges, de origem camponesa e analfabeta que migrou para Paris, lutou ao lado dos revolucionários e escreveu o “Direito da mulher e a cidadania”. Acabou sendo guilhotinada em 1793.
Já em outra fase, esta ligada diretamente à luta operária contra o capitalismo, destaca-se Flora Tristán. Ela fundou a União Operária e dedicou a vida à militância revolucionária (é de Flora a frase que diz que a emancipação das mulheres será obra das próprias mulheres). Nesse período foi organizado a partir das feministas dos EUA o movimento sufragista que tinha como pauta o direito de voto, divórcio e condições de igualdade para as mulheres. O período também foi caracterizado por manifestos políticos, boicotes e atos eleitorais e, nesse processo, muitas mulheres foram perseguidas e presas.
Na Comuna de Paris (1871) destacou-se Louise Michel como liderança feminista e uma das principais figuras públicas da Comuna. Michel organizou os clubes de amigos da revolução e um batalhão feminino que seguiu o mesmo destino revolucionário dos demais communards, ou seja, foi fuzilado pelas tropas contra-revolucionárias. Michel conseguiu escapar e ficou exilada durante anos. Quando voltou à Paris, foi ovacionada pelo povo e continuou a militância revolucionária e feminista.
O século XIX foi caracterizado pelas revoluções burguesas e por incipientes rebeliões populares. As mulheres estiveram presentes em todas as principais lutas da classe operária e por suas demandas específicas. A pauta central era a das igualdades formais/democráticas. O centro da atividade do movimento era demonstrar que a desigualdade não tinha origem natural e também organizar as mulheres trabalhadoras nas insurreições populares que ocorreram até a primeira parte do século XIX.
No final do século XIX e início do século XX, ganha força a luta das feministas revolucionárias que, além de lutar por igualdades formais, lutam pela revolução socialistas. Abre-se um período em que se destaca a socialista alemã Clara Zetkin, que se dedicou a organizar as mulheres dentro da internacional comunista. A Primeira Guerra separou as sufragistas burguesas das feministas socialistas. As sufragistas burguesas se calaram ante o nacionalismo, que defendia seus governos e estados imperialistas no conflito. As socialistas rechaçaram a guerra imperialista e chamaram a classe trabalhadora a se unir contra os patrões em todos os países. Para o feminismo burguês a sociedade impõe um limite cultural ao desenvolvimento das mulheres, vetando-as o acesso aos postos importantes. Assim, a luta pela igualdade não apresentava questionamentos ao capitalismo, o desafio seria conquistar a igualdade formal e a redistribuição das tarefas dentro de casa sem questionar as bases materiais da opressão da mulher.
Durante a revolução as mulheres obtiveram conquistas importantes ligadas à igualdade formal, direito ao divórcio, ao aborto, à proteção das crianças e a participar de cargos públicos. Desenvolveu-se ainda o programa de socialização do trabalho doméstico (refeitórios públicos e lavanderias) e iniciativas para elevar o nível cultural das mulheres para que tivessem meios culturais e técnicos de emancipação. A partir de 1931, a contrarrevolução stalinista lançou uma série de decretos destinados a enclausurar as mulheres no interior das casas, tirando-as das fábricas e dos postos de mando do estado. Foi proibido o direito ao aborto e começou a perseguição aos homossexuais.
Na Guerra Civil Espanhola (1936-39), as mulheres tiveram um papel de destaque. Desobedeceram a orientação stalinista de ficarem encerradas no trabalho de enfermagem e cozinha e passaram ao combate direto contra o franquismo lado a lado com os seus companheiros de armas.
Outro período marcante foi o das décadas de 60 e 70, o Maio Francês, a luta contra a Guerra do Vietnã, a luta anticolonial, a revolução cubana, etc. Nesse período conquistou-se o direito ao aborto na maioria dos países da Europa. Reacendeu-se também o debate sobre a centralidade da luta feminista no interior do movimento socialista.
O movimento feminista no Brasil
O movimento feminista no Brasil, tal qual o internacional, apresentou fases e tendências. A primeira fase começa no final do século XIX e vai até as primeiras décadas do século XX. Nesse período chocaram-se duas linhas principais, por um lado, as sufragistas lideradas por Bertha Lutz, que tinham como objetivo o voto feminino, mas sem questionar a opressão da mulher como um todo. Para esse feminismo burguês, a luta pela incorporação da mulher na vida pública não tinha por objetivo acabar com a opressão patriarcal, porém realizar apenas ajustes para que a família patriarcal-burguesa continuasse a existir de forma mais adequadas aos novos tempos.
Por outro lado, havia um amplo setor que agrupava as operárias e intelectuais de esquerda. Essas militantes discutiam a questão da opressão da mulher em sua totalidade, a questão da educação, do direito ao divórcio, da igualdade sexual e, é claro, a participação política e a luta pela emancipação mais geral. No interior desse setor apresentava-se ainda a ala mais radicalizada ( anarquistas e comunistas), que defendia a emancipação da mulher e a revolução proletária, tendo como principal figura pública do setor Maria Lacerda de Moura.
Após 1937, há um período de refluxo do movimento que se estende até a década de 70. Com a retomada do movimento feminista mundial na década de 60/70, apesar da ditadura militar, o movimento feminista brasileiro ressurge entre as mulheres do exílio e dentro do país. Claro que no contexto da ditadura havia limites para a ação pública do movimento feminista, contudo não se pode desconsiderar o papel das mulheres na luta armada e na luta pela anistia. Com o fim da ditadura, o movimento feminista se divide entre as organizações partidárias fundadas durante a ditadura militar (PMDB, que tem sua origem no MDB), as organizações que estavam na clandestinidade (PCB) e as novas organizações de esquerda ( PT).
Seguindo uma tendência mundial, no final da década de 80 surge o feminismo acadêmico, nucleado em grupos temáticos que fazem parte de departamentos de ciências sociais das grandes universidades do Brasil. Nos anos 90, houve uma separação entre o pensamento feminista e o movimento de mulheres. O surgimento de ONGs profissionaliza o movimento de mulheres, que vão se dedicar doravante à tarefa de incorporar as mulheres no mercado de trabalho, no empreendedorismo, e na maior participação das mulheres na esfera pública.
É importante dizer que, em todos esses processos e períodos, o marxismo revolucionário sempre batalhou para dar centralidade à luta contra a opressão nos movimentos anticapitalistas e para que o movimento feminista incorporasse a luta pelo socialismo como única estratégia para combater consequentemente a opressão de gênero.
A libertação da mulher é uma ação política
Nas décadas de 60/70 as feministas dividem-se entre as que lutam contra o capitalismo e as que não questionam o sistema. Apesar da presença na época de debates de vários matizes entre feministas, a luta feminista estava principalmente ligada à luta política das mulheres. As mulheres acadêmicas, assim sendo, eram também ativistas de rua, ligadas aos sindicatos, partidos e movimentos.
Após a “Queda do Muro de Berlim”, abre-se uma etapa de profunda reação política e intelectual. Foi o intitulado momento do “fim da história, dos grandes relatos, das ideologias, da classe operária e do trabalho para compreensão da sociedade, dos sujeitos sociais, etc.Para essa corrente intelectual o capitalismo demonstrou a sua superioridade em relação ao socialismo. Mas as rebeliões populares na América Latina e agora em outras regiões do mundo – a partir da grande depressão do século XXI, iniciada em 2008 – recoloca o vigor das categorias marxistas, do movimento operário e da luta das mulheres em todo mundo. Nesse contexto aparece o feminismo institucional da atualidade, cuja herança advém do feminismo de estirpe capitalista, ou seja, o feminismo que pensa não ser necessário destruir o capitalismo para superar a desigualdade e que, além disso, a desigualdade entre homens e mulheres seria superada pela distribuição igual de poder entre homens e mulheres. O grande objetivo, entretanto, para essa perspectiva, é aprofundar a democracia burguesa, evitando conflitos e a participação das mulheres na luta de classes.
Como parte dessa onda intelectual, emerge, no final da década de 1980, a Teoria Queer. Essa teoria surgiu em uma etapa de refluxo do movimento e se fez por fora da luta de classes, contudo, tornou-se referência para o feminismo de gênero e é resultado de uma adaptação ao sistema capitalista patriarcal, pois nega a materialidade da opressão.
Para essa teoria o sexo se construiria a partir de um poder performático em que os gêneros feminino e masculino impostos pela heteronormatividade fariam com que os sujeitos encarassem esse modelo de forma obrigatória e, desta forma, cada sujeito individualmente interpretaria o corpo a partir do gênero.
O corpo, portanto, transformar-se-ia em um campo de possibilidades em que o sujeito poderia reinterpretar as determinações de gênero recebidas. Cada sujeito elegeria atuar outros gêneros que não o par masculino/feminino. Assim, para essa teoria, romper com a heteronormatividade e com o patriarcado seria uma questão de performance individual, um ato de valentia individual e a luta contra a opressão passaria por uma ação, mais uma vez, individual. A questão que escaparia a essa teoria, consequentemente, é a de que a heteronormatividade se baseia sobre a opressão das mulheres no interior da família patriarcal, especialmente como forma de garantir que o trabalho doméstico não seja remunerado.
Outro aspecto fundamental – ao qual a teoria Queer não atinaria – é que a heteronormatividade tem o papel de oprimir principalmente as mulheres, as crianças, os gays, lésbicas e travestis, então, no campo da luta contra a opressão de gênero não se pode perder de vista esse fato. Além disso, libertação da mulher tem um significado específico em relação à luta contra o patriarcado e a heteronormatividade. E essa opressão só pode acabar com o fim da família burguesa – o que não pretende a teoria Queer.
Como vimos, com o arrefecimento da luta feminista na década de 80, as teorias pós-modernas ganharam terreno. Teorias que perdem de vista a base material da opressão e a necessária luta política (coletiva) para que a opressão de gênero seja superada. Parte importante do esforço político da atualidade é retomar, ajustar e ampliar a teoria marxista, como base político-teórica capaz de ser ferramental não somente que dê conta da luta contra a opressão, como também da construção de um projeto de emancipação total da classe trabalhadora em geral e das mulheres em particular.
Modelo patriarcal e capitalismo
Reformas pretendidas no interior da família patriarcal (como querem as feministas burguesas ou reformistas) e as saídas individualistas (como pretendem as pós-modernas), não podem superar a opressão de gênero, pois esta se sustenta na vida doméstica que a burguesia, enquanto classe exploradora, precisa aumentar sistematicamente para manter a sua existência.
Patrícia Perez neste ensaio, além de fazer uma crítica riquíssima ao modelo patriarcal da família, aponta os equívocos das correntes majoritárias da luta feminista, bem como as insuficiências políticas e teóricas da esquerda mundial, principalmente da América Latina, em que, ao nosso ver, não se toma a luta contra o patriarcado de modo consequente. Como militante feminista e estudiosa do tema, López busca contribuir teórica e políticamente para o avanço da luta das mulheres a partir da corrente política feminista Las Rojas (As vermelhas), ligada ao Novo MAS e à corrente internacional Socialismo ou Barbárie.
Nestes países, medidas extremamente reacionárias estão em curso. Desde a negação de direitos já garantidos, como o aborto em caso de estupro, até a vista grossa em relação à punição de agressores de mulheres. Parte dessa política reacionária é a criminalização da luta contra o tráfico de mulheres, o feminicídio e pelo aborto livre, legal e seguro na rede pública de saúde.
Origem e natureza do patriarcado no Brasil
O capitalismo colonial brasileiro não somente fincou as bases da exploração econômica por meio da opressão exercida pela classe proprietária sobre os escravos negros, mas serviu também para cristalizar o preconceito e a opressão sobre as mulheres negras de forma mais bárbara do que sobre os homens.
Em “Casa-Grande e Senzala” – obra sobre o Brasil colonial que associa as relações familiares e escravistas patriarcais como fonte originária das relações de poder no Brasil, apesar de passiva de muitas críticas pela romantização da integração cultural e étnica brasileira – Gilberto Freire é o primeiro a demonstrar que o patriarcado tinha bases fundamentalmente econômicas. Neste período era o indivíduo do sexo masculino (Senhor de Engenho) que tinha poder absoluto sobre os escravos, homens e mulheres, seus filhos, esposa, concubinas e agregados em uma grande propriedade, na qual o centro do poder estava na casa-grande. Casa Grande e Senzala é a primeira obra que busca trazer as bases das relações de poder no Brasil, todavia não dá conta de toda a problemática. Em alguns casos não esclarece e em outros deturpa alguns pontos da origem da história nacional.
A relação patriarcal é o modus operandi de todas as relações sociais. Trata-se da manifestação de uma prática social e de uma visão de mundo em que a propriedade é a base fundamental de todas as formas de mediação social, mediação que é transferida para todas as relações, sejam elas políticas, econômicas, ou seja, não se limita ao ambiente privado.
Essa é uma das características mais marcantes do capitalismo brasileiro, em outras palavras, o capitalismo brasileiro foi constituído apoiando-se no patriarcado/patrimonialismo português e na escravidão. Foram as famílias patriarcais e escravocratas donas de engenho de cana de açúcar que constituíram o primeiro padrão patriarcal capitalista no Brasil e a principal unidade do capitalismo colonial.
Heranças do passado patriarcal-colonial
Estas bases da opressão, apesar das transformações forjadas pela resistência das oprimidas e oprimidos, persistem até os dias atuais, principalmente em relação à mulher. Apesar da industrialização brasileira ocorrida a partir da década de 30 e da intensa urbanização a partir da década de 50, as relações familiares brasileiras continuam marcadas pelo modelo patriarcal constituído no período colonial.
No aspecto econômico, as brasileiras seguem com menores salários em relação aos homens que desempenham a mesma atividade que elas, mas nas relações familiares, pessoais, jurídicas e políticas há também um descompasso terrível. A mulher brasileira é vista no interior do país e, principalmente, fora dele de forma machista e estereotipada. Anualmente centenas de turistas, vindos de várias partes do mundo, visitam o Brasil com o único intuito de realizar o chamado turismo sexual.
As casas-grandes foram centros de coerção patriarcal e religiosa, dois aspectos importantes para a organização capitalista nacional. Em relação ao aspecto sexual, Freire caracteriza esse modelo como patriarcalismo polígamo. (FREIRE)A história social da casa-grande é a história íntima de quase todo povo brasileiro: da sua vida íntima, doméstica, econômica e política. Portanto, o seu patriarcado é a representação do poder baseado em duas forças fundamentais: a escravidão dos mais “fracos” e a instituição do domínio do macho viril, capaz de submeter sexualmente várias mulheres.
A mulher é tida como propriedade do homem que tem o direito de lavar a sua “honra” com sangue, ou seja, a mulher ainda é vista como um não sujeito sobre a sua própria vida, seu corpo ou vontade. Ou seja, é a mentalidade patriarcal-escravagista que “justifica” o assassinato de duas mulheres a cada hora no Brasil, a ampla maioria desses assassinatos são motivados por razões “passionais”.
O Brasil é o país do femicídio
No Brasil, apesar de a crise econômica mundial ainda não ter acentuado o seu caráter mais perverso, a realidade das mulheres é bastante crítica. Nos últimos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no Brasil mais de 92 mil mulheres, 43,7,mil só na última década.(SINAN) O número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465 anuais, o que representa um aumento de 230%, quase triplicando a quantidade de mulheres vítimas de assassinato no país.
No Brasil, apenas 14,3% dos assassinatos de homens aconteceram na residência, em relação às mulheres essa proporção se eleva para mais de 40%. Ou seja, a maior parte dos assassinatos de mulheres ocorrem no espaço doméstico é cometido por seus parceiros, pais ou homens em geral.
Esse assustador número é comparável a uma situação de eliminação étnica ou de guerras civis e nenhuma política séria de combate foi criada diante disso. O governo Lula criou uma lei de combate a violência chamada Lei Maria da Penha ( esta lei leva o nome da ativista feminista cearense que ficou paraplégica após ser baleada pelo marido que a espancou ininterruptamente por mais de dez anos). A ironia é que a própria ativista homenageada com o nome da Lei, Maria da Penha, desamparada pelo governo brasileiro, teve que recorrer a instâncias internacionais para punir seu agressor.
Dados da Secretaria de Defesa da Mulher demonstram que a lei teve alguma eficácia somente no primeiro ano de criação, outros dados não oficiais apontam que atualmente a lei sequer atenuou os índices de violência contra as mulheres. Ou seja, as políticas sociais dos governos petistas demonstram em mais um tema que são medidas paliativas, pois são incapazes de resolver os problemas de maneira efetiva. No caso das mulheres, a política da bolsa família e de outras bolsas baseadas no pequeno crescimento do poder aquisitivo estão longe de solucionar a vulnerabilidade econômica, política e cultural, somada a falta de condições de proteção real das mulheres, leva a números mais elevados de agressão e mortes.
Vivenciamos ainda aspectos do Brasil colonial
Na medida em que tanto a escravidão moral, econômica, como a política são construídas por meio de regras estabelecidas e garantidas pelo jogo de poder entre os gêneros, não é difícil estabelecer relações entre a herança escravismo e a atual situação das mulheres, principalmente das trabalhadoras e das mulheres negras.
Não se trata de vitimização ou de congelar os sujeitos históricos, até porque as mulheres, assim como os negros, sempre procuraram assumir suas próprias vidas, sendo agentes de complexas relações, transformações e de ambições organizadas, mais ou menos radical.
Em uma rápida pesquisa historiográfica percebemos que logo após o fim da escravidão é possível notar o acirramento da luta e de algumas conquistas dos direitos das mulheres. Assim como os negros, as mulheres, apesar de a historiografia oficial negar a condição de sujeito, sempre resistiram à opressão e desde os tempos coloniais são sujeitos da sua emancipação.
A crítica que Lopez faz à família nos traz expectativas de que é possível não apenas para a vanguarda socialista, mas também para as massas trabalhadoras como um todo o processo de desmitificação da “instituição sacra” da família patriarcal-burguesa (até mesmo alguns revolucionários não ousam ou se constrangem a se opor a ela). No Brasil, país extremamente conservador e com a maior comunidade católica do mundo, a proposta de um modelo de família diferente, realizador para todos que a compõem, desafio que coloca Lopez, parece ainda maior.
A hora e a vez das mulheres
Se na história oficial as mulheres tiveram os seus capítulos apagados, hoje as mulheres em suas lutas estão os reescrevendo. O mais fantástico está vindo de regiões que se consideraria impensável para o avanço das lutas contra o patriarcado, como um mundo árabe, a Índia, a África e várias outras regiões.
Ao contrário de outras organizações que afirmavam existir paralisia, que o movimento de mulheres não se levantaria tão cedo, que não se radicalizaria e que a mobilização passaria somente por questões sindicais, como a precarização do trabalho, ao contrário, as mulheres têm tomado consciência do novo ciclo que se abre e, diante da crise do capitalismo, de que é necessário responder à maior exploração dos trabalhadores, principalmente sobre as mulheres.
Para finalizar, o texto de Lopez deixa como questão central a ideia de que para realizar a transformação socialista é necessário realizar uma crítica radical à estrutura patriarcal. Essa crítica, ao contrário do que pregam as teorias feministas pós-modernas ou as reformistas , deve ser feita de “cabo a rabo”, ou seja, deve atingir todo o complexo da estrutura patriarcal-capitalista em seus fundamentos materiais e culturais. Para isso, o único caminho viável é construir um movimento político massivo, organizado e radical , na teoria, no programa e nas táticas políticas.
Uma crítica marxista da família
PATRÍCIA PÉREZ
“Para mudar as condições da vida devemos aprender a vê-las com os olhos das mulheres”. Leon Trotsky, Problemas da vida cotidiana, 1924.
Introdução
Os delirantes golpistas hondurenhos publicaram nos jornais que os governos comunistas de Chávez e Zelaya propunham-se a estatizar as crianças. Se esta velha ideia de que os comunistas expropriam os filhos das pessoas se propagou alguma vez para provocar o horror das boas pessoas, apostamos que hoje qualquer medida nesse sentido seria recebida com um grande aplauso por muitíssimas crianças do Terceiro Mundo, necessitadas desesperadamente de que a sociedade encontre o modo de se encarregar delas.
Um dos êxitos do capitalismo foi conseguir que a reprodução da força de trabalho siga sendo realizada como trabalho escravo pela mulher. E faz isso mediante uma enorme pressão cultural, e retirando da maioria das mulheres a possibilidade de independência econômica. Sobre esta base de desigualdade se institui a família. Porém, quando a crise joga na miséria a camadas cada vez maiores de trabalhadores, com suas sequelas de decomposição social, violência e abandono, esta desigualdade se torna a base do feminicídio que percorre o planeta.
A família se tornou o lugar mais perigoso do mundo. Isto quer dizer que, salvo em situações de guerra, mais pessoas são agredidas dentro de sua casa por um membro de sua família do que por um estranho em um espaço público. Destas pessoas, 78% são mulheres e 18% crianças. No entanto, a ofensiva em defesa da família e contra os direitos das mulheres e das minorias sexuais, liderada pela igreja e setores da direita política , vai transcendendo o âmbito das missas e passado a luta política direta.[1] Agudizado pela crise mundial, o capitalismo intenta diminuir os gastos do Estado (iniciando pelo que teve de fazer na América Latina para conter as rebeliões de começos de século), transladando a responsabilidade pelos efeitos sociais da crise, desde o Estado ao âmbito privado, para a família.
Assim, os males da decomposição social, ao invés de custar dinheiro, custarão somente a vida dos mais débeis e a ruína física e psicológica dos demais. Os governos “progressivos” da América Latina facilitam esta operação. Suas políticas sociais não têm modificado em nada a situação das mulheres na sociedade. A reação econômica, enquanto durou, não as retirou do desemprego ou do pior trabalho informal e pior remunerado; o direito ao aborto lhes foi negado e as políticas de saúde reprodutivas não tiveram efeito sobre a quantidade de mortes pelo aborto clandestino; os mecanismos policiais e judiciais demonstraram-se absolutamente incapazes de combater ou prevenir a violência contra as mulheres; nenhuma estatística mede o desemprego das mulheres; nenhum plano de trabalho ou habitação as tem como objetivo preferencial, e nenhum plano estatal significativo inclui a criação massiva de viveiros/casas. E enquanto não surja um movimento de luta das mulheres capaz de imprimir seu selo próprio no movimento operário e popular, as coisas seguirão assim.
A situação do movimento de mulheres na Argentina
Esta falta de força do programa próprio do movimento de mulheres entre os das lutas populares parece contraditória em um mundo em que, a qualquer lado em que se mire há algo “de gênero”: comissões de gênero, secretarias de gênero, cátedras de gênero, ONGs de gênero, e um setor dedicado ao gênero em todas as livrarias.[2] E ainda mais na Argentina, onde milhões de ativistas sociais, gremiais e políticas se encontram a cada ano no Encontro Nacional de Mulheres com as militantes de todas as correntes do feminismo.
Este encontro começou a realizar-se faz 25 anos como um espaço de intercâmbio e debates da militância feminista. Depois de 2000, ao calor das lutas do Argentinaço, o Encontro se encheu de mulheres dos movimentos sociais, jovens ativistas estudantis e lutadoras gremiais. O encontro entre a militância feminista histórica e esta vanguarda de dezenas de milhares de ativistas era mais que propício para dar a luz a um forte movimento de luta das mulheres.
Desde esse momento se iniciou uma luta política no interior do Encontro. Os anos de derrota e cooptação por parte do Estado haviam feito seu trabalho nas correntes feministas históricas, que já haviam renunciado à mobilização como método para conseguir suas demandas; a ampliação de vanguarda de luta de mulheres provocada pelo ascenso do movimento popular só produziu o temor de que “seu” Encontro fosse “encurralado pelos partidos de esquerda”. Sua luta desde então consiste e em manter “ o espírito do Encontro”, ou seja, mantê-lo como um espaço de reunião e debate, porém bloqueando a possibilidade ( aberta objetivamente pela irrupção do Argentinaço) de que milhares de mulheres de todo o país que contribuíam ali, possam decidir uma ação nacional permanente em comum.[3] Esta negativa, na realidade, estende-se a todas as ações do movimento fora do Encontro, porque chegaram a levantar atos e assembleias convocados por elas, quando contribuíam as mulheres da esquerda.
O PCR, que maneja majoritariamente o aparato de organização dos Encontros, adere a esta política: ainda que tenha construído uma frente de massas no movimento dos desempregados ( a Corrente Classista e Combativa), não tem nenhum interesse em massificar a luta feminista ( como não tem em nenhum aspecto da luta política que tenha que ver com o desenvolvimento da consciência, segundo corresponde a todo bom partido stalinista) e, sim, muito interesse em manter este aparato sob seu exclusivo controle. Seu grande aporte político a estes esforços para evitar que os Encontros se transformem no congresso unificador de um movimento de luta das mulheres se relaciona com sua histórica aliança com a igreja católica.
Com a desculpa de que “damos bem-vindas a todas as mulheres, crentes ou não crentes”, utilizam a participação das militantes católicas nas oficinas para dar corpo a essa “minoria a que não se deve obrigar”, minoria que sem as católicas seria praticamente inexistente em questões como o direito ao aborto e a anticoncepção, por exemplo.
Qual é a armadilha de fundo do funcionamento por consenso? Se se tratasse como no começo, de encontros feministas, teria mais sentido (relativamente) funcionar por consenso, já que damos por sentado que as assistentes têm alguma base ideológica e algum objetivo comum. Mas quando o Encontro se massifica e se converte em campo de luta de todas as correntes políticas do país, incluindo o Estado e a Igreja (isto é, incluindo mortais inimigos dos direitos das mulheres), o consenso fica objetivamente bloqueado, e manter a ficção do consenso só faz com que uma ínfima minoria imponha sua vontade à enorme maioria. E a vontade do Estado e da igreja é, justamente, alcançar a paralisação de um movimento que, ao calor do levantamento popular primeiro e da crise capitalista agora, ameaça cobrar força e grande legitimidade popular, e se se radicaliza pode constituir-se em um elemento revolucionário. A burocracia feminista se alia com os stalinistas em cumprir com esta vontade da classe dominante, em troca de que lhe deixem um lugarzinho onde prosperar nas instituições do regime.
A isto veio somar-se a corrente Queer, que analisamos em um texto separadamente, com sua ideologia de fragmentação da mulher em infinitas identidades, cristalizadas em uma infinidade de pequenos grupos que não podem nem devem unir-se em uma luta em comum sob pena de “diluir” sua especificidade no movimento geral.
Nós, Las Rojas, vimos dando luta para que nos Encontros se decida um plano de luta nacional pelo direito ao aborto, denunciando a cumplicidade do Estado no tráfico de mulheres e na violência chamada “doméstica”, pela unidade do movimento de mulheres com as lutas operárias, tudo no caminho de construir um movimento feminista de luta, independente do Estado e aliado ao movimento operário e popular.
Las Rojas foi se construindo numa luta tratando de responder a duas necessidades. Uma, mais estratégica, tem que ver com o relançamento da luta pelo verdadeiro socialismo depois deste ser tão abastardado e sujo pelos anos de dominação stalinista, e obscurecido pelas deformações do trotskismo do segundo pós-guerra. A nosso juízo, o socialismo não tem que ser visto como uma mera transformação de relações de propriedade, mas com uma revolução de todas as relações opressão, e entre estas a opressão do gênero ocupa um primeiríssimo lugar, não só porque as mulheres são a metade da humanidade, mas também porque por meio da instituição familiar se reproduzem e se naturalizam todas as relações de opressão do sistema.
A outra é uma necessidade política, mais imediata, porém muito importante. Nos intentos dos ideólogos do capitalismo pós-caída do Muro por criar teorias opostas ao classismo e ao marxismo, a questão de gênero ( como também o indigenismo e o autonomismo sindical) tem sido uma “favorita”. Inclusive o acesso de mulheres aos altos mandos dos estados burgueses têm sido publicizado como um avanço a democracia, e a “ONGização” da miséria feminina como um “emponderamento” das mulheres pobres. Se queremos contribuir para a recomposição do movimento revolucionário, não podemos evitar a luta contra as ideologias pós-modernas em todos os campos.
Esta luta contra a burocracia feminista, que pugna por manter o movimento de mulheres fragmentado, isolado e despolitizado de maneira a conservar suas próprias alianças com o Estado burguês, tem sido uma verdadeira escola de luta política e um importante meio de construção partidária durante nosso cinco anos de participação no Encontro Nacional de Mulheres e nas ações e debates do movimento durante o resto do ano. E teve um ponto de inflexão no último Encontro em outubro de 2009, quando nós, Las Rojas, impulsionamos a unidade de ação de centenas de mulheres que junto a nós retiraram as militantes católicas das oficinas, a golpes contra a tropa de choque do PCR e ao grito de “PCR traidor”.[4]
Esta crise no Encontro de mulheres, que é o evento principal da reunião do movimento no país, demonstra que o movimento de mulheres não ficou ( não podia ficar) fora da situação de polarização geral: a direita burguesa, em seus intentos de impor seus próprios modos de dominação, arrasa com o status quo populista representado pelo governo K no pós Argentinaço, e o movimento operário e popular oferece diante desses avanços uma forte resistência. As correntes feministas tradicionais e pós-feministas ficaram presas entre estas forças, e terão que se definir. Esta situação de “politização de fato” que começa a sofrer o movimento, abre para o feminismo revolucionário uma grande oportunidade de avançar sua construção.
Busca-se uma estratégia
A partir deste necessário panorama do movimento de onde estamos, Las Rojas, nos construindo, passemos a um plano mais teórico. Mais além das diferenças que mantêm entre si, a incapacidade das ideologias dominantes no feminismo de hoje para configurar um movimento de luta tem que ver, a nosso juízo, com um “esquecimento” enquanto ao conceito de gênero.[5] Esquecem que a sociedade impõe a mulher ser de certa maneira, que é para destiná-la a fazer certo trabalho. E que isto ocorre ao gênero mulher não como uma soma de sujeitos sociais com certas características, mas como um sujeito social: a mulher é mãe da sociedade capitalista, é a que faz o trabalho de reprodução ( crianças e tarefas domésticas) como trabalho não pago, no âmbito privado da família.
Obviamente que muitos indivíduos de sexo feminino, inclusive multidões deles em certos períodos, podem eleger não ser mulher no sentido de não aceitar o ser nem o fazer impostos pela sociedade a seu gênero; conta-se com uma série de vantagens econômicas e culturais. Porém, o problema subsiste: quem faz o trabalho?
Adam Smith dizia que se a riqueza se repartisse entre todos por igual, ninguém iria querer trabalhar. Este é o sentido comum com que a burguesia justifica a exploração, e também a busca imperialista de novos contingentes humanos aos que explorar nos países dependentes: ainda que a mobilidade social (a possibilidade das pessoas de escapar da exploração) seja desejável para a democracia, sempre deve se manter um setor da sociedade em situação de trabalhar compulsivamente, ou não há trabalho algum e a sociedade morre.[6] Teve-se que criar uma teoria para uma organização classista da produção, o socialismo científico, para dotar o movimento dos explorados de uma estratégia superior para toda a sociedade: abolir as classes acabando com a exploração em geral.
Neste terreno deve-se situar o problema. A abolição da opressão de gênero começa por abolir a divisão do trabalho entre os gêneros, que é o que os constitui, promovendo o pleno acesso das mulheres à produção social e a absorção pelo coletivo social das atuais funções econômicos da família, como um setor a mais da produção.
Este tipo de lutas são as que não querem promover as correntes dominantes no que hoje se chama oficialmente feminismo. Algumas delas, junto aos seus irmãos do pos-marxismo que decretaram o fim da classe operária e o nascimento de múltiplos gêneros. Outras dizem que relacionar a opressão das mulheres com a função da família no sistema de classes serve aos marxistas para negar a necessidade da luta específica pelos direitos da mulher, já que estes seriam resolvidos em seu momento pela revolução socialista.[7] Opinamos justamente o contrário: a compreensão de que a opressão da mulher é funcional ao sistema é condição para que exista um movimento de mulheres, porque como se constitui em movimento contra a opressão se não se toma consciência das razões dessa opressão, e da relação dessa opressão com o resto do mecanismo social, identificando assim inimigos e aliados?[8]
As funções da família no capitalismo
“As mulheres que trabalham nas fábricas recebem em geral salários muito inferiores aos dos homens, e houve manifestações de lástima por elas a este respeito baseadas em uma simpatia talvez pouco ajuizada, já que o baixo preço de seu trabalho tende a imbuir-lhes da ideia de que cumprir com seus trabalhos domésticos resulta mais proveitoso, e é, além disso, uma atividade mais agradável, com a qual se evita que se sintam tentadas pela fábrica, abandonando o cuidado de seus filhos e do lar. Deste modo, a Providência consegue seu propósito” (Andrew Ure, Philosophy of manufactures).[9]
Para abolir a divisão do trabalho entre os gêneros, a mulher teria que se integrar à produção social e a sociedade absorver as tarefas domésticas como um setor/categoria da produção social. Com a revolução industrial, o capitalismo, a seu modo brutal, empregando milhões de mulheres e crianças nas fábricas, “cumpriu” por um tempo com a primeira parte deste programa:
“Até 1840, a maioria dos trabalhadores nas fábricas britânicas eram mulheres e crianças. As terríveis condições de vida e trabalho que os assalariados sofriam destruíram qualquer coisa que se parecesse a uma vida familiar normal, e o acesso das mulheres aos seus próprios ingressos lhes permitiu escapar da necessidade do matrimônio. Isto levou a muita gente (entre eles Marx e Engels) a falar da morte fa família da classe trabalhadora”, ainda que se deteve antes na segunda:
“De fato, a família não só sobreviveu, mas também floresceu, ainda com uma forma diferente. O capitalismo dependia de um aporte ininterrupto de mão de obra. Aqueles que dirigiam o sistema se davam conta progressivamente de que a família era a melhor maneira de assegurar-se desse aporte com um custo mínimo para eles. A partir de meados do século XIX fizeram-se intentos conscientes de recriar uma família estável entre as classes trabalhadoras. Isso colocava, em parte, a exclusão gradual de mulheres e crianças de certas áreas da produção e o pagamento de um salário familiar aos homens. Excluiu-se as mulheres, em particular, das indústrias que ameaçavam sua capacidade de ter filhos”.[10]
Os conselhos do simpático doutor Ure que presidem este ponto refletem muito bem este período, quando o capitalismo se dedicou conscientemente a reconstruir uma família operária em que a reprodução da força de trabalho ( criança de futuros trabalhadores mais alimentação, vestimenta e alojamento dos atuais) se realizasse do modo mais barato possível para o sistema.
A partir deste momento, o capitalismo moveu-se sempre entre estas duas necessidades: utilizar as mulheres como exército industrial de reserva ( por exemplo, em épocas de crise econômica ou guerra) e utilizar seu trabalho doméstico gratuito para reduzir ao mínimo possível o salário do trabalhador.[11]
Por isso, quando a crise ou a guerra passam, o sistema começa a despedir as mulheres da produção e repõe os homens. A ideia de que o lugar da mulher é o lar, ou de que se “tira o trabalho dos homens”, faz com que provocar um grande desemprego feminino tenha menores custos políticos do que o desemprego masculino.[12] Há outras funções de reprodução que cumpre a família: uma é a reprodução da desigualdade social. Os bens de um proprietário, quando este morre, não se devolvem à sociedade, mas passam a seus filhos. Por meio da família, a burguesia se assegura da acumulação de riquezas em sua própria classe. As crianças que nascem em famílias despossuídas, ao contar para construir seu futuro somente com os recursos dos pais, irão quase inevitavelmente engrossar as filas dos assalariados.
Outra muito importante é a reprodução ideológica dos valores da sociedade de classe, mediante a repressão das novas gerações. Os bolcheviques no governo soviético, por exemplo, fizeram ingentes esforços econômicos e culturais para substituir a organização familiar por outra maus comunitária, com o fim de libertar a mulher do alheamento e da exploração domésticas e integrá-la à vida política e social, e oferecer a nova geração que crescia no estado operário um âmbito de criança e educação menos opressivo e isolado. Entre as primeiras medidas contrarrevolucionárias da burocracia usurpadora esteve a exaltação da “família operária” e o recorte de todos os direitos das mulheres que o estado operário havia promulgado, como o direito ao aborto, já que, ao dizer da burocracia, “ havendo alcançado o socialismo, a mulher soviética não tem o direito de renunciar às alegrias da maternidade. O retrocesso reveste formas de asquerosa hipocrisia, e vai muito mais longe do que exige a dura necessidade econômica. O motivo mais imperioso do culto atual à família é, sem dúvida alguma, a necessidade que experimenta a burocracia de uma hierarquia estável de relações sociais e de uma juventude disciplinada por quarenta milhões de lares que servem de pontos de apoio à autoridade do poder” ( Léon Trotsky, A revolução traída, 1936).
Maternidade compulsiva e disciplinamento da juventude foram bases para a instalação de um regime que, como hoje sabemos, não foi uma transição ao socialismo “detida” ou degenerada, mas uma transição a restauração do capitalismo.
A abolição da família
“A atitude marxista frente à família (…), a ideia de que o sistema familiar é uma instituição que fomenta a opressão classista e sexista, pode dar a entender que os socialistas estão intentando destruir o único refúgio que fica ao ser humano. Isto é o contrário do que defendem os marxistas. Nosso objetivo é destruir aquela forma de vida diante da qual há que se refugiar para poder sobreviver. Nosso objetivo é situar todas as relações humanas sobre a base do respeito mútuo, a igualdade e o afeto genuíno, abolindo a chantagem econômica e a desigualdade sobre os que estão / a qual se está se construindo o sistema familiar (…). Eliminar a dependência econômica que mantém agrupada, à força, a esta unidade básica da sociedade impedindo que se desenvolvam formas superiores de relação humana”.[13]
O acesso igualitário das mulheres a todos os setores da produção social implica igual acesso, tal qual o dos homens, à independência econômica. Isso já é um passo enorme enquanto a superação da opressão de gênero: a pobreza tem cara de mulher, e muitas suportam situações de violência por não poderem manter-se a si mesmas e a seus filhos. Mas, além disso, para o acesso igualitário à produção se faz necessário o acesso à educação, à sindicalização e à vida política, reforçando sua capacidade material e psicológica de fazer-se respeitar pelos demais, individualmente e como coletivo.
Para que esta transformação possa realizar-se sem significar a superexploração de uma dupla jornada, o trabalho doméstico, ou grande parte dele, tem que se converter também em produção social, na forma de creches, lavadeiros, e restaurantes públicos, que prestem seus serviços com igual qualidade, ou pelo menos a mesma que alcançam atualmente como trabalho privado. E o mais importante: o bem-estar material e o desenvolvimento espiritual de todas as crianças, tenham ou não pais, devem ser responsabilidade e tarefa do coletivo social. De todas as crueldades e absurdos do capitalismo, talvez o pior seja o fato de que, em um mundo em que um lápis ou uma taça se produzem combinando o trabalho e o saber de muitíssima gente, o destino de uma pessoa recaia em tão grande medida sobre a capacidade e vontade de somente dois.
Como vemos, assim como para o marxismo acabar com a exploração significa muito mais que “dividir a riqueza”, superar a opressão de gênero implica muito mais que um salário para a dona de casa ou maridos lavando pratos: significa garantir que a participação de cada pessoa na produção e reprodução não dependa em absoluto de seu sexo, e que a vida sexual e afetiva deixe de estar assinada pelas necessidades da produção e reprodução sociais.
A luta contra a heteronormatividade
Separar a sexualidade da reprodução afasta, além disso, toda a razão de ser da diferenciação entre hetero e homossexuais, e proporciona uma base consistente para a unidade da luta de mulheres e “minorias”.
É claro que os marxistas apoiam o direito democrático do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo que reivindicam os movimentos gays em muitos países, mas não nos conformamos com que gays e lésbicas compartilhem com os heterossexuais as misérias da família na sociedade capitalista. Por exemplo, as misérias da mercantilização e a prostituição, sempre inseparáveis da família burguesa monogâmica e patriarcal. O sistema capitalista se esforça por criar uma aparência de integração dos gays – junto com o dispensar do movimento de mulheres – direcionando-os como clientes do mercado: boliches, roupa, turismo, chegando inclusive a fazer passar os hotéis de luxo para burgueses gays com serviço de garotos ao quarto como se fosse um avanço na igualdade de direitos.
“Rechaçar a obrigação do coito e as instituições que essa obrigação produziu como necessárias para a constituição de uma sociedade é simplesmente impossível para a mente hétero (…). Assim, quando é pensada pela mente hétero, a homossexualidade não é outra coisa que outra heterossexualidade”.[14]
As políticas de “integração” burguesas, as que aderem entusiasticamente funcionários de governos que se negam rotundamente a legalizar o aborto (como os do INADI argentino)[15], fazem estragos na consciência coletiva e na situação dos integrantes de “minorias” sexuais, compelidos a intentar escapar da discriminação pela via de parecer o mais possível a “maioria”, isto é, demonstrando que são bons para fazer o que o capitalismo espera das pessoas exitosas: casar-se e produzir lucros. Esteriliza-se assim o potencial revolucionário da luta contra a heteronormatividade. Não é de estranhar que o sistema patriarcal tenha cooptado para esta operação de mercantilização/matrimônio ao ativismo gay de homens em maior medida que ao de lésbicas, em que há mais feministas.
A mesma utilização da palavra “minorias” é uma operação enganosa. Os não heterossexuais integram uma maioria que sofre a repressão sexual que rege no sistema capitalista patriarcal. À sexualidade das mulheres, qualquer que seja sua normalidade, deixou-se uma margem tão minúscula de normalidade, que a mínima expressão livre de seu desejo, em seguida, a joga no território do diferente.
Com o risco de que nos acusem uma vez mais de querer diluir a luta das minorias ( outro dos pecados das feministas socialistas segundo o evangelho Queer), consideramos que a luta contra a heteronormatividade é parte da luta feminista, e advogamos pela unidade de ambos movimentos para lutar pelas reivindicações de todos, na estratégia comum de abolição da família.
“Desgraçadamente, também de muitos camaradas se pode dizer que ‘Escave/raspe o comunista e aparecerá o filisteu’. Escavando/raspando, naturalmente, num ponto sensível, em sua mentalidade acerca da mulher” ( V.I.Lenin).
Na espanha dos anos 30, antes da Guerra Civil, uma feminista reformista chamada Campoamor empreendeu uma luta parlamentar pelo voto feminino em seu país. Conseguiu-o, assombrosamente, apoiando-se nos deputados de direita contra os de esquerda: por esses dias, o governo direitista de Primo de Rivera estava necessitado de mostrar alguma abertura democrática para competir com o movimento republicano, e os deputados republicanos – democratas, mas não fanáticos – não queriam saber de nada com que as mulheres votavam, porque as supunham muito influenciadas pela Igreja e temiam que o voto feminino daria vitória a direita. Quando a direita monárquica efetivamente triunfou nas eleições de 1922, todos deixaram a culpa a Clara, que foi expulsa de seu partido ( o Radical Socialista) e repudiada por quase toda a esquerda parlamentar. No ano seguinte tornou-se a fazer eleições, nas que obviamente também votaram as mulheres, e a Frente Popular ganhou por uma margem maior do que havia alcançado a direita um ano antes. Mas, isso não fez com que os democratas espanhóis reabilitassem Clara, que terminou seus dias exilada pelos franquistas e abandonada por seus correligionários.
O desprendimento com que estes democratas renegaram sua bandeira de sufrágio universal por conveniências eleitorais do momento pinta de coro inteiro como a burguesia constrói suas políticas: seja de direita ou de esquerda, a política burguesa é pragmática, não têm princípios. E o primeiro signo de adaptação à política burguesa de stalinistas, socialdemocratas e burocratas sindicais é a adoração desse “praticismo” burguês: os princípios estão bem enquanto não nos façam a vida difícil.
A vida dos revolucionários espanhóis era bastante mais difícil do que a dos deputados “de esquerda”, no entanto empenharam todas as suas forças para integrar as mulheres à vida política num país em que 80% delas eram camponesas analfabetas e o salário das poucas trabalhadoras que havia, cobravam-no seus maridos. Construíram toda classe de organizações sindicais e culturais de mulheres, e defenderam seus direitos contra os fascistas, contra a burguesia republicana e contra o stalinismo, que ao intervir na Guerra Civil para derrotar a revolução proibiu a participação das mulheres na luta armada. Desarmar as mulheres equivalia a debilitar as milícias populares que não obedeciam ao mando burguês.
Já Lênin e Clara Zetkin, quinze anos antes, haviam se chocado com a negativa de seus camaradas europeus quando se propuseram a promover a organização das trabalhadoras a partir de suas próprias reivindicações, chamando um “congresso internacional de mulheres sem partido” no que participassem inclusive as feministas burguesas, para levantar ali o programa revolucionário de emancipação da mulher que o estado operário intentava levar adiante.
E desde os primeiros tempos do movimento operário, revolucionárias como Flora Tristán tiveram que lutar contra a tendência do movimento sindical de expulsar as trabalhadoras por crer que sua entrada na indústria diminuía o salário geral, o que fez Flora escrever sua célebre consigna: “A libertação das mulheres será obra das mulheres mesmas”.
Nem todos os processos revolucionários foram acompanhados, como a Guerra Civil espanhola, por um forte movimento de mulheres. Nem todos os dirigentes que atuaram nesses processos tinham a cultura feminista de Flora, Trotsky ou Clara Zetkin. Porém, em todos esses processos, os revolucionários mais conscientes mostraram uma grande preocupação por impulsionar a luta das mulheres por suas próprias reivindicações, e quando não o alcançavam, viam isto como uma limitação do movimento revolucionário geral. Parece ser que em meio à revolução os princípios tomam um caminho bem “prático”. Muito longe do prejuízo de alguns trotskistas de antigamente acerca do que “o feminismo divide a classe operária e une a operária com a burguesa”, se impõe a ideia verdadeiramente marxista de que a unidade da classe operária só é possível em base a luta por libertar aos mais explorados e oprimidos da classe, como as mulheres e as etnias e nacionalidades oprimidas.
Quando a “unidade da operária com a burguesa” esse “perigo” existe em qualquer luta democrática. A nenhum marxista ocorria, por exemplo, dizer que não há que lutar pela libertação das colônias do imperialismo porque isso “une os operários coloniais com os burgueses coloniais”. Parece-nos que este prejuízo parte de desconhecer que há um programa operário e socialista para a emancipação da mulher, contraposto ao programa feminista burguês, como há um programa operário para a libertação nacional contraposta ao programa nacionalista burguês, e que esta contraposição não descarta, mas na verdade exige, momentos de unidade de ação e uma política dos revolucionários até o movimento em seu conjunto.
Mas, a luta feminista não é só uma luta democrática. “A família é o último reduto da propriedade privada”, escreveram Engels, Marx, Trotsky e outros. A burguesia demonstra uma grande sutileza ao atacar o marxismo pelo lado da família e da religião, coisa que já vem fazendo desde a época do Manifesto Comunista. Quando o questionamento ao capitalismo percorre o mundo, a burguesia, assustada, refugia-se em “seu último reduto” conservador, o lugar onde as relações de exploração e opressão seguem revestidas de uma auréola moral, quando essa auréola já caiu do rosto da economia, das instituições do estado, etc.
E em momentos de transição ao socialismo, desde esses últimos redutos conservadores a burguesia espreita para rearmar-se; dois deles se preocupavam enormemente com os bolcheviques no governo: a família e a pequena propriedade, que levavam em si o germe da sociedade de classe ainda quando não possuíam exploração assalariada.
Lutamos para que o movimento revolucionário, desde os anos de deformação stalinista, recupere a ‘“sutileza” da luta socialista como luta contra toda opressão e violência, pelejando por arrastar a opressão de gênero ao mesmo lugar que queria Engels para o Estado: ao museu de antiguidades, junto à roca e ao machado de bronze.
Mas ainda subsiste uma pergunta. Se a emancipação da mulher é uma tarefa socialista, ou seja, uma tarefa do movimento operário, para que se necessita de um movimento específico de luta contra a opressão de gênero? Concluamos esse artigo com a bela contestação de Trotsky:
“Vós poderíeis perguntar que sentido tem o trabalho de vossa organização, se a situação da mãe e da criança depende em primeira instância do desenvolvimento das forças produtivas do país, e só em segundo lugar da estrutura social (…). Em qualquer estrutura social, inclusive a socialista, pode ver-se em face à situação de contar com os meios materiais necessários para alcançar um determinado avanço e, no entanto, não poder realizá-lo. As tradições servis, a estupidez conservadora, a falta de iniciativa para destruir velhas formas de vida, também se encontram na estrutura socialista como remanescentes do passado. E a tarefa de nosso partido e de organizações sociais como a vossa é extirpar os costumes e a psicologia do passado, e evitar que as condições de vida se mantenham em um nível inferior aos que permitam as possibilidades socioeconômicas.
“O desenvolvimento das forças produtivas não é necessário em si mesmo. É necessário para construir os cimentos de uma nova personalidade humana, consciente, que não obedeça a nenhum amo na terra, que não tema a nenhum senhor que esteja no céu; uma personalidade humana que resuma em si mesma o melhor de tudo o que foi criado pelo pensamento em épocas passadas; que avance solidariamente com todos os homens, que crie novos valores culturais, que construa novas atitudes pessoais e familiares , superiores e mais nobres que as que se originaram na escravidão de classes. Lênin nos ensinou a avaliar os partidos da classe operária de acordo com sua atitude ante às nações oprimidas. Por quê? Se tomamos, por exemplo, o operário inglês, será relativamente fácil despertar nele a solidariedade com o proprietário do seu próprio país. Contudo, que se sinta solidário com um coolie chinÊs, que o trate como um irmão explorado, será muito mais difícil, já que isso implicará romper com uma concha de arrogância nacional solidificada durante milênios, não durante séculos.
Da mesma maneira, camaradas, solidificou-se durante milênios, não durante séculos, a concha dos prejuízos do chefe da família ante à mulher e os filhos; tenhamos em conta que a mulher é o coolie da família. Vós deveis ser a escavadeira moral que arrase com este conservadorismo enraizado na escravidão, nos prejuízos burgueses, e nos da mesma classe operária, que nisso arrasta o pior das tradições camponesas. E todo revolucionário consciente se sentirá obrigado a apoiá-lo com todas as suas forças”.[16]
[1] Além do recrudescimento da cruzada mundial contra o direito ao aborto, na Argentina os bispos a empreenderam contra a educação sexual pública tibiamente impulsionada pelo governo por considerá-la “neomarxista e baseada no conceito de gênero”, Além disso, invadiram com centenas de militantes católicas das oficinas sobre Anticoncepção e Aborto do último Encontro Nacional de Mulheres, com a cumplicidade das dirigentes desse evento ( militantes do stalinista Partido Comunista Revolucionário, aliado à Igreja e a Sociedade Rural). Católicas e stalinista foram arrastadas das oficinas a pontapés pelas participantes do Encontro.
[2] O imperialismo gastou incontáveis milhões em subsidiar tudo isso. Mas não o fez, entretanto, com a intenção de fortalecer o movimento das mulheres, mas para financiar sua decomposição, como explicamos na primeira parte deste texto.
[3] Nos encontros está proibido votar porque não se deve obrigar a nenhuma mulher a obrigar-se a ações que não compartilhe e o encontro funciona em oficinas separadas sem nenhuma instância de decisão conjunta. As declarações políticas do evento correm por exclusiva conta da comissão organizadora.
[4] Para um relato pormenorizado dos fatos, vide o periódico do Novo Mas, Socialismo ou Barbárie, 162.
[5] Este conceito, imposto pelo combativo movimento feminista dos anos 60, é uma grande conquista teórica das mulheres. Consiste em separar os sexos biológicos dos atributos que se lhes impõe socialmente: homem agressivo, racional e criador; mulher passiva, emocional e maternal. parte do socialmente imposto é a eleição de casais do sexo oposto.
[6] Um fenômeno muito comentado ( que parece feito para dar razão a Adam Smith no terreno do trabalho de reprodução) tem preocupado os estadistas imperialistas: os europeus não se reproduzem. Quanto a reprodução da força de trabalho massiva, o imperialismo resolve o problema utilizando outro sujeito social para realizá-la: as mulheres pobres do Terceiro Mundo. Porém, subsiste a preocupação pela reprodução da classe média europeia de que, ainda que seja menor,também é necessária para o sistema. Por ora, os intentos de alguns governos, como o de Sarkozy, por cercear direitos como o aborto legal foram recebidos com um contundente repúdio por parte das mulheres, que o fez retroceder pelo momento.
[7] De nossa parte, não confiamos em nenhuma solução “de fato” a opressão das mulheres. Cremos que na transição do capitalismo ao socialismo a consciência é tudo e o automatismo nada. Se não há programa feminista consciente para levar adiante a tarefa de socialização do trabalho doméstico e a integração plena das mulheres a todos os setores da produção social, estas não ocorrerão e, portanto, tampouco ocorrerá o socialismo. Por isso lutamos desde hoje para desenvolver a luta feminista e integrá-la a luta socialista.
[8] Um exemplo típico da falta de estratégia de muitas correntes feministas é o de colocar como inimigo das mulheres o “coletivo de homens” ao mesmo nível que o Estado ou a Igreja, ou a referir-se “às igrejas” incluindo ali os partidos marxistas.
[9] Citado por Scheila Rowbotham em Hidden from History.
[10] Marçal Solé e Paso Gredila, La lucha por la liberación gay y lesbiana.
[11] Recordemos que o salário, como o preço de qualquer mercadoria, não pode reduzir-se mais além do necessário para alcançar a reposição dessa mercadoria: deve alcançar para que o trabalhador retorne diariamente ao seu posto alimentado e descansado. E também para repor a força de trabalho em longo prazo, com a produção de novos trabalhadores. Ao se realizar como trabalho doméstico gratuito, esses serviços são mais baratos que se o trabalhador tivesse que comprá-los no mercado pelo qual o salário se abarata.
[12] Ainda que não seja sempre assim. A entrada massiva das mulheres ianques na produção durante a II Guerra mundial, e o posterior intento do governo de devolvê-las a sua casa, constituiu um campo fértil para o desenvolvimento do movimento feminista dos anos 60.
[13] Mary Alice Waters, Marxismo y Feminismo, Fontamara, 1989, pp. 81-83.
[14] Monique Wittig, La mente hétero, Nova York, 1978.
[15] Instituto Nacional contra a Discriminação, cuja diretora encabeçava as Marchas do Orgulho com a consigna de matrimônio gay.
[16] Discurso dirigido a Terceira Conferência Sindical sobre a Proteção às Mães e aos Filhos, dezembro de 1925. Citado em Leon Trotsky, Caroline Lund, Elizabeth Bames, La liberación de la mujer, Elevé, 1971. Destaques nossos.